Brasil Alfabetizado muda seu foco e ONGs perdem metade da verba

Jornal O Estado de São Paulo, 01/04/2007

Brasil Alfabetizado muda seu foco e ONGs perdem metade da verba

Estados e municípios terão maior participação no programa; mudanças já devem começar a partir deste mês

Fernando Dantas

O governo vai cortar pela metade, de 40% para 20%, a proporção dos recursos direcionados às ONGs por meio do Brasil Alfabetizado, o ambicioso programa de alfabetização de jovens e adultos lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do seu primeiro mandato.

Até 2006, o programa já gastou R$ 750 milhões tentando alfabetizar 7,3 milhões de brasileiros, com resultados decepcionantes. A partir de 2007, o Brasil Alfabetizado sofrerá grandes mudanças, e o papel das ONGs será bastante reduzido, e muito mais focalizado.

Haverá um maciço aumento dos professores da rede pública de ensino na alfabetização de adultos, e um foco cerrado nos 1,1 mil municípios, 90% dos quais no Nordeste, que têm mais de 35% de analfabetos na população de 15 anos ou mais. “Vamos radicalizar o foco”, diz Ricardo Henriques, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), e responsável pelo Brasil Alfabetizado.

A dotação anual por aluno em alfabetização vai dobrar - de cerca de R$ 100 para R$ 200 -, por meio da ampliação dos recursos totais do programa de R$ 207 milhões em 2006 para R$ 315 milhões em 2007, e da redução do número de alunos de quase 2 milhões para 1,5 milhão. “Descobrimos que o custo de alfabetizar bem é maior do que achávamos”, observa Henriques.

As mudanças constarão de uma portaria do MEC, de 25 páginas e 60 artigos, a ser publicada no início deste mês. Uma segunda portaria, especificamente sobre as ONGs, será publicada de três semanas a um mês depois.

RETORNO AO ANALFABETISMO

A dispersão de verba em ONGs que nem sempre alcançam resultados eficientes é uma das várias causas identificadas para a baixa eficácia do Brasil Alfabetizado. Os principais problemas, porém, segundo Henriques, são a falta de foco nos analfabetos absolutos (totalmente incapazes de ler e escrever) e a alta taxa de retorno ao analfabetismo dos que não continuam a estudar. Ele frisa também que, para alguns aspectos específicos do programa, o papel das ONGs continua a ser visto como essencial.

Quando se trata de resultados, porém, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2005 revela que o número de analfabetos na população de 15 anos ou mais sofreu apenas uma levíssima queda. Passou de 14,8 milhões para 14,2 milhões de brasileiros - exatamente a que se esperaria por questões puramente demográficas, já que a morte de idosos tende a reduzir a população analfabeta.

No novo desenho do Brasil Alfabetizado, os Estados e municípios terão um grande aumento na sua participação. Em termos do volume de recursos repassados, ela sairá de 60% para 80% em 2007. Mas o aumento do papel dos entes federados vai muito além da repartição das verbas, e eles terão de elaborar planos plurianuais de alfabetização, que serão revistos anualmente. Serão criados selos a serem concedidos a cidades e Estados que alcançarem as metas. “Haverá uma responsabilização muito maior de Estados e municípios”, diz Henriques. Uma dessas obrigações será a de garantir que pelos menos 75% dos alfabetizadores vinculados às iniciativas estaduais e municipais sejam professores da rede de ensino.

Isso fará com que os professores da rede alcancem no mínimo 60% dos cerca de 130 mil alfabetizadores que participarão do Brasil Alfabetizado em 2007. Não há um número preciso da proporção de professores da rede atualmente no programa, mas acredita-se que ela pode ser quase três vezes menor que o mínimo previsto para 2007.

O Brasil Alfabetizado está passando por um dos mais completos e sofisticados programas de avaliação de políticas sociais do Brasil, e resultados parciais desse trabalho já ajudaram a desenhar as mudanças de 2007. A primeira avaliação completa, porém, que inclusive certificará os diferentes métodos de alfabetização usados no programa, só estará pronta em 2008, sendo referente a 2007. Por ora, combinando achados preliminares da avaliação e a experiência direta na gestão do programa, chegou-se ao diagnóstico inicial sobre as razões do desempenho decepcionante de 2003 a 2005.

Professores da rede pública se integram ao programa

Os professores da rede pública, que passarão a participar do Brasil Alfabetizado, vão ganhar depósitos de R$ 200 mensais diretamente nas suas contas. “No Nordeste rural e urbano, 50% ou mais dos professores da rede só trabalham 20 horas semanais, e esse valor terá um impacto muito forte na renda”, diz Ricardo Henriques, responsável pelo programa no MEC. Esta é uma das diversas novidades do Brasil Alfabetizado em 2007, que têm como objetivo aumentar a eficácia do programa.

O número de participantes em cursos de alfabetização de adultos no Brasil saltou de 1 milhão para 1,7 milhão em 2003, primeiro ano do Brasil Alfabetizado, e atingiu quase 2 milhões em 2006. Apesar do sucesso de inclusão, nota Henriques, o impacto do analfabetismo ficou abaixo do planejado.

Os cerca de 1,1 mil municípios com taxa superior a 35% da população de 15 anos ou mais analfabeta - os bolsões de analfabetos absolutos - agora vão se tornar uma prioridade central do programa. “Não vamos esperar que eles apresentem seus planos porque eles não têm capacidade técnica para isso”, explica Henriques. O MEC está estimulando universidades e ONGs a assessorarem esses municípios na montagem dos seus planos, bem como na formação de professores. E um importante papel será mantido para as “ONGs de nichos”, dedicadas a segmentos específicos, como presidiários, catadores de lixo e atingidos por barragem.

Para um trabalho mais generalista e flexível, a tendência é que professores profissionais se saiam melhor. Para isso, os professores da rede receberão R$ 200 e os coordenadores, R$ 300, também direto em conta. O curso de formação específica dos professores para alfabetizar adultos será estendido de 40 para 60 horas.

Os Estados e municípios receberão transferências extras correspondentes a 50% do valor recebido pelos professores de rede a ele ligados. Desse dinheiro suplementar, 60% terá de ser gasto em treinamento dos professores, e o restante em merenda, transporte e material escolar e didático. Um grande plano de distribuição de material didático está sendo montado em 2007, e começará a funcionar em 2008, eliminando a necessidade de gastos com o item.

A prioridade dada aos Estados e municípios, por fim, deve estimular a continuidade dos estudos depois de concluída a alfabetização, já que eles cuidam da educação de jovens e adultos. Um dos maiores problemas do Brasil Alfabetizado é que muitos alfabetizados desaprendem, exatamente porque não prosseguem os estudos.