A Educação que ainda nos falta, por Eliana França

Jornal Diário da Manhã, 22/04/2007

A Educação que ainda nos falta, por Eliana França

Gustavo Iochpe dá um título interessante e provocativo a seu estudo sobre o valor da educação no desenvolvimento do Brasil: A Ignorância Custa Um Mundo. Realmente, pagamos esse custo há mais de 500 anos. O mundo da maioria de nossas crianças e jovens, no século 21, assemelha-se ao mundo da Idade Média.

Apesar de todas as inovações tecnológicas e da velocidade das informações, muitos brasileiros vivem alheios ao desenvolvimento, empurrados pela vida, parte passiva que se tornam do turbilhão da tecnologia, sem condições de, efetivamente, dele participarem.

A partir da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1996, o Brasil assumiu o desafio de colocar todas as crianças na escola – e quase atingiu plenamente esse objetivo. Mas, ao ampliar as condições de acesso, não conseguiu, na mesma proporção, garantir que a escola continuasse a fazer o que dela se espera: ensinar.

Os saudosistas dizem: “Na minha época, a escola pública era modelo”. Sim, era. Mas quem a freqüentava? Quantas escolas públicas havia e onde se localizavam? Como era o acesso a ela? Perguntas indigestas! Outros dizem que não haveria as escolas privadas hoje, se as públicas fossem boas. Lá, sim, se encontra o ensino de qualidade! Quanta ilusão: testes internacionais colocam as escolas brasileiras entre as piores do mundo.

Alunos das melhores escolas privadas brasileiras têm escores menores em testes internacionais de matemática e ciências do que alunos das piores escolas públicas de alguns países europeus e asiáticos. Estamos, como país, no prejuízo. Toda escola no Brasil precisa ser repensada.

Quanto à escola pública, vale a pena fazer algumas reflexões. Onde ela está hoje localizada? Quem a freqüenta e quem ainda não conseguiu nem entrar nessa escola? Quem nela trabalha?

A população trabalhadora que teve acesso à escola na década de 90 nela ingressou, na maioria das vezes, com o estigma de a ela não pertencer. Essa porção da sociedade costuma ter baixa auto-estima, por seu próprio histórico de vida escolar ou pelo de sua família. Normalmente, rejeita aquela cultura formal, sem sentido prático e muito distante da realidade cotidiana que vivencia. No mesmo ritmo, entra e sai da escola ou por ela é expulsa. A defasagem idade–série no Brasil é uma das mais altas no mundo.

Os que trabalham na escola também carregam consigo uma história de luta pela sobrevivência. Ficaram nos idos de 50 as professorinhas de salto alto, bem vestidas e penteadas, que enxergavam a profissão como missão. Homens e mulheres são hoje professores por acreditarem na educação, mas, também, por considerarem-na uma profissão, por dela dependerem para sobreviver.

É nesse contexto que as políticas de educação têm de ser pensadas e desenvolvidas, e a política de educação adotada em Goiás a partir de 1999 partiu dessa realidade e nela centrou suas ações. Para combater a defasagem idade–série, garantindo não só a aprendizagem, mas também o resgate da auto-estima de alunos e professores, programas de aceleração da aprendizagem foram implantados, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, cuja seriedade é reconhecida por órgãos internacionais como Unesco, Banco Mundial e fundações internacionais de pesquisa em educação.

A defasagem não se zerou – e nem será em uma geração tão grande –, mas foi intensamente reduzida: de 46,6% ,da 1ª a 4ª série, para menos de 20%, e de 54,4%, em todo o ensino fundamental, para 38,7%. Convém lembrar que alunos defasados em quatro a cinco anos, ou mais, mesmo acelerados em um ano ou em até três, como houve casos, continuam, entretanto, nas estatísticas de defasados, embora com menor diferença. Nesta linha, a matrícula de educação de jovens e adultos cresceu 542,61%, e o analfabetismo adulto caiu de 12,5%, da população de 15 anos ou mais, para 9,17%, de 1999 a 2005, com a alfabetização de 225.716 jovens e adultos.

Os dados de evasão e repetência, apesar de ainda elevados, também foram substancialmente reduzidos no período: de uma taxa de 15,9%, de abandono em 1998, para 11,6%, em 2004 no ensino fundamental. Os alunos beneficiados pelo Programa Salário Escola, que contempla 97 mil famílias, apresentaram taxas de 0,01% de abandono. A repetência cai de 11,2% para 9,5%, no mesmo período. No ensino médio, as taxas permaneceram estáveis, mas a matrícula cresceu 13,56%. Ressalte-se que, de 1999 a 2002, a Secretaria Estadual de Educação adotou uma agressiva política de municipalização das primeiras quatro séries, à época, do ensino fundamental.

