Crise no ensino público: que caminhos seguir?

Folha Dirigida, 27/02/2007 

Bruna Dias

Diagnosticar e apontar respostas para os problemas enfrentados pelo sistema educacional brasileiro tem sido, constantemente, uma das atividades mais desafiadoras de educadores e profissionais ligados à área educacional. O objetivo, na maior parte das vezes, tem sido o de tentar reverter o quadro atual, apontado por muitos como uma evolução ainda incipiente, onde os investimentos são escassos e insuficientes para suprir uma demanda cada vez maior de estudantes ávidos por um oportunidade de estudar gratuitamente em instituições de qualidade.

Uma das provas de que, por vezes, a educação no país não está bem é a recente decisão do Ministério da Educação (MEC) de modificar algumas das diretrizes traçadas ainda no primeiro mandato do governo Lula, iniciado em 2003. De acordo com informações divulgadas pelo MEC no início do ano, o Programa Brasil Alfabetizado, um dos carros-chefe do governo federal no setor, vai passar por várias modificações devido à ineficiência da alfabetização revelada nas amostras anuais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde a criação do programa. Entre as mudanças anunciadas, estão a exclusão de alfabetizadores leigos e o pagamento de uma bolsa mensal de R$260 aos professores da rede pública que participarem do projeto em turno diferente ao que ministram suas aulas.

Além disso, pesquisa divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizada a pedido do Conselho Nacional de Educação, mostrou que, em 2003, 66% dos docentes de 5ª à 8ª série e do ensino médio não tinham formação adequada para lecionar, ou seja, não possuíam licenciatura plena para a disciplina que ensinavam, reforçando ainda mais a preocupação do governo com o setor.

De acordo com Lia Faria, professora da Faculdade de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e ex-secretária estadual de Educação, a educação pública brasileira vive uma de suas crises mais graves dos últimos tempos. Ela aponta a disparidade existente entre uma sociedade altamente tecnológica e um sistema educacional fundamentalmente arcaico como uma das causas para o enfraquecimento do ensino público.

"Enfrentamos o período de maior decadência em relação à educação pública. Toda a rede de educação sofre com a falta de professores e, em muitos lugares, ainda faltam escolas. Infelizmente, a educação ainda é muito precária, o que destoa completamente de uma sociedade que se apresenta bastante sofisticada no que diz respeito à tecnologia. É preciso adequar professores e alunos a essa nova realidade", alerta Lia.

De acordo com a educadora, as políticas públicas voltadas para a educação deveriam ser encaradas como prioridade pelas três instâncias de governo. "A educação do povo brasileiro não é prioridade de governo e a sociedade esqueceu-se dos professores. É necessário uma união das três esferas de governo, federal, estadual e municipal, em prol da melhoria do sistema educacional", propõe a professora.

Educação para formar e construir cidadania

Professor da Faculdade de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Nicholas Davies traça um outro caminho ao analisar a crise do setor público no país. Ele garante que é impossível discutir qualidade de ensino público enquanto a remuneração do magistério for extremamente reduzida e diz que este é um dos motivos para que os profissionais se distanciem da carreira. "Enquanto os salários forem muito baixos, será difícil estimular os bem qualificados a permanecer na profissão. Em algumas carreiras, é necessário estar continuamente se aperfeiçoando mas, no caso do magistério, é complicado ter dinheiro até para comprar livros", garante Davies.

O educador compara, ainda, os salários dos profissionais dos Poderes Judiciário e Legislativo em contrapartida aos do magistério. "Sou professor universitário, com mestrado e doutorado, e recebo menos do que qualquer procurador da República que possui apenas graduação", ironiza.

Segundo ele, o conteúdo excessivo ministrado pelos professores é outro dos pontos cruciais para a baixa qualidade de ensino. "A escola não prioriza conteúdos específicos e tenta ser enciclopédica. O excesso de informação faz com que a assimilação pelo estudante seja limitada", explica o professor.

Davies alerta que o programa escolar, tanto para o educador quanto para o educando, precisa ser reduzido para que se consiga ensinar e aprender melhor. "Deve-se oferecer uma certa quantidade de informação que seja bem trabalhada e que o estudante consiga dominar. Muitas vezes, o aluno não entende qual o sentido do que está aprendendo e não consegue vincular a teoria com a realidade prática".

