ENTREVISTA Heloísa Dias Bezerra, autora do livro Mídia e Política

Confira o que pensa a autora sobre jornalismo, democracia e política. Assuntos que fazem parte das discussões do Seminário Internacional sobre democracia, política e eleições
Nos dias 06 e 07 de maio, a Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, FCHF, da UFG recebe o Seminário Internacional “Participação política, democracia e eleições: o ponto de vista dos brasileiros”. A organização do evento está a cargo das professoras Denise Paiva e Heloisa Dias Bezerra (UFG) e Simone Bohn (York University - Canadá).
O objetivo do Seminário é promover um debate sobre a política brasileira, tanto para a comunidade acadêmica da UFG e de outras instituições de ensino de Goiânia, quanto para a própria classe política, jornalistas e sociedade civil organizada.
Nessa entrevista, a professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás, Heloísa Dias Bezerra, fala sobre seu recém-lançado livro Mídia e Política. A obra faz parte da Coletânea Goiânia em Prosa e Verso, da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia.

A cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da UFG propõe uma renovação de conceitos e metodologias da área de estudos da comunicação política. Heloísa é doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Iuperj, e atua na pesquisa das seguintes áreas: comportamento político; comunicação política;partidos e eleições.

Em entrevista à Agência de Notícias da Facomb, Heloísa não esconde seu interesse por estudar o jornalismo. A autora também expõe idéias polêmicas que questionam alguns preceitos antigos do estudo do jornalismo. “Na minha concepção, do ponto de vista acadêmico, neutralidade e objetividade são categorias analíticas vazias”, declara Heloísa.

Em ano de eleições municipais, ela alerta para a importância do eleitor se munir com duas armas fundamentais no jogo político: a informação e a desconfiança. Acompanhe abaixo os comentários de Heloísa Dias sobre a relação estreita existente entre a mídia e a política.

 
Ag. Notícias - Quais são suas áreas de atuação na pesquisa acadêmica?
Heloísa - Minha formação acadêmica é na área de ciência política, mestrado e doutorado. Mas desde o mestrado, em 1994, passei a me dedicar aos estudos de temas que apresentam algum entrelaçamento entre a comunicação, seja jornalismo ou publicidade, e a política.

 

Ag. Notícias - Por que uma cientista política se interessou tanto em estudar a mídia, a comunicação política?

Heloísa - Isso começou desde criança, pois eu sempre fui fascinada por literatura e jornalismo. Na juventude passei a me interessar pela política. Quando fui para a academia descobri que podia juntar estes dois campos de interesse. É claro que eu carrego prioritariamente as ferramentas e o olhar da ciência política, mas não consigo mais pensar sem o suporte das teorias do campo midiático.

 

Ag. Notícias - Como você analisa os mecanismos de participação dos setores organizados da sociedade civil no cenário político atual? As organizações estão mais omissas e/ou passivas e as peripécias políticas estão “rolando soltas” sem fiscalização?

Heloísa - Este tema é bastante espinhoso, pois, ao mesmo tempo em que podemos considerar fundamentais os espaços de atuação da sociedade, devemos nos perguntar se os indivíduos de fato querem ou têm tempo para participar do mundo público. De modo geral, mesmo quando o espaço é planejado para ser ocupado pela sociedade civil, o que encontramos são representantes, ou seja, há pouca participação e o grande público acaba preferindo, mais uma vez, delegar as tarefas a militantes mais profissionais. Não creio que as organizações estejam mais ou menos atentas do que há uma década. O que vemos é que o campo do que poderíamos chamar de “problemas pertinentes ao debate público” foi consideravelmente ampliado. Os indivíduos e/ou grupos já não discutem somente a política institucionalizada, mas as questões da vida cotidiana, da cidadania etc.           

 

Ag. Notícias - O que te motivou a escrever o livro Mídia e Política?

Heloísa - Mídia e Política teve início, efetivamente, em 1998. Tudo começou quando me dei conta de que as teorias e metodologias de pesquisa então mais utilizadas não davam conta do tipo de problema que eu queria discutir. Eu me angustiava basicamente com dois problemas: primeiro, as abordagens, de modo geral, apresentavam uma forte tendência a considerar a mídia e os jornalistas como vilãos quando o assunto era a chamada percepção negativa da política. E o segundo problema era o arcabouço metodológico predominante, que ora cerrava fileiras em torno de um quantitativismo fora de lugar, ora fazia da pesquisa qualitativa um exercício analítico sem amparo em conceitos, categorias. Além disto, o tripé positivo-neutro-negativo, que remonta ao surgimento da imprensa, continuava a ser utilizado como se o mundo e os meios de comunicação não tivessem passado por tantas transformações. Mídia e Política é um livro voltado para a proposição teórica e metodológica. 

 

Ag. Notícias - O lançamento da obra se dá justamente em ano eleitoral. O livro seria um alerta para os eleitores que vão participar do pleito municipal em outubro?

Heloísa - A política é o que é desde sempre: egoísmo, interesse, barganhas e alguma vontade de trabalhar em prol do coletivo. Aos que se apresentam para liderar, cabe convencer os possíveis liderados de que os seus vícios privados podem, de fato, resultar em algum benefício público. Ao eleitor resta desconfiar por um longo tempo e finalmente apostar em alguém, sempre o processo eleitoral como o lugar adequado para renovar a confiança ou trocar de aposta. 

