Estudo revela elitização da UFG

Jornal O Popular, 29/04/2007

Estudo revela elitização da UFG

Porcentual de alunos da rede particular aumenta na mesma proporção da concorrência. Egressos da rede
pública são maioria nas graduações menos procuradas

Vinicius Jorge Sassine

Dos 531 alunos que conquistaram este ano as vagas nos dez cursos mais concorridos da Universidade Federal de Goiás (UFG), 87,9% fizeram o ensino médio em escolas particulares. A realidade é inversa nas graduações menos disputadas em Goiânia: mais da metade dos calouros é proveniente da rede pública de ensino. Os estudantes que conseguiram superar a concorrência elevada do vestibular têm como base uma renda elevada dos pais, bem maior do que a média dos rendimentos das famílias goianas. Nos dez cursos mais disputados, 52,7% dos calouros têm renda familiar mensal superior a R$ 3 mil.

As informações foram compiladas pelo POPULAR a partir dos levantamentos socioeconômicos sobre os alunos que ingressaram este ano na UFG. Pela primeira vez, o Núcleo de Seleção da universidade fez relatórios individuais, para cada um dos 87 cursos de graduação. Os calouros respondem a 56 perguntas antes mesmo do ingresso na UFG, no momento da inscrição para o vestibular. São informados dados sobre a vida escolar, as condições socioeconômicas dos candidatos e as intenções com o possível ingresso na universidade. A reportagem teve acesso aos 87 relatórios, e comparou as diferentes realidades dos calouros da UFG.

É histórica a predominância de alunos da rede particular de ensino nos cursos da instituição. O levantamento pormenorizado permitiu precisar a realidade nas graduações mais disputadas. No curso de Medicina, o mais concorrido e elitizado da UFG, 90% dos calouros fizeram todo o ensino médio em escolas particulares, o dobro da média registrada em todas as graduações.

Renda alta

Os outros 10% podem ter conquistado a vaga no curso também por mérito de colégios privados. De cada dez alunos do primeiro ano de Medicina, oito fizeram cursinho pré-vestibular. Essa é uma conseqüência da disputa acirrada pelas 110 vagas do curso ofertadas anualmente pela UFG. Mais de 70% dos calouros entraram na universidade após tentarem duas vezes ou mais. Esses alunos não precisaram – e não precisam – se preocupar com trabalho. Em suas casas, os gastos com educação são os que mais pesam no orçamento. Uma renda familiar superior a R$ 3 mil é realidade para 68,1% dos calouros. Mais de 7% das famílias dos estudantes têm rendimentos superiores a R$ 12 mil.

Pais e mães graduados e pós-graduados, carros na garagem e completa despreocupação em conciliar estudo e trabalho são características comuns da maioria dos alunos dos cursos mais concorridos. Na turma de Direito em Goiânia, no período matutino, 95% dos aprovados fizeram o ensino médio somente em escolas particulares. São jovens de famílias pouco numerosas: 65% deles têm apenas um irmão. Ao contrário dos alunos de Medicina, a minoria fez cursinho pré-vestibular. O resultado é a presença predominante de graduandos com idades de 16 e 17 anos. No curso de Direito, em relação a Medicina, é maior a proporção de calouros com renda familiar mensal superior a R$ 12 mil. Pelo menos um em cada dez aprovados admitiu ter essa renda.

"Buscamos uma aproximação com as escolas de ensino médio,
e os programas vão seguir parâmetros nacionais. Haverá
interdisciplinaridade, com a prova integrada como um todo”

Verbena Moreira de Sousa, diretora do Núcleo de Seleção da UFG

Alunos da rede pública ficam pelo caminho

O funil que representa o vestibular tende para a elitização da universidade pública, da inscrição até a aprovação final. A análise dos dados mostra que muitos estudantes da rede pública e de baixa renda ficam pelo caminho, enquanto cresce a proporção de aprovados oriundos das escolas particulares, em comparação com o número de inscritos. Um exemplo: 389 alunos inscritos para o curso de Administração, o segundo mais concorrido no último vestibular, fizeram todo o ensino médio em escolas públicas. Apenas dois desses alunos ultrapassaram o funil e conquistaram as vagas. Eram, portanto, 47,8% no momento da inscrição, e se resumiram a 6,6% na condição de aprovados. Mais de 85% das vagas foram preenchidas por estudantes oriundos de colégios particulares.

