Hora de revolução na graduação
Portal Andifes 12/03/2007)
Alex Fiúza de Mello *
É hora de pensarmos e planejarmos uma revolução no ensino de graduação no Brasil. Uma transformação suficientemente profunda e radical na concepção do que seja formação em nível superior – vis-à-vis a obsolescência do modelo atual – que impacte, positivamente, não apenas nas estruturas e formas organizativas do ensino dentro das universidades e demais instituições de educação superior, como, igualmente, nos rumos e conteúdo do ensino médio, por indução conseqüente.
O atual modelo de formação está fundamentado na premissa de que a educação superior existe unicamente para formar profissionais especializados em um determinado campo do conhecimento. De inspiração francesa ancestral, já superada inclusive em sua terra natal, tal vertente exige que os estudantes de ensino médio, ainda em plena adolescência, comecem a optar, precocemente, pela futura profissão, sem qualquer amadurecimento intelectual, psíquico ou social prévio, fenômeno que resulta, não raramente (e destacadas exceções), em frustrações, desistências ou mau desempenho em suas trajetórias acadêmicas. Tornam-se candidatos à profissão antes de serem candidatos ao saber; assim como dificilmente serão educados a perceber que nem tudo é técnica e que o conhecimento não se reduz à informação, nem a sabedoria ao conhecimento.
Nessa moldura, deixa-se de lado uma educação mais abrangente e propedêutica, voltada à formação de uma visão de mundo mais crítica, criativa e reflexiva – em que o exercício permanente do aprender a aprender é o foco do processo formativo –, para se privilegiar a simples instrumentalidade prática da informação, o tecnicismo sem alma, o mimetismo da educação bancária, tão comum nas relações autoritárias e superficiais que se desenrolam, impune e inutilmente, em tantas salas de aula país afora.
Todos querem ser “profissionais”, ter diplomas, com a ilusão de, com um mero canudo de papel, “vencer na vida”. Mas ninguém se pergunta pela autonomia intelectual, pela capacidade criadora, pelo espírito empreendedor. Anualmente são lançados no mercado milhões de “especialistas” de uma nota só, conhecedores de um único instrumento, tão-somente adestrados para repetirem, na prática, em suas ocupações, as soluções e tecnologias inventadas pelos outros povos – mantida, nesse diapasão, a nossa secular dependência científica e cultural.
Um projeto de educação coerente e consistente com os desafios do mundo global – de mercado de trabalho cada vez mais complexo, mutante e rotativo – supõe, antes de tudo, um projeto contemporâneo e republicano de Nação. Contudo, no Brasil, dominado pelo mercado de varejo, são as corporações que mandam: organizações que alimentam a indústria cultural e o balcão de negócios, com muita influência no sistema político. São elas que, com o poder de seus lobbies, têm interesse na manutenção do atual estado de coisas, na permanência dessa limitada matriz profissionalizante da educação superior, exigindo, ao exercício profissional, não tanto a inteligência e a competência de desempenho, mas a inscrição associativa e o correspondente boleto anual, pago em dia.
A dinâmica hodierna do mercado de trabalho, com suas mudanças ininterruptas e alta competitividade, exige habilidades básicas que passam, primordialmente, pela capacidade de expressão, de leitura, de interpretação, raciocínio lógico, domínio das técnicas da informática, língua estrangeira, espírito empreendedor, criatividade e flexibilidade de iniciativa, todas elas competências que não estão consagradas nem suficientemente focadas na maioria dos projetos pedagógicos de nossos cursos tradicionais, de recorte prioritariamente disciplinar e de finalidade unicamente instrumental. Mantém-se a ilusão de que o estudante dever ser “formado” no curso clássico de graduação, quando, hoje, a educação deve ser continuada, infinda, devendo-se reservar a especialização para os últimos níveis do processo formativo, como a pós-graduação.
Amarrada exclusivamente ao currículo profissionalizante, a universidade deixa de preparar os estudantes para o século XXI, para a vida futura, contexto no qual a mudança de emprego ou de empreendimento – motivada pelas transformações do conhecimento, das tecnologias e das fronteiras profissionais – exigirá, sempre mais, mentes abertas e criativas e sujeitos culturalmente engajados e continuamente atualizados.
Mas a mudança do modelo exige a mudança da mentalidade do professor, dos padrões do processo formativo – ainda atrelado ao “aulismo” –, dos mecanismos de avaliação e de contabilidade acadêmica. Eis, aqui, o maior desafio! Sim, porque a mudança ameaça, ultima ratio, a mesmice, a omissão, o acomodamento, impondo ao mestre a condição definitiva – e trabalhosa – de orientador atento e de eterno aprendiz.
Não haverá reforma real da educação superior nem futuro à universidade brasileira sem mudança no atual desenho da graduação. E essa reforma passa pela quebra efetiva do engessamento desse modelo tradicional e anacrônico, ainda amarrado à sua única e superada matriz corporativo-profissionalizante.
* Conselheiro do Conselho Nacional de Educação/Conselheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República/Coordenador Nacional do Fórum das Estatais pela Educação Pública/Reitor da Universidade Federal do Pará
Fonte: Jornal Beira do Rio, edição nº 48, informativo da UFPA