Educação no caminho certo
Jornal O Popular, 29/03/2007
Educação no caminho certo
Eliana Maria França
A publicação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mobilizou a imprensa na discussão sobre as deficiências da educação no Brasil. Esta discussão pode trazer efeitos positivos, ao mobilizar a sociedade a pressionar os setores políticos e movimentos sociais organizados a assumirem posições claras e definidas em favor da qualificação da educação brasileira e produzir ações eficazes de intervenção. Mas a constatação pontual das deficiências, sem conhecimento de todo o processo de desqualificação do ensino no Brasil e sem análise das variáveis que interferem nesta desqualificação, pode, sim, ser extremamente negativa, quando leva a posições desmoralizadoras e desestimuladoras.
É necessário dimensionar com precisão e conhecer em profundidade a situação educacional do Brasil, hoje. Para os leigos no assunto, os dados nus impressionam. Porém, não explicam e podem dificultar a compreensão dos avanços e entraves da educação brasileira, que apenas a partir da década de 90 do século passado passou a receber atenção especial dos governos. Só a adoção de políticas públicas consistentes e contínuas poderá, em algumas décadas, mudar o cenário de abandono e deficiências a que foi relegada a educação básica no Brasil. É preciso, portanto, recuperar, na discussão e na análise, a visão de processo que caracteriza todas as ações de educação.
Até meados da década de 90, o sistema educacional público ainda não respondia às demandas de escolarização, deixando fora da sala de aula a maioria das crianças das classes trabalhadoras. A universalização, ou quase universalização (97% das crianças de 7 a 14 anos na escola) do ensino fundamental só foi alcançada com a implantação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). Por outro lado, a formação de professores no Brasil, na maioria dos cursos superiores, ainda mantém grande distanciamento dos problemas e dificuldades cotidianos da escola pública. Nesse contexto é que se inicia o processo de avaliação da educação básica.
As primeiras avaliações nacionais da educação básica, inclusive a de 1995, ocorreram antes da implantação do Fundef, o que se deu em 1996. O Fundef criou condições de universalização da educação fundamental ao redistribuir os recursos financeiros a municípios e Estados com base no número de matriculados no ensino fundamental. Esta política resultou no aumento de matrículas sem, contudo, contar com investimentos significativos na formação de professores, na ampliação de salas de aula e outros espaços necessários ao atendimento, com qualidade, da nova demanda.
Este aumento de alunos, antes da implantação das outras condições, provocou uma queda nos escores do Saeb nos anos de 1997 e 1999 em todo Brasil, revelando-se aí a contradição do binômio qualidade e quantidade. Esta constatação gerou medidas nas esferas municipais, estaduais e nacional, com a finalidade de reverter a situação e garantir a aprendizagem dos alunos. Políticas públicas foram implementadas com o objetivo de assegurar níveis mínimos de qualidade. Portanto, embora a comparação com 1995 seja importante para discutir o rendimento escolar brasileiro antes e depois do Fundef, não é adequada para avaliar a melhoria ou não do sistema ao longo da década. Neste caso é preciso pegar como referencial o ano de 1999, ano da primeira avaliação que absorve o grande acréscimo de alunos provocado pelo Fundef e comprovado pelos censos escolares.
Em Goiás, a partir de 1999 a política de educação adotou como prioridade a garantia de aprendizagem dos alunos, as ações em sala de aula e, conseqüentemente, a profissionalização dos professores. Investimentos significativos foram feitos nesses setores. Até 1999, somente 32% dos professores da rede pública estadual tinham qualificação em nível superior. Através do Programa Licenciatura Parcelada, em parceria com a UEG, e no qual o governo investiu até 2005 R$ 33.504.065,00, habilitaram-se 8.788 professores em licenciatura plena. Adicionando-se à formação os concursos realizados em 2003 e 2005, a rede estadual tem hoje aproximadamente 95 % de seus professores qualificados.
O salário base também teve aumentos significativos. Passou, por exemplo, no caso do professor PIII, de R$ 484,00 por 40 horas semanais, em 1999, para R$ 1.084,71, em maio de 2006. A política de qualificação do ensino exige, também, a adoção de ações de acompanhamento e avaliação do trabalho docente, o que foi iniciado, de forma mais sistematizada, em 2003.
Vários outros programas foram implementados com o objetivo de garantir condições de desenvolvimento pedagógico adequado, como a recuperação da rede física, à época muito sucateada; a aquisição de mais de 1.653.015 livros para as bibliotecas escolares e cantinhos de leitura; a implantação de laboratórios de informática em 374 escolas, incluindo escola indígena e de antigos quilombos, todos conectados à internet banda larga. Mais 200 laboratórios ficaram em processo de aquisição, em 2006. Programas de cultura e esporte também foram implantados.
Muito foi feito e muito ainda se tem a fazer, principalmente na área de desenvolvimento da gestão educacional. Os problemas da educação brasileira são estruturais, sociais, econômicos e culturais e não serão superados em um ou dois períodos de governo. Programas em educação exigem continuidade, acompanhamento, avaliação e aperfeiçoamento.
Que o debate não se arrefeça após os primeiros “sustos”. A sociedade como um todo e os políticos em especial devem cobrar e realizar ações eficazes para a qualificação da educação brasileira. Em resposta aos desafios do desenvolvimento econômico, cultural e social, é preciso retirar o Brasil dos vergonhosos índices mundiais de educação e IDH e colocá-lo no mesmo nível dos países desenvolvidos.
Eliana Maria França é professora aposentada da UFG e ex-secretária estadual de Educação