O desafio de expandir com qualidade
Jornal O popular 25/02/2007
A sociedade brasileira se mobilizou no final dos anos de 1990 para discutir o Plano Nacional de Educação (PNE), que foi aprovado em janeiro de 2001 pelo Congresso Nacional, ficando, portanto, estabelecidas metas a serem cumpridas até o ano de 2010 para todos os níveis da educação brasileira. Entretanto, o governo FHC promoveu vetos à versão aprovada que, na avaliação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do próprio governo, transformaram o documento numa mera carta de intenções; isso porque foram vetadas exatamente as metas relacionadas ao aumento de recursos públicos. Deve-se lembrar que esses vetos permanecem até hoje, após quatro anos de governo Lula.
Nelson Cardoso Amaral
Podemos afirmar que os maiores desafios da educação brasileira, muitos deles presentes nas metas do PNE, estão nas seguintes grandes vertentes: expansão, qualidade e financiamento. Uma expansão com qualidade só é possível se houver um financiamento adequado, tanto das famílias, nas instituições privadas quanto nas públicas, financiadas pelo fundo público, que é constituído de recursos originários da população quando ela paga os impostos, as taxas e contribuições, as mais diversas.
A desigualdade social e a baixa renda nacional por habitante têm imposto um limite, facilmente alcançável, às possibilidades das famílias pagarem mensalidades, daí a grande inadimplência, da ordem de 30%, na educação superior. Os valores constantes dos fundos públicos de todas as esferas de governo, insuficientes para cumprir com as obrigações financeiras relativas ao pagamento das dívidas interna e externa e atender às demandas da população, têm provocado uma tensão constante entre a sociedade e os governos. Aquela demandando e exigindo, com razão, a abertura de novas oportunidades educacionais no setor público e o cumprimento das metas do PNE, mesmo aquelas que foram vetadas, como, por exemplo, a de se aplicar 7% do PIB em educação pública (hoje não chega a 5%) e a de atingirmos em 2010 um porcentual de 30% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos matriculados na educação superior (hoje em torno de 10%) e, destes, 40% estudando em instituições públicas, o que hoje não chega a 27%.
A discussão sobre qualidade da educação não é simples e pode-se afirmar que ela precisa ser estabelecida por uma negociação que envolva as partes interessadas nessa questão: estudantes, professores, funcionários técnico-administrativos, governos locais, governo nacional, mercado de trabalho, e os diversos setores da sociedade. Além disso, existem diferenças fundamentais quando se discutem aspectos relacionados à qualidade nos níveis básicos e no nível superior da educação.
Uma determinada qualidade nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio parece que pode ser alcançada definindo-se parâmetros mínimos para a infra-estrutura da escola (espaço físico, instalações sanitárias, mobiliário, equipamentos, material pedagógico), para a qualificação dos profissionais que ali trabalham, para o nível de interação com a sociedade. Na educação superior há uma complexidade maior e são muitos os aspectos a serem analisados: infra-estrutura básica; qualificação do corpo de professores e dos funcionários; laboratórios de ensino e pesquisa; sistema de comunicação; interação com empresas; conexões com o desconhecido na fronteira do conhecimento; quantidade e qualidade da produção intelectual, resultantes das atividades de pesquisa e de interação com a sociedade; produção da tecnologia; relevância da produção científica e tecnológica para a sociedade; papel representado pela instituição na cultura local e/ou nacional.
Os desafios relacionados à educação brasileira têm como ingredientes adicionais a imensa desigualdade social, o valor baixo da renda nacional por habitante, o quantitativo de estudantes a serem atendidos, a heterogeneidade das regiões do País, as dívidas interna e externa a serem gerenciadas, etc. Excetuando-se China e Índia com suas populações de mais de 1 bilhão de habitantes, o Brasil é, no panorama mundial, aquele país que possui o quadro político-econômico-social mais complexo a ser solucionado. Esses dois gigantes, por possuírem culturas diferentes da ocidental, têm encontrado soluções políticas e estruturais para seus problemas sociais que não são transportáveis para uma sociedade estruturada sob a égide de um capitalismo liberal.
É preciso, portanto, que o Brasil consiga encontrar o seu caminho, baseado nas suas próprias experiências e nas suas tradições, criticando-as, rompendo-as e transformando-as. Há que se diminuir a desigualdade social, aumentar a renda nacional por habitante, possibilitar o crescimento dos recursos dos fundos públicos e, é claro, estabelecer que o processo educacional dos jovens, desde a educação infantil até a educação superior, seja efetivamente considerado relevante – os vetos impostos ao PNE mostram claramente que isso ainda não ocorreu, o que exige da sociedade uma amplificação da tensão entre as prioridades a serem estabelecidas quando da destinação dos recursos dos fundos públicos federal, estaduais e municipais.
Nelson Cardoso Amaral é doutor em Educação (Unimep), assessor especial da Reitoria da UFG, professor do Instituto de Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG