Rédea curta (Jornal O Popular, 15/04/2007)

Jornal O Popular, 15/04/2007

Rédea curta

Instituições de ensino têm regras para evitar problemas em colações de grau e começam a tomar para si a organização de tais eventos

Rogério Borges

As duas maiores universidades de Goiás mostram-se preocupadas com o excesso de barulho durante as cerimônias de colação de grau em seus cursos. A Universidade Federal de Goiás (UFG), com a posse de seu novo comando, em 2006, decidiu endurecer um pouco mais as regras referentes à questão.

“As normas que disciplinavam essas solenidades já existiam, mas percebemos que os eventos estavam mais próximos de shows e espetáculos do que de um rito acadêmico”, esclarece Venerando Ribeiro de Campos, assessor de Relações Públicas da instituição, departamento incumbido de conduzir esta parte do ritual de formatura.

“Antes, as comissões fechavam pacotes para todos os eventos, como baile e aula da saudade, e incluíam nos serviços a colação. Agora é a universidade que cuida da colação”, assinala. A decisão foi motivada pelos altos custos da solenidade, o que excluía alunos que não podiam pagar, e também por episódios desagradáveis no decorrer da cerimônia.

“As colações estavam cheias de pirotecnias. O pessoal colocava pequenos fogos na entrada do palco, que soltavam fagulhas. Algumas delas chegavam a cair sobre os membros da mesa e sobre o público das primeiras filas. Eles também utilizavam gelo seco, o que causava uma fumaceira fazendo com que ninguém enxergasse nada no auditório”, afirma Venerando.

A tentativa da UFG em tentar ordenar melhor as colações de grau foi motivada por uma seqüência de pequenos tumultos ocorridos em suas colações de grau. A gota d´água foi a formatura de uma turma do curso de veterinária, na qual a bagunça teria passado da conta.

“Nós fizemos reuniões com estudantes e cerimoniais para evitar tais circunstâncias, já que estamos sendo cobrados em função disso. Com as novas normas, a situação melhorou. Antes tínhamos gente levando berrante para a colação de grau. Já flagramos um cerimonial entregando apitos na entrada”, recorda Venerando. Ele admite, no entanto, que abolir todas as faixas e instrumentos sonoros é muito complicado. “Temos um projeto de, já em 2008, termos um espaço nosso, exclusivo para tais cerimônias”, anuncia o professor.

Proibições
O cerimonial da Universidade Católica de Goiás (UCG) também já passou por maus bocados em solenidades de colação de grau. “A palavra é bagunça mesmo”, define o diretor da seção, Antônio Miranda. A instituição faz um trabalho junto às comissões de formatura para avisar das proibições de instrumentos sonoros e outros apetrechos menos discretos em colações de grau e as turmas são obrigadas a imprimir nos convites a lista de objetos embargados para a solenidade.

Isso, no entanto, não torna a festa imune a incidentes. “O cerimonial precisa estar muito atento. Nas passagens de uma parte da colação para outra, como nos intervalos entre os discursos, não pode-se dar brechas. Se houver um hiato, isso pode ser usado para o início de alguma manifestação”, sublinha Antônio. Com dez anos de experiência organizando colações de grau – são cerca de 35 por semestre –, o cerimonialista da UCG credita os momentos de algazarra a uma grande vontade que os bagunceiros têm de aparecer. “Só pode ser isso. É o único sentido que há para este tipo de atitude.”

Crise de autoridade

Em meados dos anos 1960, a filósofa Hannah Arendt escreveu um texto sobre educação (“Crise da Educação”, incluído no livro Entre o Passado e o Futuro) em que percebia um processo nomeado por ela como “perda do bom senso”, que estaria ligado à fragilidade de figuras que, de alguma forma, simbolizavam a autoridade. Com mestrado sobre a autora, a professora Carmelita Brito de Freitas Felício, que leciona na Universidade Católica de Goiás, estabelece uma ponte entre as idéias da pensadora alemã e os problemas que existem hoje em cerimônias em que há autoridades presentes.

“Esses fatos denotam que há uma perda da autoridade constituída. Vivemos em um mundo que se encontra em crise e todos nós somos acometidos por uma sensação de perda dos pontos de referência”, pontua.

“A inquietação que guia o pensamento de Hannah Arendt, quando aborda a questão das relações na educação, é com a perda da tradição e da autoridade”, frisa.

“O problema da educação, segundo Arendt, é que ela não pode dispensar nem a tradição nem a autoridade e, ainda assim, tem que construir o seu próprio caminho em um mundo que não é estruturado pela autoridade e muito menos pela tradição”, acrescenta Carmelita. Quando, durante a fala de algum convidado da cerimônia, alguém resolver tocar uma corneta, fica evidente uma falta de razoabilidade por parte do bagunceiro.

“Hannah Arendt diz que há sim uma falência do common sense [senso comum ou bom senso]. É nesse sentido que ela vai dizer que ‘a falência do bom senso aponta, como uma vara mágica, o lugar em que ocorreu esse desmoronamento’. E digo mais: Hannah Arendt recorda que, para os gregos, o ilimitado era a origem de todos os males e a medida, a virtude política por excelência”, relata a professora.

“Para ela, o bom senso revela-se fundamentalmente num sentido dos limites. Fatos como esses que estamos analisando são reflexos, portanto, da perda da medida, dos limites. Quando se perde o senso dos limites, tudo pode acontecer, tudo é possível”, prossegue Carmelita. A professora faz um alerta. “Enquanto a escola e a universidade não se derem conta de que não basta valorizar o acúmulo de saberes e habilidades em detrimento de uma educação que incentive o pensamento, a reflexão, o desenvolvimento de indivíduos conscientes de que fazem parte de um mundo comum e que devem assumir, cada qual, a sua parcela de responsabilidade para com ele, vamos continuar à deriva e fatos com estes vão continuar acontecendo.”

O que evitar em colações

A boa educação cabe em qualquer lugar e circunstância, até em momentos de grande alegria. Não seja inconveniente e saiba o que você deve evitar em uma colação de grau:

¤ Não grite todas as vezes que a imagem do formando que conhece aparecer no telão. Vibre apenas no momento em que ele receber o canudo e, mesmo assim, sem exageros.

¤ Não interrompa o discurso do reitor, do paraninfo ou do orador da turma. Afinal, não é educado falar no momento em que outras pessoas estão se expressando.

¤ Não abuse de apitos, cornetas e buzinas. São instrumentos que fazem alaridos muito altos. Não se esqueça que haverá crianças e idosos no recinto.

¤ Desligue o celular e o pager durante a cerimônia. Eles podem tocar no meio do discurso e, como a acústica de teatros e auditórios costuma ser muito boa, todos vão ouvir.

¤ Evite gritar palavrões ou apelidos de baixo calão. Nem é preciso comentar os motivos óbvios para não fazer isso.

¤ Quanto ao formando, não faça um espetáculo à parte na hora da colação, como levantar a beca ou gritar palavrões. Afinal, a festa é de todos e não de uma só pessoa que, provavelmente, nem tem tanto talento para o palco como imagina.