[UFG-Fonte] Um milhão e não para por aí (Diário da Manhã, 27/08/11)
Um milhão e não para por aí
Atraídos pelo sucesso de vendas na Capital, em doze meses foram instaladas em Goiânia 12 novas revendas de carros
Gabriela Guerreiro
Da Editoria de Economia
Sem espaço nem infraestrutura, as ruas de Goiânia continuam recebendo quase 20 mil veículos por mês (estão inclusos motos, carros e caminhões). E o número, divulgado pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), refere-se apenas aos emplacamentos, ou seja, aos automóveis novos. Mais de um mês depois de atingir a marca de um milhão de unidades circulando (hoje com 50.446 mil a mais), as vias da Capital sofrem os efeitos do inchaço no trânsito, enquanto as concessionárias comemoram o volume de vendas. Em Goiás, nos seis primeiros meses do ano, as vendas já superaram em 14,11% o mesmo período do ano passado. “Os melhores índices do ano foram verificados em março, mas, em média, vendemos 320, até 400 modelos zero quilômetro por mês. É um crescimento de 6% em relação a 2010, muito expressivo para o mercado”, observa o gerente comercial da Fiat, Marcelo Antonio de Sousa.
Esta é a realidade da maioria dos 50 estabelecimentos do segmento na cidade. De acordo com o gerente administrativo do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos de Goiás Ltda (Sincodive), Lincon Vargas da Silva, a grande procura é a responsável pela atração de concessionárias. “No período de um ano, foram instalados 12 novos representantes em Goiânia, entre matrizes e filiais, média de um por mês”, enumera.
Em março deste ano, uma loja da Jac Motors, montadora chinesa, foi inaugurada na Capital, depois de uma análise da empresa que mostrou o potencial do comprador do goianiense. Com 150 carros vendidos por mês, a empresa informa que o volume está dentro do esperado e que a perspectiva é das mais entusiastas. Segundo a empresa, a previsão é de que o número de concessionárias no Estado seja triplicado em 5 anos. O Estado está sendo cotado como o provável destino da primeira fábrica da marca no Brasil.
No Grupo Saga o recorde de venda aconteceu em 2007, mas os números esse ano continuam animadores: cerca de 350 unidades vendidas por mês. De acordo com a gerente de vendas de carros novos, Paula Medrado, a expectativa é de que esse ritmo se mantenha nos próximos seis meses, no mínimo. Ela considera o panorama positivo. “Hoje o mercado está, de certa forma, estabilizado, porém as taxas se fixaram em patamares altos. O setor de automóveis foi um dos primeiros a seguir a expansão da economia brasileira e é um dos que mais cresce atualmente”, observa.
Caos
Além do crescimento econômico do País e da maior oferta de empregos, com consequente aumento do poder de compra do brasileiro, outro fator que impulsiona este cenário são as facilidades de crédito oferecidas pelas concessionárias. As baixas taxas de juros dissolvidas em longos parcelamentos atraem quem antes não teria condições de adquirir um bem de consumo como esse. “Cerca de 60% de nossas vendas são realizadas através de financiamento”, reforça o gerente da Fiat.
Porém, o crescimento vertiginoso das aquisições de carros aconteceu muito rapidamente, em poucos anos, sem um planejamento adequado para absorver o impacto físico do volume de veículos. O que se sente hoje é um trânsito à beira do caos, com quase 30 mil acidentes por ano, totalizando cerca de 400 mortes , causadas por acidentes envolvendo apenas carros e motos, em Goiânia. Para o professor da Escola de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em trânsito, Cristiano Farias Almeida, além dos incentivos financeiros, a origem dessa situação está na falta de políticas públicas voltadas para beneficiar o serviço de transporte público.
"O aumento é ruim porque tende à saturação da capacidade de várias vias da cidade. Como consequência, eleva o tempo de deslocamentos, o número de acidentes e deteriora a qualidade de vida da população", reitera. Ele cita as avenidas T-36, T-7, Assis Chateaubriand e T-10, como exemplos de ruas congestionadas.
O psicólogo e analista Jorge Monteiro de Lima também destaca um fator ainda mais complexo e intimamente ligado à natureza humana para essa demanda desenfreada de automóveis. “O trânsito no Brasil tem uma conotação interessante. Hoje em dia um carro não é apenas mais um bem de consumo perecível. Representa toda uma projeção de sociabilidade por uma expressão simbólica. Assim, um indivíduo pode ostentar seu valor social, sua classe social a partir do veículo que possui”, analisa.
Algumas famílias têm mais carros que integrantes, como a Vieira Silva. Lá, a garagem tem cinco veículos, mas a casa só quatro pessoas. E o número de automóveis ainda pode crescer. “Ano que vem, minha irmã faz 18 anos e, provavelmente, vai ganhar o dela também”, conta a estudante Ana Júlia Vieira Silva, 18. O pai possui uma caminhonete e um carro de passeio, “para luxo na cidade”. A mãe, mesmo já tendo um, decidiu adquirir um modelo maior, com 7 lugares, para levar toda a volumosa família, “junta ainda os namorados”. E, como presente por ter sido aprovada no vestibular, Ana Júlia ganhou dos pais o seu primeiro carro há duas semanas.
Para ela, é completamente natural cada um comprar o número de veículos que achar necessário, uma vez que o ritmo diário das pessoas obriga uma maior independência de locomoção. “Eu mesma, faço faculdade à noite. Os horários não batem, então é por necessidade”. Mas ela admite que a cidade não comporta tamanha frota. “O trânsito está mesmo um caos. É tudo muito mal planejado, mas só vai piorar, ainda mais com as facilidades que oferecem para se comprar”, completa.