Esquizofrenia, o mal que atormenta

Data: 11 de agosto de 2014

Fonte/Veículo: Jornal Diário da Manhã/Editoria Cidades

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DIÁRIO DA MANHÃ
DIVANIA RODRIGUES

 

O transtorno mental já foi encarado como loucura e levou muitos a sanatórios ou à procura de religiões sendo entendidos como casos de possessão. Atualmente a doença tem tratamento e não assusta mais como antes.

 

 

Quem ao andar pela rua em uma noite escura já teve a sensação de estar sendo seguido ou pensou ter escutado alguém o chamando pelo nome? Essas situações são – de certa forma e até certo ponto – comuns. Porém, há pessoas que ouvem vozes e sentem-se perseguidas durante um período de tempo considerável. Por vezes elas também têm a convicção de que estão vivenciando experiências que, na verdade, não são reais. Esses sentimentos podem ser observados em momentos de surtos de um transtorno mental chamado esquizofrenia.

No mundo são 24 milhões de pessoas acometidas pela esquizofrenia de acordo com o último relatório da Organização Mundial de Saúde de 2001. Conforme o artigo de Wagner F. Gattaz, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, publicado no site do Instituto de Psiquiatria, o risco de uma pessoa ser acometida pelo transtorno durante a vida é de 1%, sendo que a idade média de início está entre os 20 e 25 anos para homens e 25 e 30 para mulheres.

Ainda conforme com o artigo de Wagner, a prevalência, ou seja, sua frequência em determinado ponto no tempo é de 0,5% e a incidência por ano é de 30 novos casos a cada 100 mil habitantes. A doença também é responsável por 25% das internações psiquiátricas, segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Esquizofrenia, de 2002.  

 

Acepção

O termo esquizofrenia passou a ser utilizado pelo psiquiatra suíço, Eugen Bleuler, por volta de 1911. De acordo com o exposto por Wagner, esquizo se refere a cisão e frenia a mente, assim  Bleuler definia que a doença era caracterizada principalmente pela “cisão do pensamento, do afeto, da vontade e do sentimento subjetivo da personalidade”.

Conforme o médico psiquiatra José Reinaldo do Amaral, a esquizofrenia pode ser definida como um transtorno mental, grave, deteriorante e irreversível. José Reinaldo é professor de Psiquiatria e de História da Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de Psicopatologia do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Goiás), também é coordenador da Comissão de Residência Médica (Coreme) do Hospital das Clínicas (HC) e membro da Academia Goiana de Medicina.

A doença é considerada um transtorno “posto que é de causas múltiplas e de sintomatologia variada” afirma o especialista. Para ele, diversos fatores são responsáveis pela esquizofrenia, prevalecendo uma indispensável predisposição genética. Ela é descrita frequentemente como sendo decorrente de alterações no funcionamento cerebral, que leva o paciente à perda do contato com a realidade. 

 

Sintomas

De acordo com o psiquiatra José, a sintomatologia da esquizofrenia é variada e ocorre em domínios múltiplos. Ele esclarece que entre estes se destacam cinco dimensões clínicas. A dimensão de distorção da realidade, que inclui os delírios e as alucinações. Também há a da desorganização, em que a fala fica desorganizada e o paciente desenvolve distúrbios da atenção e conduta bizarra.

Ainda existe a dimensão deficitária, em que há comprometimento dos afetos, perda da energia de vontade e retraimento social. Outra dimensão é a cognitiva, com perda da capacidade de abstração e do insight. Por último existem os sintomas da dimensão afetiva, em que impera a depressão, sentimentos de culpa e ansiedade.

No artigo, Wagner F. Gattaz explica que os sintomas da esquizofrenia são classificados em produtivos e negativos. O delírio e as alucinações seriam os mais característicos da sintomatologia produtiva. No texto ele ainda elucida o que é delírio e alucinações. “Entende-se por delírio um juízo falso e irredutível da realidade, como por exemplo, um delírio de perseguição (delírio paranoide), no qual o paciente sente-se perseguido e ameaçado por outras pessoas, interpretando fatos da vida cotidiana como provas cabais de sua perseguição.” 

 Já as alucinações são descritas como percepções sem estímulo externo, como ver ou ouvir coisas não presentes, sendo as auditivas as mais frequentes. “O paciente escuta vozes de pessoas ausentes, comentando sobre seu comportamento ou dando-lhe ordens imperativas, às quais ele não consegue resistir. O paciente passa a sentir-se influenciado por outros, perde o controle de sua própria vontade, sente-se controlado por telepatia, por hipnose, como um robô”, Gattaz escreve. 

 Os pacientes podem ainda “interpretar delirantemente estímulos reais, como por exemplo achar que uma determinada notícia na televisão ou no rádio refere-se à sua pessoa”, revela o artigo. Já a sintomatologia negativa seria caracterizada, pela “diminuição da ressonância afetiva e por um empobrecimento do conteúdo do pensamento”.

 Para haver um diagnóstico da doença não há um exame laboratorial específico. O diagnóstico é realizado por especialistas em observações clínicas baseada no DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e/ou no CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde). Durante o diagnóstico são observados se há a predominância dos sintomas relatados pelo paciente e seus familiares.

Não há cura para esse transtorno mental. Mas seu tratamento evolui ao ponto de controlar os sintomas e tornar a vida do esquizofrênico a mais normal possível. Os pacientes são tratados com medicação antipsicótica que deve ser instituída o mais precocemente possível e utilizada por longo prazo. Porém, em alguns casos, em que há comportamentos mais agressivos, alguns especialistas podem ainda recomendar a hospitalização.

 

Como identificar um possível esquizofrênico

Para José Amaral é possível identificar se alguém em seu meio possa ter esquizofrenia. “Em geral, trata-se de um jovem que, anteriormente, levava uma vida normal, mas vai paulatinamente se afastando dos amigos, se distanciando emocionalmente das pessoas, perde o interesse pelos estudos, pelo trabalho, pelas atividades normais do cotidiano. Torna-se isolado, sem interesse por nada”, esclarece. Ele ainda lembra que podem surgir os sintomas psicóticos, que chamam mais a atenção e facilitam a identificação inicial como os delírios e as alucinações. Basicamente, “há uma importante ruptura da trajetória existencial da pessoa, não parece mais a mesma de antes”, afirma o especialista.

 Para ele a melhor maneira de ajudar um esquizofrênico é a detecção precoce e a instituição do tratamento. “O transtorno é deteriorante. Quanto mais cedo se intervém, menor será o prejuízo para a pessoa”, explica.

 

Comportamento

Wagner F. Gattaz afirma “que após o primeiro surto esquizofrênico um terço dos pacientes nunca mais adoece. Um terço volta a ter outros surtos com intervalos sadios, e apenas um terço tem um curso desfavorável, desenvolvendo uma sintomatologia residual (comportamento excêntrico, diminuição do afeto e da vontade, autismo com perda de contato com o mundo circundante)”. Para ele, estudos dizem que “50% dos esquizofrênicos são hospitalizados apenas uma vez e que em 60% dos casos, com um tratamento adequado, consegue-se uma reintegração social e profissional satisfatória”. 

O especialista ainda pontua que a evolução da doença acontece nos cinco primeiros anos da doença “não havendo piora após este intervalo. Com isto, sabe-se hoje que o prognóstico da esquizofrenia não é tão catastrófico como se acreditava há algumas décadas”, complementa o artigo.

 

Tratamento

“A medicação é condição necessária, mas não suficiente. Impõe-se, ainda, uma série de abordagens psicossociais, particularmente a terapia ocupacional, para retirar o paciente de seu isolamento e inação”, Amaral relata, quando o assunto é o tratamento da doença.

Os medicamentos antipsicóticos são orais e diários, o que muitas vezes pode desestimular o paciente a dar continuidade ao tratamento. Porém, recentemente com a evolução na área um antipsicótico injetável e de uso mensal também passou a ser recomendado.  

Conforme José, como o transtorno é deteriorante e comprometimento funcional é progressivo, interromper esta progressão é fundamental, assim como ter os sintomas sob controle. Para isso é importante manter o tratamento. “A interrupção do tratamento pode promover o retorno da sintomatologia e da evolução deteriorante”, esclarece.

Segundo ele, durante o tratamento o paciente pode manter convívio social e a internação ocorre apenas em alguns casos, quando há riscos para o paciente e/ou terceiros. “Em geral há bom controle da sintomatologia, mas o tratamento tende a ser por toda a vida”, afirma. Porém, a doença ainda é estigmatizada e pode causar dificuldades no convívio social dos esquizofrênico, como preconceito.

 

A esquizofrenia à luz da espiritualidade

Em entrevista ao Diário da Manhã, Marlene Rossi Severino Nobre, espírita desde o berço e à frente da Associação Médico-Espírita (AME Brasil) desde 1995, falou sobre a ligação que comumente é feita entre a esquizofrenia e a religião, principalmente devido ao sintoma que leva os doentes a ouvirem vozes.

 

Diário da Manhã – Existe algum estudo no Espiritismo que aponta para essa relação?

Marlene Rossi – Dentro do paradigma médico espírita a esquizofrenia não tem origem na possessão ou em outra forma qualquer de obsessão. Para o médico espírita a esquizofrenia é transtorno mental, que tem origem em faltas cometidas pelo espírito em vidas passadas. A obsessão pode estar associada a esses casos, como um complicador, mas não como a causa da doença. O médico espírita leva em consideração os inúmeros fatores, inclusive o genético, que influenciam no aparecimento da esquizofrenia, mas tem convicção de que a causa profunda do seu surgimento está relacionada aos erros cometidos pelo doente em existências anteriores e que ocasionaram grande desequilíbrio em seus corpos sutis. O espírito já nasce portando esse desajuste no corpo espiritual e no corpo mental. A nova existência vai lhe propiciar o reajuste e o caminho para a própria cura.

