[UFG-Fonte] Gostinho de conquista (Diário da Manhã, 08/11/11)

Gostinho de conquista

Orquestra Sinfônica Jovem de Goiás encanta a Espanha durante a primeira turnê internacional. Mais de cinco toneladas de alimentos foram arrecadadas no total de sete apresentações. O público, composto por crianças, adolescentes, adultos e idosos, lotou os teatros e se animou ao som da música brasileira

Nem pareciam os mesmos meninos que ensaiavam naquela manhã. Adultos, maduros e com elegância, os meninos saíram do casulo e encantaram as mais de duas mil pessoas que lotaram as duas apresentações na noite do último dia 4, no Palau de la Musica, em Barcelona, uma das maiores salas de concerto (e mais renomadas) da Europa. Todo o encantamento partiu dos 85 músicos da Orquestra Sinfônica Jovem de Goiás. Regidos com força e emoção pelo maestro Eliseu Ferreira, a energia da música brasileira mesclada por ícones do estilo clássico espanhol, mexeu com o público de todas as idades, desde crianças de colo, adolescentes, adultos e idosos, que não se conteram ao som de Aquarela do Brasil  e Brasileirinho.
Mas o sucesso não foi apenas em Barcelona (como a primeira sessão teve os ingressos esgotados em menos de 72 horas, foi aberto um novo concerto). Com duração de 1 hora e meia, as apresentações em todas as cidades tiveram quase que lotação máxima. “Aqui as palmas não param até a entrada do último músico no palco. O público foi muito caloroso, eles estão acostumados com a música clássica, bem diferente do Brasil. Me sinto realizado por levar a energia da nossa música e ver o crescimento artístico da orquestra. Tanto é que nunca tinha ouvido tocá-los como ontem”, destaca o maestro. O dia anterior em questão foi a apresentação em Vila-seca, no Auditório Josep Carreras, no dia 3. Os outros concertos foram nas cidades catalãs de Lleida (31), no Auditório Municipal Enric Granados; em Girona (31), no Palau de Congressos; e em Granada (1º).
Além da tradição em música clássica, outro motivo levou os espanhóis a lotarem os espaços: o ingresso custava apenas1 kg de alimento não perecível. “Na Europa o público é diferente, pois eles entendem a importância de um projeto que envolve cultura, educação e desenvolvimento social. Inicialmente, prevíamos a metade dos concertos, mas superou as nossas expectativas. O brasileiro tem algo de diferente e isso chama a atenção dos europeus”, ressalta o presidente da Endesa Cachoeira, Guilherme Lencastre. “Se tivermos a sorte de conseguir o mesmo resultado com outros projetos como esse, vai ser fantástico”, comemora. As apresentações resultaram na arrecadação de mais de 5 toneladas de alimentos não perecíveis.

