Semana de preocupação com o meio ambiente
Semana de preocupação com o meio ambiente
Carla Lacerda Celebração mesmo vai ser difícil de encontrar. No dia que marca o início da Semana Mundial do Meio Ambiente, o clima – aqui em sentido figurado – evidencia uma realidade mais preocupante do que festiva. As conseqüências da interferência humana na natureza não mais conseguem se esconder das manchetes dos jornais: aquecimento global, efeito estufa, poluição atmosférica, dos rios. Está tudo registrado, documentado, fotografado. E lamentado, pelo menos por alguns segmentos da sociedade.
Na primeira matéria da série que o HOJE publica até a próxima terça-feira, quando “comemora-se” o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), especialistas descrevem os principais problemas ecológicos do Estado. E haja diversidade nos percalços detectados. As inquietações perpassam áreas como a de recursos hídricos, coleta seletiva de lixo, expansão da monocultura, vegetação e fauna.
O coordenador do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Goiás (UCG), Antônio Pasqualetto, é enfático ao pontuar um dos gargalos a serem vencidos por órgãos públicos, privados e sociedade. “É preciso disciplinar o uso da água, bem como o lançamento de esgotos por parte das indústrias.” O cuidado, contextualiza, tem a ver também com a demanda do setor sucroalcooleiro, que em 10 anos deve instalar cerca de 150 usinas em solo goiano.
Como forma de racionalizar a utilização dos recursos hídricos e conter a degradação dos mananciais, o professor defende legislação específica para determinados setores e a criação de comitês de bacias hidrográficas. Segundo o estudioso, Goiás tem apenas um, o do Rio Meia Ponte. “A função principal desses órgãos seria definir estratégias para a recuperação das bacias”, esclarece.
Em matéria publicada no dia 22 de março, o HOJE mostrou que a poluição alcança índices preocupantes em pelo menos cinco rios do Estado: Vermelho (localizado na Cidade de Goiás), Meia Ponte (que banha 38 municípios e está com aproximadamente 40 quilômetros de sua extensão comprometida), Quente, das Almas (Pirenópolis) e Claro (Jataí). Em Goiânia, dos 86 mananciais existentes, 62 estão contaminados.
ESCASSEZ
Quanto ao problema da falta da água, o professor da UCG enumera as áreas com conflitos mais graves. Além da capital, aparecem na lista os municípios da Região Sudoeste. “A primeira, por causa da pressão antrópica (densidade populacional alta). A barragem do João Leite, por exemplo, terá sua capacidade esgotada em 2025, quando deve dobrar para pouco mais de 2 milhões o número de goianienses. Ou se cria outra barragem, que tem um custo muito alto e repercute no preço da água, ou será necessário buscar o recurso em rio mais distante”, pondera. Já o Sudoeste Goiano, explica, apresenta problemas principalmente em decorrência da expansão da agricultura.
SETOR AGRÍCOLA PROVOCA ALERTA
A construção das usinas de álcool sem uma correta sintonia com a área ambiental – tema que movimentou a Assembléia Legislativa na última quarta-feira – também integra as inquietações de outro professor da Universidade Católica de Goiás (UCG). O coordenador da oficina de Planejamento Urbano-Ambiental, Everaldo Pastore, destaca que a monocultura (não apenas a cana, outro exemplo seria a soja) traz conseqüências graves para o meio ambiente. Ele elenca algumas: desaparecimento dos rios, da cobertura da vegetação nativa, da fauna, simplificação da biodiversidade. “No Sudoeste, existe menos de 5% da mata nativa”, aponta, não sem citar outros dois graves problemas no Estado: a falta de coleta seletiva de lixo em diversos municípios – e na própria Região Metropolitana – e o lançamento de esgotos sanitários nos mananciais.
Para o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Goiás, Ary Soares, a atual situação verificada no Estado – assoreamento de córregos, cursos de água degradados, mudanças climáticas, entre outros – é fruto do não cumprimento da legislação ambiental, principalmente da Lei 4771/65. “Se, desde aquela época (década de 60), tivessem sido seguidos os preceitos de reserva legal e de áreas de preservação permanente, não teríamos esses problemas.”
A reserva legal, detalha, é uma área localizada no interior da propriedade, de no mínimo 20%, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável de recursos naturais.
APENAS 35% DO CERRADO RESISTE
Em 2004, a organização não-governamental (ONG) Conservação Internacional divulgou estudo em que sentenciou o fim do cerrado no ano de 2030. O levantamento mostrava que dos 204 milhões de hectares originais, 57% já haviam sido completamente destruídos. Metade das áreas remanescentes estava bastante alterada. O ritmo detectado da devastação era impressionante: equivalia a uma velocidade de 2,6 campos de futebol por minuto.
Apesar de não reconhecer o prognóstico – “não existem índices seguros para a previsão do desaparecimento do bioma” –, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) está a par do estrago no cerrado. O superintendente de Biodiversidade, Emiliano Lobo de Godoi, cita pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2003, que indicou como área de cobertura do bioma no Estado apenas 35%. “O problema é que a vegetação não está distribuída de maneira uniforme. Mais de 50% dos municípios goianos tem menos de 20% da mata nativa, contexto verificado principalmente no Sul e Sudoeste Goiano”.
A fragmentação, acrescenta o superintendente, ocasiona principalmente dificuldades no fluxo gênico das espécies. “Significa que a fauna e flora de uma região não se adaptam a outra. Por isso, corre-se o risco da eliminação de várias espécies”, pontua. Como solução, Emiliano sugere o estabelecimento de unidades de conservação e corredores ecológicos.
ÁREAS PRIORITÁRIAS
O levantamento da UFG citado pelo superintendente também faz parte dos estudos arquivados pela Conservação Internacional. Com um adendo: o diretor do programa Cerrado-Natural, Ricardo Machado, lembra que o Estado ainda não criou os 400 mil hectares de área protegida, que foram estabelecidos com o mapeamento.