Expansão Noturna: uma necessidade social

Portal Andifes 15/02/2007

No momento em que o país discute amplamente a questão da expansão das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), a Universidade Federal de Goiás apresenta o projeto: “Ifes: Expansão Noturna: Democratização do Acesso. Pesquisa e Autonomia: Transformação Social”. Coordenado pelo professor Nelson Cardoso Amaral, a proposta é estabelecer um equilíbrio entre a graduação diurna e noturna sem que se esqueça a pós-graduação e a pesquisa desenvolvidos nas universidades.

Em entrevista ao Portal Andifes, Nelson Amaral, doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e atual é assessor especial da reitoria da UFG, apresenta o projeto e esclarece pontos importantes para uma expansão nos moldes propostos pela instituição.

Portal Andifes: O projeto demonstra que são muito poucos os cursos noturnos em funcionamento nas Ifes, ainda mais se comparado à grande oferta de cursos das universidades particulares. Por que isso ocorre? Existe algum entrave para que haja maior oferta de cursos nesse turno? Qual?

Nelson Amaral: Quando examinamos os dados do censo da educação superior de 2005 percebemos que das 553.051 matrículas nos cursos de graduação apenas 133.798 (24,2%) estão no período noturno. Como afirmam os professores Dilvo Ristoff e Eliezer Pacheco no trabalho publicado pelo INEP “Educação Superior: democratizando o acesso” isso se deve ao fato de ser histórica a ausência de uma política governamental nessa direção. A impossibilidade de uma grande expansão baseada em ações tomadas pelas próprias Ifes se deve a fatores relacionados à origem dessas instituições. A instalação dos campi universitários em lugares muito distantes dos centros urbanos impediu, pela ausência de infra-estrutura, que no processo de grande expansão ocorrido nos anos de 1960 e 1970 as Ifes implantassem, desde o início, muitos cursos no período noturno; além disso, os cursos já existentes nas cidades como os de engenharia, medicina, farmácia e odontologia, já possuíam uma tradição histórica de exigir dedicação integral de seus estudantes. O crescimento da pós-graduação e das atividades de pesquisa nas Ifes nos anos de 1980 e 1990 absorveu grande parte da força de trabalho de professores e técnicos-administrativos, o que impossibilitou nos anos recentes que uma grande expansão noturna pudesse ser levada adiante. Além disso, como já disse antes, não existiu uma política governamental que financiasse o aumento do quadro de pessoal e o implemento de condições adequadas para o funcionamento nesse período do dia, inclusive aqueles relacionados aos aspectos de segurança dos alunos e trabalhadores.

Portal Andifes: O projeto afirma que deve existir um equilíbrio entre a expansão da graduação e a manutenção e expansão da pós-graduação e da pesquisa. Existe atualmente tal equilíbrio nas Ifes? Como elas podem planejar e desenvolver esse equilíbrio?

Nelson Amaral: Quando examinamos o número de programas de pós-graduação em cada um dos estados brasileiros notamos que, apenas nos estados de Roraima e Amapá, as instituições federais não oferecem pós-graduação stricto-sensu (considerando-se dados da Capes de 2004). As instituições estaduais possuem pós-graduações em números significativos apenas em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná; as municipais atuam muito pouco nesse nível educacional; as particulares possuem poucos programas e sobressaem as do Rio de Janeiro e de São Paulo e as instituições classificadas pelo INEP como comunitárias/confessionais/filantrópicas oferecem pós-graduação stricto-sensu com relevância quantitativa apenas no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esta configuração impõe às Ifes uma responsabilidade muito grande no que se refere ao desenvolvimento, à soberania e à transformação social do País.  Essa abrangência nacional das Ifes constitui-se em importante fator de redistribuição da riqueza brasileira, por permitir a formação de profissionais altamente qualificados em todo o território da Nação, além de desenvolver atividades de pesquisa e de extensão locais, o que contribui para a redução da desigualdade tecnológica entre as Regiões e a dependência dos estados que se encontram num estágio de formação de pesquisadores em relação àqueles estados que já conseguiram consolidar as atividades que possibilitam a geração e absorção de conhecimento novo. Há, portanto, que se ter um equilíbrio entre a expansão da graduação e a expansão/manutenção da pós-graduação e das atividades de pesquisa e, para isso, é preciso que exista uma política governamental que atue nessas duas vertentes e, é claro, quando se fala em política há que se falar, inevitavelmente, em recursos financeiros para a sua implementação.
 
Portal Andifes:  O projeto discorre ainda sobre a necessidade de se existir uma “política adequada” para que as Ifes consigam fazer a expansão noturna dos cursos de graduação. Como será essa política? Quais as reais necessidades para que aconteça uma expansão nesse sentido?

