UFG fará mudanças no próximo vestibular

Jornal O Popular, 29/04/2007

UFG fará mudanças no próximo vestibular


A evidente elitização na Universidade Federal de Goiás (UFG), principalmente nos cursos mais concorridos, motivou a direção da instituição a repensar formas de ingresso e de permanência dos alunos. Algumas medidas foram definidas para o próximo vestibular. Cinco mil estudantes serão beneficiados com a isenção da taxa de matrícula, de 95 reais. No último processo seletivo, 3 mil alunos – a grande maioria da rede pública – ficaram isentos de pagar a taxa. Outra medida é a mudança do programa das disciplinas cobradas no vestibular.

No próximo mês, o Centro de Seleção da UFG vai divulgar os novos programas, que sofreram alterações para se adaptar à realidade do ensino médio. “Buscamos uma aproximação com as escolas de ensino médio, e os programas vão seguir parâmetros nacionais. Haverá interdisciplinaridade”, afirma a professora Verbena Moreira de Sousa, diretora do Núcleo de Seleção da UFG.

As informações do levantamento socioeconômico dos cursos de graduação vão orientar as mudanças na forma de ingresso na UFG. “É um quadro desalentador, um reflexo das deficiências no ensino básico. Mas a universidade não pode se omitir”, ressalta o reitor Edward Madureira Brasil. “A reitoria deve adotar políticas para amenizar a situação revelada pelo levantamento.”

Medidas

Pelo menos quatro medidas são estudadas pela reitoria. Uma delas é a adoção do regime de cotas, tanto pelo critério social quanto pelo critério racial. Vagas seriam reservadas para alunos oriundos das escolas públicas e para negros, uma forma de compensar a presença ainda tímida na universidade. O último levantamento socioeconomico mostra que os estudantes da rede pública e os negros são minoria na UFG. “Estamos em compasso de espera, por causa do projeto que tramita no Congresso”, afirma o reitor. Conforme o projeto, 50% das vagas nas universidades federais seriam destinadas a alunos de escolas públicas, indígenas e negros, no prazo de seis anos.

Duas outras medidas têm mais chances de ser efetivadas, segundo o reitor. A exemplo do que ocorre na Universidade de Campinas (Unicamp), os alunos da rede pública teriam um bônus na nota obtida no vestibular, com variação de 5% a 10%. Seria uma forma de compensar as deficiências de ensino nas escolas públicas e equiparar com o nível dos estudantes da rede particular. Outra possibilidade é o aproveitamento do desempenho dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Se a soma proporcional com a nota do vestibular for maior do que a nota bruta nas provas, permanece a soma.

É cogitada uma avaliação ao longo dos três anos do ensino médio, similiar ao Programa de Avaliação Seriada (PAS) adotado pela Universidade de Brasília (UnB). Todas as propostas estão em fase de estudo. “Não está nada fechado, mas será uma coisa ou outra”, observa o reitor. “O modelo de universidade está vinculado à forma de ingresso. É nítida a preparação dos candidatos de escolas particulares para ingressar nos cursos mais concorridos”, reitera Verbena.

Gasto com educação é o que mais pesa

Os pais de Augusto Henrique Moreno Alves, 18, sempre custearam despesas com escolas e faculdade particulares. Augusto e os dois irmãos estudaram em colégios privados. Um dos irmãos do jovem cursou Direito na Universidade Católica de Goiás (UCG). É o mesmo curso escolhido por Augusto, que ficou em terceiro lugar no vestibular para Direito na UFG. Os gastos com educação são os que mais pesam no orçamento das famílias dos calouros de Direito.

No turno matutino, 57 dos 60 aprovados fizeram todo o ensino médio em escolas particulares. É o maior índice dentre os cursos mais concorridos da UFG. Também chama a atenção a idade dos calouros da manhã: mais da metade tem 17 anos ou menos.

Algumas diferenças sensíveis são notadas entre os alunos do turno matutino e do turno noturno. Enquanto apenas 20% dos calouros da manhã pretendem se manter no curso trabalhando – o restante planeja ficar os cinco anos da graduação às custas dos pais –, esse índice chega a 80% dos alunos do período noturno. Esse fator, conciliar trabalho e estudo, foi decisivo para Augusto Henrique escolher fazer o curso à noite. “Não quero ficar parado, e pretendo procurar um estágio já no primeiro ano.”

O curso de Direito no período noturno recebeu um maior número de alunos das escolas públicas, em comparação com o matutino, mas eles ainda são muito poucos: 8,33% dos aprovados fizeram todo o ensino médio na rede pública de ensino. Também é maior à noite a quantidade de estudantes que precisaram fazer cursinho. São 26 dos 60 classificados, enquanto pela manhã foram 15 calouros.
Concorrência leva à desistência

Antes de entrar para o curso de Letras na UFG, Graziele Minaré de Lima, 21, passou por cerca de dez colégios particulares, nos ensinos fundamental e médio e na fase de preparação para o vestibular. “Eu pensava em parar de estudar, e então mudava de escola.” O plano inicial da jovem era cursar Medicina, mas ela desistiu diante da concorrência. No último vestibular, enfrentou uma concorrência de 2,21 candidatos por vaga, quase 17 vezes menor do que a registrada para o curso mais concorrido da UFG. “Eu me identifiquei com Letras, mas não desisti de fazer Medicina.”

Minoria

Graziele pertence a uma minoria. Nos cursos de Letras, predominam alunos da rede pública de ensino. É o caso de Letras no período vespertino, o curso com o menor ponto de corte dentre as graduações oferecidas em Goiânia. Dois de cada três alunos fizeram o ensino médio em escolas públicas. Boa parte desses estudantes ficou anos sem estudar. Menos da metade concluiu o ensino médio nos últimos dois anos.
No curso de Letras em período vespertino, a maioria dos calouros é de baixa renda. Mais de 84% dependem do transporte coletivo. Quase 73% têm uma renda familiar mensal de até R$ 1,5 mil. Para essas famílias, a alimentação é o que mais pesa no orçamento domiciliar, e não itens como educação, lazer e saúde.

Calouros querem trabalhar

Ao contrário do que se imaginaria, a maioria dos alunos do primeiro ano de Ciências Sociais fez os três anos do ensino médio em escolas particulares. Setenta por cento dos calouros estudavam durante o dia e apenas 38,33% conciliam trabalho e faculdade. No último vestibular, 2,98 candidatos disputaram uma vaga no curso.

Depois de ficar um ano parada, por causa de um acidente, Louysse Caroline Barbosa, de 18 anos, decidiu concluir o ensino médio por meio do supletivo, numa escola particular. Ela diz que só estudou em um colégio privado porque ganhou bolsa integral. Louysse é caloura de Ciências Sociais na UFG. “Na minha sala é bem equilibrada a quantidade de alunos da escola privada e da escola pública.”

A estudante se considera de classe média-baixa. Ao longo do curso, pretende se manter trabalhando. A primeira tentativa será um estágio, para se manter na área de Ciências Sociais. Se não conseguir, Louysse admite trabalhar fora da área. “Eu preciso de um emprego, mas o curso está no começo e as matérias são puxadas.” Mais da metade da turma do primeiro ano de Ciências Sociais tem a mesma intenção de Louysse. Esses alunos cogitam receber bolsas de trabalho da própria universidade.

'O conhecimento não basta para passar'

No primeiro vestibular que fez para uma vaga no curso de Medicina, o estudante Handel Meireles Borges Filho, de 20 anos, ficou em 170º. No ano seguinte ele melhorou a posição – 135º lugar –, ainda insuficiente para conquistar uma das 110 vagas ofertadas pela Universidade Federal de Goiás (UFG). O êxito veio no último vestibular da instituição: Handel obteve uma pontuação que lhe garantiu o primeiro lugar geral dentre os aprovados para todos os cursos da UFG. “O conhecimento não bastava para eu passar. Era preciso equilibrar os estudos com família e diversão”, afirma o jovem.

A concorrência para entrar no curso de Medicina, que tem o ponto de corte – a nota obtida pelo último classificado – mais alto do vestibular, determina a composição das turmas de calouros ano a ano. No último processo seletivo, quase 37 candidatos disputaram uma vaga. O resultado não poderia ser outro: um terço dos aprovados prestava o quinto, o sexto vestibular – ou até mais. Como Handel, 70% dos calouros de Medicina já haviam tentado ingressar na universidade mais de uma vez.

Cursinhos

Esses estudantes passam anos matriculados em cursinhos pré-vestibular, que lucram com a lógica da atual seleção de universitários. A preparação para ingressar em Medicina na UFG e em outras universidades públicas é a principal propaganda dos colégios e cursinhos. Handel dedicou dois anos ao estudo preparatório. “Há pressão dos professores e em casa.”
O jovem sempre estudou em escolas particulares. Ao longo do curso, pretende se manter com a ajuda financeira dos pais, como a grande maioria de seus colegas. Fazer Medicina na UFG sai caro para entrar e para sair. Handel calcula gastar 130 reais por mês com material didático. Poucos são os calouros deste ano que esperam bolsas de trabalho da UFG. Metade está interessada em atividades de esporte, lazer, cultura e arte.