Administração, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis surgiram nos últimos dois anos como forma de ampliar a opção de graduações na UFG. Os cursos funcionam à noite, numa tentativa de expandir o acesso de estudantes que precisam trabalhar durante o dia. Mas Administração e Psicologia – com turno predominantemente vespertino –, também recém-criado, figuram entre os mais concorridos da Universidade Federal de Goiás (UFG). O resultado foi a presença predominante de alunos de classe média-alta. Mais de 91% dos calouros de Psicologia são oriundos de escolas particulares.

A consciência de que as vagas mais disputadas acabam sendo ocupadas por alunos da rede particular leva a uma desistência natural dos candidatos. Muitos deles fazem a opção do curso de olho na menor relação candidato por vaga, e não na aptidão pessoal ou nas perspectivas de mercado. A predominância de alunos de colégios particulares já é notada no momento da inscrição para os cursos de Medicina e Direito. Do total de inscritos para o primeiro curso, 65% não conhecem a realidade de uma escola pública no ensino médio. Mais da metade dos candidatos a Direito também é proveniente da rede particular.

Mulheres

As mulheres são maioria na UFG, mas a proporção é superior à média geral em algumas graduações. É o caso do curso de Odontologia, onde 63,33% dos matriculados são mulheres. Direito em turno matutino, Psicologia, Enfermagem, Nutrição e Jornalismo – que estão entre os dez cursos mais concorridos – também concentram mais mulheres do que homens. Os calouros que declararam ser de cor branca são maioria. Chegam a 73% na graduação de Administração.

Os negros têm uma presença mais significativa em cursos com menor concorrência, assim como os alunos da rede pública de ensino. Mas isso não significa a definitiva democratização do acesso nessas graduações. Filosofia e Ciências Sociais, que estão entre os dez cursos menos disputados, têm uma maioria de calouros proveniente de escolas particulares. Na graduação de Matemática, no período vespertino, apenas 2 de 60 alunos do primeiro ano declararam ser negros.

Situação provocou a elaboração de projeto

A elitização da universidade pública, como ficou evidenciado no levantamento socioeconômico por curso de graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG), é reconhecida pela União, que financia as universidades federais. Essa realidade embasou a elaboração da política de ensino superior contida no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), pacote de medidas anunciado pelo governo federal na semana passada.

O objetivo do governo é dobrar o número de alunos nas universidades públicas federais, num prazo de dez anos. Os recursos previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação seriam destinados às universidades que aumentarem as vagas, abrirem novos cursos noturnos, reduzirem o custo por aluno e combaterem a evasão. Cada instituição, conforme o PDE, deve se planejar para chegar à meta de 18 alunos por professor. Hoje essa média é de dez alunos por docente. Na UFG, chega a 11 alunos.

Mudanças

“Essa meta é praticamente impossível”, afirma o reitor da UFG, Edward Madureira Brasil. Segundo ele, são necessárias mudanças estruturais nas universidades públicas, como a contratação de técnicos administrativos para acompanhar a expansão das vagas. O reitor cita ainda a falta de investimentos em infra-estrutura, na ampliação de salas de aula e em laboratórios dos cursos de graduação.

Outra saída, conforme o reitor, é ampliar a oferta de cursos com alta procura, como as engenharias, no período noturno. Além disso, a Universidade Federal de Goiás estuda a implantação de cursos de graduação que atendam necessidades de mercado em Goiás, como Estatística, Engenharia Mecânica e Arquitetura e Urbanismo. “À medida que se ampliam as vagas, diminui-se a elitização dos cursos.”

Sebastião Nogueira - 2.2.06

"É um quadro desalentador, um reflexo das deficiências no ensino básico. Mas a universidade não pode se omitir. A reitoria deve adotar políticas para amenizar a situação revelada pelo levantamento.”
Edward Madureira Brasil, reitor da UFG