Em defesa das bibliotecas públicas municipais
Em defesa das bibliotecas públicas municipais
André Luiz dos Santos
Uma das questões fundamentais da educação brasileira hoje se refere à formação do leitor. Um leitor crítico que disponha de uma formação que lhe permita, de forma livre e independente, selecionar e fazer um juízo da excessiva massa de informações que ocupa nosso cotidiano, escolhendo o que é mais profícuo e importante. No entanto, o insucesso da escolarização e de programas e projetos de formação de leitores nos remetem a um questionamento: será que ainda persiste o temor histórico de que o acesso à leitura, garantido para todos, representa o risco de subversão e de ameaça ao poder estabelecido?
A reflexão acerca da importância das bibliotecas públicas municipais pode ser uma referência para pensarmos o problema da formação do leitor. Geralmente localizadas em um antigo prédio, no coração das pequenas cidades, estas bibliotecas representam a possibilidade para muitos de habitarem e criarem outros universos, nos dizeres de Caetano Veloso, “lançar mundos no mundo”. As condições em que se encontram as bibliotecas públicas municipais em muitas cidades, no entanto, são a expressão de como o problema da formação de leitores é tratado em nossa sociedade.
A ausência de políticas públicas para as bibliotecas, a inadequação do espaço físico em que funcionam, o desinteresse público na preparação dos bibliotecários (estes também educadores) e a própria ausência do leitor levam muitas bibliotecas e seus acervos à inércia e as traças. Embora possam ser registradas iniciativas individuais e de grupos, como doação de livros, em muitos lugares a preservação não é realizada de forma adequada, condenando grandes e raras obras à digestão por parte dos insetos e à deterioração.
O próprio conteúdo do livro é condenado. Se um livro não encontra um leitor ele deixa de existir. O livro que não é lido não se realiza, o seu potencial é absorvido pela inércia do tempo. A inércia e a traça trabalham juntas, consumindo a construção espiritual e humana, aquilo que o homem construiu com maior esforço, nobreza e amor: a filosofia, as ciências, a literatura. Segundo Dante Moreira Leite (Psicologia e Literatura, São Paulo: Edunesp/Hucitec, 1987), “a rigor, só se pode falar em obra literária quando o pensamento produtivo se realiza num texto e este encontra um leitor ou um ouvinte compreensivo” (pág. 209). Assim, o destino do livro não é determinado apenas pelo seu conteúdo em si. São necessárias a sua assimilação, apreciação e interpretação. É necessário um leitor ávido que possa satisfazer seu prazer visual lendo o livro.
O professor não pode ser culpado. É um dos principais responsáveis pela orientação do aluno sobre a a necessidade de consulta à biblioteca. Seria interessante que as instituições (universidade, associações de escritores, escola, governo e mídia) repensassem as políticas e práticas educacionais, considerando as bibliotecas públicas municipais como um espaço de preservação do patrimônio textual e de socialização do conhecimento universal, um espaço especial de formação do leitor. Caso contrário, estaremos afirmando o histórico temor de que a leitura ameaça o poder e os poderosos, gerando desordem social e subversão das normas e padrões.
“Os livros têm os mesmos inimigos que os homens: o fogo,
a umidade, os animais, o tempo e o próprio conteúdo.”
Paul Valéry
André Luiz dos Santos é psicólogo pela Universidade Federal de Uberlândia, mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás e professor da Universidade Estadual de Goiás.