Como educar pessoas totais?
Como educar pessoas totais?
Washington Novaes
Tem mil faces a questão. Ora dizem os estudos que o Brasil não consegue avançar no comércio exterior porque nosso nível de inovação tecnológica é muito baixo, nossos índices de analfabetismo funcional altíssimos, ora contam os jornais que parcela considerável dos alunos da zona rural em Goiás está sem escola porque não tem transporte para levá-los até as cidades (as prefeituras reclamam de falta de repasse de recursos do governo estadual). Ora se “descobre”, como agora, que a disponibilidade de computadores nas classes não melhora o desempenho escolar dos alunos, ora se vê que, pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo Ministério da Educação, nossos níveis estão assustadoramente baixos: na média brasileira, 3,8 (o máximo é 10) da 1ª à 4ª série, 3,5 da 5ª à 8ª; em Goiás, 3,9 e 3,3, respectivamente. Em praticamente todo o País, o indicador é melhor no interior do que nas capitais.
No nosso Estado, acrescenta um estudo da Fundação Getúlio Vargas (O POPULAR 4/4/7), 7,19% dos estudantes até 17 anos abandonam a escola “por falta de motivação” - uma parte vai trabalhar (1,80%), outra (4,29%) alega dificuldade de acesso à escola. E apenas 1,91% ficam mais de seis horas diárias na escola.
Vêm à mente duas lembranças. Logo que assumiu o governo, em 1987, Henrique Santillo criou a primeira escola de tempo integral em Goiânia, impressionado com os bons resultados que vinham sendo obtidos no Rio de Janeiro. Menos de um ano depois, a trilha foi abandonada – por resistência dos professores, que não queriam trabalhar em tempo integral –, embora os alunos e seus pais de poucos recursos achassem ótimo que eles tivessem refeições na escola (melhores que em casa e economizando dinheiro), lazer, estudo orientado, psicólogo à disposição. A segunda lembrança: há alguns anos, uma pesquisa da Emater mostrou que mais de 80% dos alunos de escolas rurais não queriam estudar nas cidades; sabiam que a pretensa qualificação profissional urbana não lhes asseguraria emprego; queriam um ensino tecnificado na zona rural, adaptado às necessidades nessa área. Ainda assim, gradativamente fecharam-se escolas rurais, transferiram-se os alunos para as cidades, exigindo-lhes horas diárias para deslocamento, e agora não há recursos para o transporte.
Neste 2007, lança o presidente da República o Plano de Desenvolvimento da Educação, 47 medidas com as quais se pretende avançar principalmente nos 2 mil municípios brasileiros de menor Índice de Desenvolvimento Humano. E as medidas incluem desde um novo piso salarial para professores (que eles acham insuficiente) à implantação de pólos de informática em todas as escolas públicas (que o relatório mencionado acima diz não melhorar o desempenho dos alunos) até 2010 e à duplicação das vagas em universidades federais.
Serão esses os caminhos que exigem urgência? Vale a pena recorrer a alguma experiência observada em outros lugares. Em 1996, já se relatou neste espaço um estudo de três educadores norte-americanos – Nathan Caplan, Marcella H. Choy e John K. Whitmore –, publicado na Scientific American, dizendo que a escola está sendo responsabilizada por problemas que não são dela, e por isso está perdendo a eficácia. As famílias e os políticos cobram dos professores que mantenham os alunos fora das ruas e longe das drogas, que procurem impedir a gravidez das adolescentes, que evitem a violência, ensinem o sexo seguro e desempenhem várias outras tarefas. Com tudo isso, consomem-se os já escassos recursos das escolas e comprometem-se seus objetivos funcionais. E os professores têm de substituir os pais.
Outro estudo, de três pesquisadores da Universidade de Michigan, tomou como ponto de partida 1,4 mil famílias de imigrantes do Sudeste asiático com menos de três anos no país, que tinham filhos em escolas públicas de áreas de baixa renda que se destacavam pelo bom desempenho, principalmente em matemática e ciências. 27% dessas crianças situavam-se no grupo de mais alto desempenho pelos padrões nacionais; 52% no nível seguinte; 17% num terceiro patamar; e apenas 4% no nível mais baixo. Investigando a vida familiar dessas crianças, os pesquisadores verificaram que os filhos de imigrantes consumiam em média três horas e dez minutos diários nas tarefas escolares (no nível colegial) e duas horas e meia nos outros níveis. E toda a família participava das tarefas.
No artigo aqui escrito em 14/9/96, perguntava-se: é mesmo para a ampliação dos temas das escolas e dos professores que os nossos planos devem voltar-se? Ou o problema está em outro lugar e é muito mais difícil e complicado de equacionar?
Nessa mesma época, mencionou-se aqui estudo de um grupo de professores das Universidades de Columbia e Michigan (EUA), a pedido do governo israelense, para orientar a implantação de uma escola para crianças superdotadas – de modo que elas pudessem combinar conhecimentos e técnicas capazes de resolver problemas em muitos campos. Os pesquisadores defenderam, então, que se deve caminhar em direção a uma “educação sensorial”, capaz de conjugar ciência e arte no currículo, assim como no pensamento e na emoção de quem aprende.
Partiu-se, assim, do princípio de que o ato de compreender – arte, história, música ou ciência – não é apenas uma experiência intelectual; é também uma experiência sensorial: “O ´insight´ em qualquer disciplina é acompanhado de intensos sentimentos físicos e emocionais, muitas vezes expressados em termos visuais, auditivos ou sinestésicos. Tais sentimentos não podem ser separados do próprio ato da descoberta. O intelecto não opera sem a entrega do indivíduo como um todo. E por isso a ciência só florescerá nas mentes de pessoas sensíveis e emocionais.”
Os pesquisadores debruçaram-se sobre relatos das pesquisas de Einstein, que quando queria quantificar a influência da gravidade na velocidade passava dias confinado dentro de um elevador, subindo e descendo, para sentir no próprio corpo o que queria descobrir. Ou a experiência de um notável químico que, querendo inventar uma superliga ultra-resistente, imaginava-se o tempo todo atropelado por um trem em alta velocidade ou abalroado por um asteróide – com o mesmo propósito de sentir no próprio corpo a intensidade do impacto e imaginar como resistir a ele. Ou ainda um menino que, para ficar perto da mãe pianista, enfiava-se debaixo do piano de cauda quando ela tocava e sentia na própria pele cada nota musical. Tornou-se também um grande pianista.
O estudo concluía com palavras do biólogo inglês C.H.Waddington: “Os problemas agudos do mundo só podem ser resolvidos pelos homens totais, não por pessoas que se recusam a ser mais do que tecnólogos, cientistas puros ou artistas. No mundo de hoje é preciso que uma pessoa seja tudo, se não quiser ser nada.”
Por enquanto, entretanto, parecemos condenados a tentar resolver problemas de carteiras, merendas, viaturas para transporte, por aí. Chegaremos lá?
Washington Novaes é jornalista