A família como base do rendimento escolar

Jornal O Popular, 02/04/2007


A família como base do rendimento escolar

Pesquisas desenvolvidas na USP e FGV contestam idéias de que baixo rendimento escolar na rede pública está relacionado a fatores como turmas numerosas e salário dos professores

Vinicius Jorge Sassine

Os salários pagos aos professores na rede privada de ensino, a existência de salas de informática nessas escolas e a constituição de turmas menos numerosas, se comparadas à realidade da rede pública, são comumente apontados como fatores que explicam o melhor desempenho de alunos dos colégios particulares em sistemas de avaliação de ensino. Não passam de mitos, como evidenciaram duas pesquisas divulgadas na semana passada, desenvolvidas por professores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os estudos derrubam idéias do senso comum que tentam explicar o péssimo desempenho dos alunos brasileiros em avaliações institucionais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Professores das redes pública e particular recebem praticamente os mesmos salários, sem as discrepâncias tradicionalmente apontadas numa tentativa de justificar o desempenho ruim das escolas públicas no Enem e no Saeb. Em Goiás, os salários médios pagos aos professores da segunda etapa do ensino fundamental (quinta à nona série) chegaram a ser 8% maiores na rede pública, em comparação com os educadores da iniciativa privada, em 2000 – ano do Censo Demográfico, utilizado como base de dados para a pesquisa. Vinte anos atrás, a média das remunerações na rede pública era 8% menor (veja quadro), como mostra a pesquisa Diferencial Público-Privado do Salário dos Professores, desenvolvida por pesquisadores da FGV e da USP.

A pequena – ou quase nula – influência dos salários dos professores no desempenho dos estudantes em avaliações de ensino é corroborada pela pesquisa Os Determinantes do Desempenho Escolar no Brasil, de autoria do professor Naercio Menezes Filho, da Faculdade de Economia e Administração da USP. O estudo, baseado nos resultados obtidos em Matemática por alunos dos ensinos fundamental e médio que participaram do Saeb, faz constatações que vão na contramão do que sempre foi defendido e explicado por educadores. Uma turma de alunos numerosa não interfere negativamente no desempenho dos estudantes. Da mesma forma que a disposição de computadores nas escolas, a formação de conselhos escolares e o treinamento dos professores não resultam em maior conhecimento por parte dos alunos que fizeram as provas do Saeb.

Discrepâncias
Um outro dado da pesquisa revela peso decisivo das famílias e das próprias circunstâncias dos alunos no desempenho nas avaliações. O estudo conclui que há uma discrepância muito grande entre as notas dentro de cada Estado, com escolas muito boas e muito ruins dentro de uma mesma rede. Entre 10% e 30% das diferenças de notas obtidas pelos alunos da rede pública se devem às diferenças entre escolas. O restante da variação – de 70% a 90% – é atribuído às diferenças entre os alunos e suas famílias.

“As discrepâncias de aprendizado entre escolas, apesar de menores, são importantes, pois equivalem a um grande acréscimo de aprendizado”, conclui o pesquisador Naercio Menezes. “Mas as variáveis que mais explicam o desempenho escolar são as características familiar e do aluno, tais como educação da mãe, cor, atraso escolar e reprovação prévia.”

Reportagem especial do POPULAR publicada no dia 25 de março mostrou que, em dez anos, houve uma diminuição do desempenho de estudantes goianos em Língua Portuguesa e Matemática, atestada pelo Saeb. Essa foi uma tendência em todos os Estados, mas a proficiência nas duas disciplinas teve uma queda mais acentuada em Goiás de 1995 a 2005, se comparada à média nacional. Um exemplo é o resultado obtido pelos alunos da rede estadual que concluíram a quarta série do ensino fundamental em 2005. Numa escala de 0 a 500, esses estudantes obtiveram 178,3 em Matemática e 165,1 em Língua Portuguesa. Dez anos atrás, os resultados foram 199,5 e 200,3, respectivamente. Todas as notas foram inferiores às obtidas pelos alunos da rede particular. A situação é mais grave no interior do Estado.

O desempenho dos alunos goianos no Enem também está abaixo da média do País. O Estado tem ainda o terceiro maior índice de evasão do ensino fundamental (9,2%), atrás apenas da Bahia e do Maranhão. No ensino médio, esse índice é de 14,3%, o quarto maior do País, segundo o Ministério da Educação (MEC). A reportagem do POPULAR publicada no dia 25 mostrou as diferenças de realidades dentro de uma mesma rede. Em bairros periféricos, é precária a situação de escolas da rede estadual. Ainda funcionam 166 colégios construídos com placas de concreto. Faltam laboratórios, bibliotecas, quadras poliesportivas, professores e sobram problemas estruturais e pedagógicos.