Para Stella Salomão, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio de Janeiro (Undime-RJ), o futuro é um pouco mais animador. Segundo ela, é perceptível uma mobilização de municípios, estados e União para a melhoria da qualidade da educação pública. No entanto, a dirigente destaca que as diferentes realidades do cenário nacional devem ser lembradas na hora de avaliar o sistema. "Deve-se considerar que falamos em realidades muito diferentes de um país plural, com 5.560 municípios. Analisar a educação básica no país desconsiderando os esforços e parcerias, e o regime de colaboração entre os docentes, pode tornar a avaliação distorcida", garante a dirigente.

Dentre as ações governamentais positivas, a professora destaca a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), com a inclusão das creches, abrangendo efetivamente toda a educação básica, e o financiamento para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). "Temos ainda o Programa Universidade Para Todos (ProUni), as ações e programas da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, que vem desenvolvendo um trabalho muito positivo, que contribui e prioriza a educação em curso no Brasil", aponta a dirigente.

Brasil Alfabetizado vira dor-de-cabeça

O Programa Brasil Alfabetizado foi criado em 2003, no primeiro ano de mandato do governo Lula, com o objetivo de capacitar alfabetizadores para ensinar cidadãos, com 15 anos ou mais, que não tiveram oportunidade ou foram excluídos da escola antes de aprender a ler e escrever. De acordo com o Censo 2000, divulgado pelo IBGE, figura nesTe cenário uma população de 16.294.889 analfabetos. De acordo com os dados do MEC referentes ao ano de 2006, estão cadastrados, em todo o país, 1.572.457 alfabetizandos e 81.119 alfabetizadores, em 86.320 turmas. Constam, ainda, 664 entidades parceiras cadastradas. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a taxa de analfabetismo é de 6,64%, com mais de 700 mil jovens e adultos que não sabem ler nem escrever.

Atualmente, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC) é a encarregada de coordenar, fiscalizar e avaliar as ações de combate ao analfabetismo e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação por transferir os recursos financeiros aos estados, municípios, empresas privadas, universidades, organizações não-governamentais e instituições civis parceiros no processo.

No novo modelo de alfabetização, anunciado no início deste ano após o ministro da Educação, Fernando Haddad, admitir que o programa não estava apresentando os resultados esperados, será função de estados e municípios cadastrar jovens e adultos analfabetos, cadastrar e capacitar os professores da rede pública que desejam participar das atividades do programa e acompanhar a execução do ensino. O governo federal, através do MEC, ficará responsável por pagar uma bolsa mensal de R$260 ao professor que aceitar a tarefa de alfabetizar em turno diferente daquele que faz na escola, além repassar recursos para que estados e municípios capacitem os profissionais. Outra função do MEC será a de supervisionar o programa e oferecer merenda e transporte escolar nos casos em que o aluno depender desse incentivo para permanecer na escola aprendendo.

Para incentivar os municípios a investir na alfabetização de jovens e adultos, o governo federal deverá criar, ainda, dois selos de qualidade. O Cidade Livre do Analfabetismo, destinado às cidades que, no Censo Demográfico de 2010, confrontados os dados colhidos pelo IBGE em 2001, apresentarem taxa de analfabetismo inferior a 3%; e o Cidade Alfabetizadora, para a cidade que, em 2010, em relação ao censo de 2001, conseguir reduzir o analfabetismo em 50%.

Segundo o MEC, no ano de criação do programa, foram realizados 188 projetos (149 prefeituras, 17 secretarias estaduais, 17 organizações não-governamentais e 5 universidades públicas), nos quais foram alocados mais de R$162 milhões para atender 1.668.253 jovens e adultos. No ano seguinte, o número de parceiros subiu para 382, dos quais 307 foram de municípios, 24 de secretarias estaduais, 45 de ONG’s e 6 de universidades públicas. Foram destinados mais de R$167 milhões para beneficiar mais de 1,7 milhão de jovens e adultos. No ano de 2005, os investimentos aumentaram para R$210 milhões, com 644 projetos, para atender a mais de 2 milhões de alfabetizandos. O resultado, porém, como mostram as mudanças efetuadas pelo governo no programa, parece não ter saído como o esperado.