Nelson Amaral: Uma “política adequada”, como dizem Ristoff e Pacheco, significa planejar a expansão, estabelecer metas a serem alcançadas e as financiar adequadamente. Em especial, nesse momento da educação superior brasileira, não se pode planejar uma grande expansão das Ifes sem se considerar também, a responsabilidade com a qualidade dos cursos de graduação e com a pesquisa e pós-graduação. É necessário, portanto, que se efetive a contratação de novos professores e servidores técnico-administrativos, que se construa instalações físicas necessárias aos projetos de expansão de cada Ifes e que se incremente os recursos para investimento e custeio. O projeto coloca a seguinte premissa básica para a expansão noturna: cada uma das Ifes deveria igualar, até 2010, o número de matrículas noturnas ao número de matrículas diurnas, abrindo-se tanto cursos de alta quanto de baixa demanda. Seriam então, até 2010, em torno de 300.000 novas matrículas nas Ifes, ou seja, aumento de 54,2% em relação ao total de matrículas de 2005. 

Portal Andifes:  De acordo com o projeto, como o senhor acaba de relatar, a expansão de cursos de graduação noturnos das Ifes atenderá tanto os cursos de alta quanto os de baixa demanda. Considerando-se que seria necessária toda uma infra-estrutura e uma nova grade de pessoal, como ficará a questão do custo de uma expansão dessa grandeza? As Ifes possuem recursos para essa expansão ou precisariam angariar recursos com o governo federal?

Nelson Amaral: É claro que as Ifes não possuem recursos para o desenvolvimento dessas novas atividades. Uma modelagem que apresentamos no projeto calcula, baseando-se no orçamento executado pelas Ifes em 2005 que o custo básico para uma nova matrícula noturna seria, em média, de R$ 9.362,00 ao ano. Nesse valor estariam incluídas todas as condições para a implantação da expansão noturna. Para implantar esse projeto os orçamentos das Ifes deveriam receber um montante adicional de R$ 900 milhões, em cada ano, de 2008 a 2010. Isso significaria um incremento de 26,4% em relação ao orçamento executado pelas Ifes em 2005, considerando-se todas as despesas e fontes de recursos.

Portal Andifes: A expansão e manutenção dos cursos de pós-graduação e das pesquisas realizadas nas Ifes não ficará prejudicada com um investimento maior na graduação noturna? Como se dará essa divisão de recursos, tendo em mente o equilíbrio entre esses diferentes níveis de conhecimento?

Nelson Amaral: Como já analisamos anteriormente, essa expansão noturna não poderia comprometer as atividades de expansão e manutenção da pesquisa e da pós-graduação. O projeto prevê, então, além dos recursos anteriores, a alocação de valores em uma outra vertente: o apoio às atividades de pesquisa e de pós-graduação nas Ifes. Esta se concretizaria pela definição de um percentual dos recursos do tesouro que deveriam ser aplicados autonomamente pelas instituições em projetos de pesquisa, por elas estabelecidos como prioritários, e que estudem temas diretamente relacionados às suas realidades regionais. O projeto apresenta uma simulação em que se considerou 5% dos recursos totais do tesouro, ou seja, sob essa hipótese, seria necessário um total de R$ 360 milhões anuais para essa vertente do projeto.

Portal Andifes: A implantação do projeto seria a solução para a inclusão nas universidades? Qual o papel social de uma expansão dessa grandeza?

Nelson Amaral: Uma expansão construída sobre essas premissas reforçaria o papel regional de cada Ifes, incrementaria a importância das instituições na transformação da realidade social brasileira, aproveitaria toda a capacidade física já instalada para atender o período diurno, propiciaria oportunidade de formação profissional, com qualidade, a mais 300.000 jovens brasileiros etc. Essa expansão noturna, adicionada às políticas afirmativas atualmente em discussão no País permitiria uma ampliação do processo de inclusão, uma vez que estudos recentes da UFMG mostram que a abertura de cursos de alta demanda no período noturno propicia a entrada de jovens oriundos de famílias com faixas salariais menores que dos cursos diurnos e com distribuição étnica mais próxima da existente na população brasileira.

Portal Andifes: O que se pode destacar, além do que já foi comentado, sobre o projeto?

Nelson Amaral: Deve-se ressaltar que ao final de 2010, mantidos os valores em reais de janeiro de 2006, tanto para os recursos das Ifes quanto para os valores do PIB, os recursos aplicados nas Ifes passariam de 0,62% para algo em torno de 0,74% do PIB. É bom lembrar que este valor ainda seria inferior ao de 1989, que atingiu 0,91% do PIB. Há, portanto, que se projetar também uma elevação dos recursos das Ifes, em geral, não só para os programas aqui propostos, se o objetivo é atingir a marca de recursos financeiros da ordem de 1,00% do PIB aplicados nesse importante conjunto de instituições de educação superior do País.