A lógica do crime é a mesma da educação?
A lógica do crime é a mesma da educação?
Quem almeja ser pedagogo, advogado, jornalista, filósofo ou outro profissional qualquer encontra uma espécie de respaldo social, isto é aplausos, quando atinge a realização profissional. O processo de escolha sobre quem queremos ser, que tipo de profissão desejo seguir, geralmente é iniciado e incutido no cidadão nos primeiros anos de sua vida. O processo que leva uma criança a querer ser alguém na vida é uma tarefa da educação, e isso não está reduzido ao quintal da escola, mas perfaz a trajetória que vai desde a roda de amigos, familiares, comunidade, etc. Como disse certo índio: “é preciso toda uma aldeia para educar uma criança”.
Wagno O. de Souza
Mas o que leva alguém a ser um assaltante? Como alguém consegue pegar uma arma e matar deliberadamente por dinheiro? Qual a lógica da bandidagem? Qual a lógica da corrupção? Será que a lógica do crime é a mesma da educação, isto é, encontra amparo em instâncias sociais, como roda de amigos, família, comunidade, governo?
A comparação parece absurda, mas segue um pouco o que Aristóteles disse: o Estado deve ser a causa provocadora das aspirações e o lugar onde a realização pessoal é garantida (política). Alguém pode objetar que o Estado não incute o crime nas pessoas. Então surge uma outra questão. Como alguém desejará realizar algo sem uma platéia que o aplaudisse, no caso da transgressão?
Disso pode-se dizer que há, sim, uma espécie de “reduto do crime” que leva o bandido a se sentir realizado como tal. É claro que isso somente tem a ver com a vida bandida, e não com os atos isolados de criminalidade. O próprio Aristóteles disse “só uma andorinha não produz o verão”. Um ato isolado não transforma alguém em um bandido de carteirinha.
Uma coisa é certa: a lógica do crime não é a do herói de si mesmo. É ilusão pressupor que no mundo do crime vigora única e exclusivamente a máxima do cada um por si. Está provado que nos casos de ação coletiva, os elos pessoais entre os membros são aqueles válidos em muitas organizações modernas. A traição de parceiros, ao contrário do que os filmes mostram, não é regra, mas exceção. Há códigos de fidelidade, laços afetivos, amizades de longa data, romances, e uma gama de nexos que faz um grupo de criminosos ser unido. Negar um ethos social do crime é talvez o primeiro passo para desentender a lógica que move o bandido de “carteira assinada”.
Deve ser verdadeira a máxima de que cada sociedade produz um tipo de bandido que lhe é próprio. A mesma lógica social que considera como bom funcionário aquele que está tecnicamente habilitado para produzir algo – independentemente de seus desvios como péssimo marido, desatencioso pai – pode ter algo a ver com aquela que produz um bandido que mata, segundo uma lógica interna de um projeto organizado, e ao mesmo tempo pára na faixa de pedestre, como bom motorista, para não atropelar alguém. O que vale, aqui, é a forma perfeita e inerente do fazer e não o conteúdo daquilo que se faz.
A habilidade técnica e criminosa do personagem de Nicolas Cage no filme Sessenta Minutos alimenta o imaginário de qualquer cidadão de bem, fazendo o mesmo admitir uma forma eficiente, perfeita e ágil para se conseguir algo, que deixa em segundo plano o conteúdo moral daquilo que está posto como resultado final. Quem sabe é a admiração pela habilidade técnica da bandidagem que alimenta o ego daquele que executa o feito, como aconteceu com Leonardo Pareja?
Resta saber como, e em que medida, a sociedade faz surgir aspirações desta natureza, que considera a caçada mais importante que a caça, que vive de troféus e aplausos, como normalmente os filmes incitam. Talvez isso tenha muito a ver com a lógica do espertalhão, com o tipo de sujeito que é aplaudido e considerado inteligente, logo desde criança, mas porque transgride, e não porque é sábio. Refletir sobre isso é necessário!
Wagno O. de Souza é mestre em Filosofia Política e professor universitário. – (professor@wagno.com)