Em 2004, por exigência do MEC, as escolas conveniadas com a rede estadual passaram a ser consideradas privadas e, como tais, registradas no Censo Escolar, apesar de o pagamento de professores, do pessoal técnico-administrativo e das despesas de custeio continuar a ser bancado pela Secretaria. Essas duas medidas fizeram com que caísse, no papel, o número de alunos matriculados no ensino fundamental estadual, assim como a última gera uma falsa idéia de crescimento do ensino privado em Goiás, no ensino fundamental e no médio.

Investimentos também foram feitos em pessoal – principalmente, nos professores. Cursos de formação inicial e continuada foram implantados, com 8.788 professores graduados pelo Programa Licenciatura Parcelada até 2005 e mais de 30 mil participantes dos diversos programas e ações de capacitação continuada. Só em capacitação do corpo docente, o governo investiu, até setembro de 2005, R$ 80,8 milhões. Com os novos estatutos e planos de carreira, os salários chegaram a subir 141,35% no período, e a folha de pagamento saltou de R$ 27 milhões, em 1999, para R$ 92,6 milhões, em 2006.

De 1999 a 2005, foram concedidas 188% a mais de gratificações de titularidade, capazes de aumentar em até 50% o salário-base do professor. Essa política de profissionalização e valorização do docente, em primeiro lugar, mas também dos demais servidores da educação é essencial para garantir compromissos e condições de qualificação da rede de ensino. Mas não pode ser a única. Deve, necessariamente, estar acompanhada de um processo avaliativo da prática docente.

Em 2004, a Secretaria Estadual de Educação avaliou todos os seus servidores docentes e não-docentes. É preciso aprimorar as políticas de pessoal com base no monitoramento e aferição concreta dos resultados do trabalho docente e de gestão escolar. Isso exige processos de avaliação consistentes, confiáveis, contínuos e transparentes. É necessário, ainda, garantir maior flexibilidade legal, com normas mais condizentes com a realidade dos sistemas de ensino e que possibilitem a implementação de políticas de pessoal mais adequadas às exigências de desenvolvimento e qualificação da educação.

Avanços na gestão da educação foram também perseguidos pelo governo. Implantou-se, em 2000, a eleição direta para diretores das escolas públicas estaduais, com participação de professores, funcionários, pais e alunos. Três eleições foram realizadas. Todas as Subsecretarias Regionais de Educação e as secretarias das escolas foram informatizadas e implantado o Sistema de Gerenciamento da Gestão Escolar (Sige), que hoje possibilita o gerenciamento de todas as informações da SEE, da vida escolar do aluno a informações financeiras e materiais das escolas e da rede, com consulta e expedição de documentos em tempo real. O Sige foi desenvolvido internamente na SEE e disponibilizado para outras Secretarias de Educação, estaduais e municipais, entre elas, as da Bahia, do Maranhão, do Mato Grosso do Sul e do Tocantins.

Na linha da informatização, implantou-se, a partir de 2000, o processo de matrícula informatizada, que acabou com as filas intermináveis, com a burocracia e com o tráfico de influências, assim como garantiu acesso a todos ao ensino público estadual, bastando, para isso, usar um telefone público. Criticado nos primeiros anos, quando estava em processo de implementação, utilizam-no atualmente várias redes de ensino, inclusive a rede municipal de Goiânia.

Mas, dentro do processo de modernização e descentralização da gestão, talvez a ação mais ousada tenha sido a implementação do Programa ProEscola, com repasses de recursos financeiros para as escolas, de acordo com o seu Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), elaborado pela comunidade escolar e aprovado pelo Conselho Escolar e pela SEE. Com esses recursos, a escola cobre suas despesas de custeio e manutenção e ainda pode fazer investimentos. A merenda escolar foi também escolarizada. O recurso também é repassado à escola, cabendo a ela realizar as compras necessárias. Administrando o próprio recurso, o estabelecimento não só acelera suas ações, como tem mais condições de economizar nas despesas e valorizar seus ganhos.

Investimentos também foram feitos em obras físicas, com a construção de 77 novas escolas e 1.003 salas de aulas, reforma de 856 escolas e construção/reforma de 11 Centros de Educação Profissional e 13 Núcleos de Tecnologia Educacional e Núcleos Regionais de Educação à Distância e Continuada. Foram implantados 374 laboratórios de informática (200 ficaram em processo de aquisição), 215 laboratórios de ciências e 56 de línguas.

Os laboratórios de informática conectam-se à internet banda larga e estão distribuídos em escolas de todas as regiões, como na escola indígena de Aruanã, nas comunidades Cedro, de Mineiros, e Calunga, no Nordeste Goiano. Pelos Programas Cantinho de Leitura, para as cinco primeiras séries do ensino fundamental, e Bibliotecas Escolares, para as demais séries e ensino médio, foram adquiridos 1,6 milhão de livros para as escolas públicas de Goiás.