DM – O que dizem os médicos e médiuns a esse respeito?

Marlene Rossi – A mediunidade perturbada pode levar à possessão, mas o médium sempre poderá sair do problema, empenhando-se na educação de sua faculdade. O esquizofrênico deve ser encaminhado para tratamento psiquiátrico. Na esquizofrenia não há o envio do paciente ao desenvolvimento mediúnico porque não se trata de possessão. Os portadores de transtorno mental podem ser tratados com passes e água fluidificada, mas este tratamento será sempre complementar. O paciente deve seguir à risca a indicação terapêutica do seu médico. O Centro Espírita entra com a ajuda complementar.

DM – Quando pessoas chegam até um Centro Espírita relatando esses sintomas, qual procedimento é adotado?

Marlene Rossi – Há que se fazer a distinção. A obsessão pode ocasionar transtornos semelhantes aos delírios e às alucinações, por isso é preciso fazer a distinção com os transtornos mentais. Os que estão obsidiados são encaminhados ao estudo, ao tratamento nas sessões mediúnicas, à fluidoterapia e ao exercício da caridade. Os esquizofrênicos são encaminhados para os psiquiatras para que estes façam a prescrição terapêutica e possam segui-los espaçando tanto quanto possível os surtos ou crises. Nesses casos, as Casas Espíritas ficam à disposição para o tratamento complementar se a família assim o desejar. 

 

A história da doença e o preconceito com os esquizofrênicos

O assassinato do cineasta e documentarista Eduardo Coutinho aos 80 anos, em fevereiro de 2014, levantou questões sobre a esquizofrenia. O filho do cineasta, Daniel Coutinho, 42 anos, foi preso como principal suspeito pelo homicídio doloso e ainda pela tentativa de homicídio da mãe. O casal teria sido esfaqueado pelo filho durante um surto da doença. Essa questão da agressividade dos pacientes é um dos principais preconceitos existentes contra eles, mas existem outros.

Um estudo publicado na revista Comportamento em Foco 3 – da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – realizado por Marlene Costa Ferreira Raposo e Reginaldo Pedroso, conclui por meio da pesquisa realizada que a doença ainda é vista com preconceito e estigma por ainda estar atrelada a vários mitos. É descrito que “desde a antiguidade, a esquizofrenia está atrelada a crenças, estigmas e mitos trágicos, produto da ausência de conhecimento, que mantém até os dias atuais, alguns de seus doentes isolados e excluídos da sociedade”.

Os pesquisadores ainda afirmam que esse preconceito prejudica o diagnóstico e prognóstico da doença. “Percebe-se que para desmistificar esse transtorno é preciso que familiares, amigos, profissionais da área da saúde e a sociedade aprendam sobre as manifestações, o comportamento e funcionamento do cérebro do esquizofrênico. A empatia com o esquizofrênico talvez seja a melhor maneira de ajudar”, escreve. Eles ainda frisam “que a impregnação de significados culturais e relacionamentos sociais estigmatizados, com isso, os doentes podem ficar sujeitos a essas variáveis com a diminuição ou abandono do tratamento, esperando pela cura divina”.

Durante muito tempo ao longo da evolução da história da humanidade, as doenças mentais, incluindo a esquizofrenia foram tratadas com grande distanciamento e seus portadores afastados do convívio social. Por falta de conhecimento esses indivíduos normalmente eram colocados em sanatórios para loucos. Os sintomas, que levam a pessoa a ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido ou ouvir vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô, levam os leigos ao preconceito a busca de outros vieses para explicar os acontecimentos.

“O preconceito existe. Não me parece que seja por crença de possessão. Esta ideia tem desaparecido paulatinamente e resiste apenas em uma parcela específica da sociedade. O preconceito me parece mais ligado ao fato de ser um transtorno irreversível e principalmente pela conduta bizarra, sem sentido, que leva as pessoas a temerem comportamento violento. O paciente esquizofrênico não é violento, mas sua conduta desorganizada e imprevisível torna as pessoas temerosas do que ele pode vir a fazer”, explica José Amaral.

Atualmente, as doenças mentais têm adquirido mais apoio em vários âmbitos. A Declaração de Caracas (1990) passou a ser adotada como uma resolução por diversos legisladores, profissionais de saúde mental, líderes dos direitos humanos e ativistas dos movimentos de deficientes convocados pela Organização Panamericana de Saúde (Opas/OMS). Ela trouxe implicações importantes para a estrutura dos serviços de saúde mental.

Conforme a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Lei 10.216/2001 que instituiu a Reforma Psiquiátrica no Brasil “enfatiza a proteção e os direitos das pessoas com transtorno mental e a construção de uma rede de cuidados aberta e territorial em contraposição ao modelo ‘hospitalocêntrico’ e excludente que historicamente caracterizaram as políticas voltadas para o campo da saúde mental”.

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