Educação, estão tirando as pedras do muro
Educação, estão tirando as pedras do muro
Idelmar de Paiva
Sou remanescente da escola pública. Meus professores do ensino médio, no glorioso Colégio Pedro Gomes eram, em regra, ainda acadêmicos; ensinavam sem maiores comprometimentos com as teorias pedagógicas. Ensinavam somente – e bem. Muitos acabaram dando aulas nos cursinhos. Sob outro aspecto, era um tempo em que o mundo se mostrava menos envolvente fora da escola. Para o bem e para o mal. Na busca de um prazer diferenciado, era preciso suar a camisa num campinho de terra batida, gastar saliva nas festinhas pela companhia de uma garota, aprender a tocar violão. O colégio tinha boa equipe, uma fanfarra emocionante, razoável biblicoteca, mas exigia em troca. Tudo indica que esse tempo acabou, que esse tipo de escola está ruindo. O que aconteceu? Quem, pedra por pedra, está desmontando o muro da educação?
É de diferenciada lucidez o artigo denominado Os 10 Maiores Problemas na Educação Básica no Brasil, da professora Guiomar Nammo de Mello, pedagoga de vasto currículo, diretora da Fundação Victor Civita. Organizadamente sistematizado, sem discursos prolixos, o trabalho trata do tema com aguçado enfoque. Se por um lado o conteúdo veio ao encontro de muitas conclusões às quais venho chegando, por outro, revelou-me aspectos que sequer havia cogitado.
Com efeito, a infeliz divisão entre países ricos e pobres é a divisão entre as nações que sabem e as que não sabem. No Brasil, que outrora lembrava no estrangeiro um país alegre, musical, idílico, até utópico, a educação não faz parte da agenda estratégica dos governos e a sociedade civil não cobra nem fiscaliza. Deu no que deu – um país sem utopias, com instituições políticas sem crédito, com verdadeiros contra-exemplos por parte dos políticos, um país onde a frivolidade e a vulgaridade assolam todas as classes, onde o trabalho nem parece mais fator de dignidade. Um país caricato.
A escola pública sofre com o gigantismo da máquina pública. Os recursos, extraídos penosamente dos contribuintes, fica, em grandes proporções, na máquina, na burocracia, sem falar do ralo das “licitações” – pouco chega ao contracheque do professor, quase nada à manutenção da escola. Para compensar, permite-se que a estrutura de carreira do professor tenha como referência o tempo de serviço e a formação. Basta ficar onde está para que o professor vá ganhando promoções. Pelo princípio da isonomia, todos com o mesmo tempo de serviço e formação ganham a mesma coisa. Ninguém é gratificado por resultados.
O ensino público também fica prejudicado pelo corporativismo dos profissionais de educação, às vezes influenciados por uma esquerda conservadora, que não perde oportunidade para sentenciar o que considera politicamente incorreto. Em seu seio não faltam psicopedagogos fundamentalistas, que torcem o nariz para os “leigos”; são incapazes de cogitar mudanças de visão. O currículo enciclopédico, diluído, não se coaduna à mutante realidade dos tempos atuais, que exige um conhecimento dotado de certa utilidade, só passível de ser obtido mediante um currículo mais enxuto e uma pedagogia menos distante da realidade do aluno.
Outra deficiência de nosso sistema educacional é que os gestores públicos não se valem dos meios de comunicação, a não ser para se promoverem. A mídia embarca nessa. Como diz a professora Guiomar Nammo, ela, a mídia, acaba por confundir o episódico com o estrutural, a aparência com a essência, a causa com o efeito: uma escola assaltada vale mais do que toda a repetência daquele ano. É preciso aproveitar a mídia e aprofundar o assunto educação – colocá-lo na ordem do dia com a devida urgência.
Em políticas públicas, temos o cacoete de privilegiar as quantidades em detrimento da qualidade. Esta sim, imaterial, é que faz a diferença. Os relatórios dizem: foram construídas tantas escolas, reformadas outras tantas, transportamos tantos alunos, demos merenda a tantos outros, adquirimos tantos computadores e tantos kits para laboratórios... Que tal dizer: “nossos alunos se deram muito bem na avaliação nacional” ? O problema é que quantidade rende voto, qualidade não. Investir em algo que não rende voto, nessa democracia cênica é dar tiro no pé. Nas escolas públicas é freqüente a ocorrência do pacto da mediocridade: meus colegas votam em mim para diretor da escola e eu afrouxarei a vida deles.
Não é preciso estudar muito para concluir que a escola brasileira, sobretudo a pública, é ruim. Fazemos muito feio aí pelo mundo. Diante disso, há muito sou convencido de que a solução não é aumentar a permanência de horas do aluno na escola. Se mal conseguimos proporcionar uma educação em um único turno, vamos engaiolar o aluno em dois turnos? Escola ruim em dobro é pior. É melhor um arroz com feijão bem feito do que um estrogonofe ralo e insosso.
O dinheiro era escasso para tantas responsabilidades. Pensou-se no Fundeb para assegurar mais recursos e incluir o ensino médio. Pelo jeito vai ficar mais difícil ainda: foram incluídos novos contingentes (desde a creche). Resultado: a diluição das verbas públicas será ainda maior.
Ora dormindo no ponto, ora sonhando alto demais, a Nação testemunha o definhamento social, de crescimento geométrico. Está passando da hora de fazermos alguma coisa. É preciso reconstruir o muro.
Idelmar de Paiva é auditor fiscal, bacharel em
Direito e escritor – (idelmarpaiva@uol.com.br)