EMOÇÃO
Ao final do espetáculo no Palau de la Musica, parte dos músicos não controlou a emoção. ”Tocar em um lugar tão importante como o Palau de la Musica dá um frio na barriga. Mas focamos bastante para não desconcentrar”, afirma uma das caçulas da orquestra, Letícia Ramos de Oliveira, 15 anos, violoncelista. Mesmo tocando um instrumento tão grande, Letícia destaca que tamanho não é documento. Aliás, a delicadeza e o talento da violoncelista ao tocar o instrumento sobrepõem qualquer detalhe sobre altura, peso ou idade (ela não mede nem 1,60m). “Essa é uma experiência que não consigo nem descrever. Nunca imaginei viver algo semelhante. O público nos recebe de pé e as palmas não acabam”, destaca o primeiro-violino Antônio Marcos Souza Rodrigues, que no próximo ano se torna bacharel em violino pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
A trompista Mariana de Macedo, 22 anos, estava tão emocionada que a voz tremia. “A experiência na Espanha está sendo inesquecível, cada apresentação é diferente e muito emocionante. Ainda mais nesse teatro (Palau de la Musica). As pessoas aplaudem nossos ensaios. Fico até engasgada. Aqui tocamos com mais emoção. É diferente do Brasil”, afirma.
A vontade de passar para frente o conhecimento adquirido dentro da orquestra é praticamente generalizado entre os jovens músicos. ”Quando conheci a trompa, meus colegas de banda já me desanimaram. Disseram que era um instrumento muito difícil e que não deveria nem tentar. Assim que cheguei em casa entrei na internet para saber um pouco mais e me apaixonei. Que instrumento lindo! É isso que eu quero. É uma paixão inexplicável pela trompa. Após um ano estudando, entrei na orquestra, em 2008”, conta cheia de satisfação. Como não existe um curso específico para formação em trompa em Goiás, Mariana dedica seu pouco tempo livre para ensinar música a crianças da banda marcial do Colégio Estadual Professor José Carlos de Almeida. “Foi a banda em que comecei minha paixão e que me apoiou para que fosse professora. Tenho sete alunos e é uma experiência maravilhosa”, ressalta.
Apesar da pouca idade, os músicos mostram muita segurança. “Tocar com a orquestra é bem tranquilo e chegar aqui, na Europa, no berço da música clássica, nós nos sentimos em casa”, afirma o violinista Gustavo Rodrigues, 15 anos.

REPERTÓRIO CONTAGIANTE
Os músicos se mostravam admirados com a receptividade que tiveram na Espanha. O maestro fez questão de apresentar um pouco da Música Popular Brasileira com Aquarela do Brasil e Brasileirinho, canções que fizeram o músico bater palmas e mexer os ombros. As crianças eram mais efusivas e se animaram levantando das cadeiras, o que cada um presente no teatro teve vontade de fazer. Além de tocarem, os músicos fizeram coreografias com os instrumentos, como o girar dos violoncelos que levou o público ao êxtase. Teve até samba no pé, da estudante Dandara Félix Campos, que toca oboé. O batuque da percussão, os chapéus bem no estilo do malandro carioca e bandeirinhas do Brasil deram um charme especial ao final da apresentação. O público conferiu uma música especial na hora do bis. A orquestra ensaiou especialmente para o dia, o single Viva la vida, do Coldplay. Canção que coincidentemente foi a música tema escolhida pelo técnico do time de futebol Barcelona, antes do time  entrar em campo no ano passado e para incentivar os atletas.
Para que o público se sentisse ainda mais em casa, a orquestra tocou clássicos da música erudita espanhola, como Arturo Márquez, Amadeu Vives, Manuel de Falla e Pablo Sarasate, este último contou com o solo de violino de Marcos Bastos. Integrando o repertório brasileiro, os músicos apresentaram ainda Villa-Lobos (O trenzinho caipira), Camargo Guarnieri (Dança brasileira) e Carlos Gomes, com os solistas Michel Silveira (tenor) e Mábia Felipe (soprano), no dueto de Ceci e Peri, da ópera O Guarany.

TEMPLO DA MÚSICA ERUDITA
Considerada uma das 10 salas de concerto mais importantes da Europa, o Palau de la Musica em Barcelona foi construído entre 1905 a 1908, para ser o teatro do coral Orfeu Catalão, fundado em 1891. Idealizado pelo arquiteto Luis Domênico Montaner com inspiração do modernismo, teve todos os detalhes milimetricamente pensados e repleto de influências da natureza, uma das características do estilo, que também faz referência a art nouveau. O local não tem muros, o que possibilita que a luz solar entre pelas janelas de vitrais que circundam o teatro. Pedra, cerâmica, vidro e ferro são os principais materiais usados na construção que permanece praticamente a mesma desde a inauguração no início do século XX. Rosas em azuleijos e porcelanas predominam todo o edifício, assim como as pilastras que representam árvores. Outros músicos brasileiros como Marisa Monte, Toquinho, Gilberto Gil e Adriana Calcanhoto também se apresentaram no Palau de la Musica.

A repórter viajou a convite da Endesa