Na Bienal do Livro, em 2005, foram investidos mais R$ 5,3 milhões na compra de mais 292,3 mil livros, para renovação e complementação dos acervos das escolas. As compras foram feitas diretamente pelas escolas, que tiveram a liberdade de escolher os títulos e negociar com as editoras, tanto durante as feiras de livros de 2000 e 2001 quanto na Bienal.

Mas pouco se falou em uma outra face do trabalho realizado pela SEE, que são as oportunidades oferecidas às crianças e jovens de alçarem vôos mais ousados. A partir do programa de distribuição de livros de inglês e capacitação continuada dos professores, criou-se uma parceria com a Embaixada Americana para o Programa Jovens Embaixadores. A SEE manda, anualmente, desde 2003, um aluno para os Estados Unidos, por um período de 2 meses. Em 2003, 55 alunos inscreveram-se; em 2005, 220. Nos quatro anos do programa, apenas em 2006, o selecionado foi um aluno de Goiânia. Todos os outros, do interior. O aluno que viajou em 2004 destacou-se tanto que ganhou bolsa integral para cursar universidade nos EUA. Hoje ele estuda psicologia na Flórida. Pela parceria com a Embaixada Americana, um grupo de professores também visitou os EUA.

O apoio ao trabalho dos professores de ciências e à Feira de Ciências, igualmente, lhes tem proporcionado viagens, assim como aos alunos. O Colégio Estadual Santa Luzia já participou, em três anos consecutivos, da Feira Nacional de Ciências, em São Paulo. Classificou-se em primeiro lugar regional na última participação. O Colégio Estadual Jardim Europa, nesta mesma feira, em 2003, foi classificado no primeiro lugar nacional e foi a Cleveland, Ohio, para a Feira Internacional. Outros colégios, inclusive do interior, também têm participado da Feira Nacional de Ciências.

Na Conferência Nacional Infanto-Juvenil de Meio Ambiente, realizada em Brasília, destacou-se a delegação goiana, com trabalhos desenvolvidos com o meio ambiente em suas escolas, de todas as re-giões do Estado. Alguns projetos na área do meio ambiente, iniciados em uma disciplina, transformaram-se em ONGs locais e hoje são projetos assumidos pelos municípios. Algumas experiências transformaram-se em cooperativas de reciclagem ou de fabricação de produtos de limpeza, sem toxinas, com renda para a própria escola. A maioria dos projetos recebeu diversos prêmios, local e nacionalmente.

O Programa Viva e Reviva Goiás, iniciado no movimento em prol da concessão do título de Patrimônio Histórico à cidade de Goiás, foi premiado pelo Ministério da Cultura e pelo Iphan com o Prêmio Rodrigo Melo Franco de educação patrimonial. Atualmente, a SEE implementa e apóia o programa em seis municípios e nas escolas calungas, envolvendo todas as redes de ensino, inclusive a particular e a da prefeitura local. Com o Programa Rádio Escola, adquiriu-se aparelhagem de rádio para as escolas e capacitaram-se professores e alunos para produzir, editar e transmitir programas. Em Silvânia, com o apoio da rádio comunitária da Igreja católica, o programa é transmitido para todo o município. Em 2005, a SEE comprou um furgão e o aparelhou para capacitação in loco de professores e alunos. Este furgão desloca-se pelo Estado atendendo à solicitação das escolas.

O Programa Rádio Escola de Goiás, assim como as ações desenvolvidas pela SEE no Programa Proinfo, do MEC, foram referência e modelo para a política adotada a partir de 2003 pela Secretaria de Educação à Distância, do Ministério. O MEC, ao conhecer o que Goiás desenvolvia na área de tecnologia, expandiu as propostas e ações para o Brasil e criou o Programa Educom, com o aparelhamento de rádio para as escolas brasileiras de ensino médio.

Ainda em tecnologia, a Microsoft capacitou em Goiás mais de 1,2 mil alunos no Programa Aluno Monitor, com certificado em tecnologia. Muitos estão continuando a capacitação em nível avançado, com qualificações de nível internacional, sem saírem de seus municípios e totalmente gratuitas. Muitos alunos já estão empregados, outros montaram microempresas e outros ainda foram aprovados em concursos públicos, como o da Intel.

O Programa Bolsa Orquestra, iniciado em 2003, tornou realidade a Orquestra Jovem da Educação. A Secretaria de Educação de Goiás é única a possuir uma orquestra no Brasil e garante ao jovem da classe trabalhadora o direito de estudar, profissionalizar-se e trabalhar com música erudita no Brasil. O Centro de Educação Profissional em Artes Basileu França tem se destacado como espaço de formação e profissionalização em música, dança, artes plásticas e artes cênicas de maneira geral.

Essas ações, de cunho cultural e também técnico-científico, possibilitam a ampliação das fronteiras de nossas crianças e jovens, permitindo-lhes o acesso não só a informações, mas garantindo-lhes o direito de participação efetiva no usufruto e criação dos bens culturais.

Eliana França é professora e ex-secretária da Educação