 

Ag. Notícias - Em Mídia e Política você faz um estudo dos meios de comunicação considerando quais setores da mídia (televisão, fotografia, reportagens)?

Heloísa - Eu trabalhei com os jornais. Formulei uma metodologia para analisar mídias impressas, mas que, facilmente, pode ser adaptada para outros meios, como TV e internet.         

 

Ag. Notícias - Pode-se dizer que a mídia e a política são amigos ou inimigos?

Heloísa - Penso que neste campo as relações podem mudar radicalmente de um minuto para o outro. Depende dos interesses e das negociações.

 

Ag. Notícias - Seu livro expõe o conceito de “adversarismo político” entre os atores políticos tradicionais. Como a mídia se relaciona e faz a cobertura desse campo de batalhas?

Heloísa - Minha teoria é que a política, especialmente no sistema democrático, é realizada segundo uma lógica absolutamente adversarista. Assim, a mídia apenas se aproveita das estratégias da política para construir uma estratégia jornalística que privilegia o antagonismo, afinal, é isto que prende a atenção do eleitor.

 

Ag. Notícias - A mídia consegue manter a neutralidade e objetividade em meio a essa arena de correntes políticas adversárias?

Heloísa - Na minha concepção, do ponto de vista acadêmico, neutralidade e objetividade são categorias analíticas vazias. Na prática jornalística é algo tão difícil de ser exercitado que acaba por configurar apenas peça de retórica dos manuais de redação e estilo. É óbvio que nenhum veículo vai assumir esta posição, pelo menos ainda não. 

 

Ag. Notícias - Podemos dizer que mídia e política mantêm relações promíscuas?

Heloísa - Quando eu falo de mídia e política, resgato a perspectiva de outros autores que consideram isto como dois mercados independentes, mas com entrecruzamentos necessários. O que nós temos é o mercado da informação e o mercado político, cada qual com suas regras, interesses, profissionais. Infelizmente, em diversos momentos os indivíduos e/ou grupos que operam nestes mercados mantêm relações pouco convencionais.

 

Ag. Notícias - A atuação dos meios de comunicação na cobertura política, com as características atuais que você defende em seu livro, (como falta de neutralidade, objetividade e imparcialidade), pode ameaçar a democracia? Por quê?

Heloísa - Na minha avaliação o grande problema está no modo como os grupos políticos vêm atuando, privilegiando o adversarismo e deixando de lado as discussões de caráter substantivo. Os meios de comunicação se utilizam das estratégias políticas adversaristas para, em diversos momentos, atuar dentro da arena política, como um ator político de grande relevância, como um articulador político, com poder para interpretar e realizar mediações. E principalmente como uma enorme capacidade para interferir na formação da opinião pública, ou seja, nada de neutralidade, objetividade, imparcialidade. É isto que pode prejudicar ou mesmo corromper as bases da democracia, pois, basicamente, democracia é um jogo de equilíbrio que envolve instituições políticas e sociedade. 

 

Ag. Notícias - Nesse universo de estratégias e interesses tanto por parte da mídia como dos partidos políticos, qual o papel da opinião pública?

Heloísa - Desconfiança e informação me parecem palavras-chave. E pra isto a pessoa não precisa gastar rios de dinheiro, afinal, todo mundo pode usar um pouquinho de seu tempo pra conversar sobre a política, seja na sala de aula, no ponto de ônibus, em casa, no trabalho. E desconfiar sempre.

 

Ag. Notícias - Do ponto de vista do marketing eleitoral, o que vale e o que não vale a pena fazer no contexto de ataque-defesa entre as equipes partidárias?

Heloísa - Isto vai depender do contexto eleitoral, ou seja, um bom profissional de marketing político-eleitoral deve estar atento à conjuntura nacional, regional, municipal, sem deixar de estudar os propósitos da candidatura para a qual está trabalhando. 

 

Ag. Notícias - Como cientista política, você acha que os meios de comunicação sofrem de “amnésia eleitoral”? Ou seja, aproveitam de um escândalo político recente para ganhar ibope ou vender jornal, mas em pouco tempo esquecem de acompanhar as investigações sobre o caso. Podemos dizer que seria uma amnésia proposital ou controlada?

Heloísa - Infelizmente o mostrar/ocultar, abafar/ampliar é utilizado de acordo com interesses que tanto podem ser meramente jornalísticos, ou seja, modos de tratar a informação, quanto podem estar relacionados a negociações, interesses. É por isto que é um erro considerar os meios de comunicação como guardiões do interesse público e da democracia. Isto é uma grande bobagem. É claro que existem milhares de profissionais sérios, tanto no campo da política quanto no dos meios de comunicação. A democracia não precisa de guardas específicos, mas de respeito às regras e de pluralismo político.

 

Ag. Notícias - Quem deve ler Mídia e Política? Qual o público-alvo da sua obra?

Heloísa - Eu gosto de escrever de modo acessível, com algum humor e ironia, por isto o livro pode ser lido e compreendido por qualquer pessoa que se interesse pela temática. Contudo, me parece que pode ser mais bem aproveitado por estudantes e pesquisadores da área de política e comunicação. Afinal, teoria e método são assuntos de interesse de quem está mergulhado nos desafios analíticos.

 

Por Viviane Sales

Fonte: Agência UFG de Notícias