Estudantes sem pilha

Jornal O Popular, 25/06/2007

Estudantes sem pilha

Marcos Fayad

Para aqueles que no auge da sua juventude pegaram a ditadura militar de frente e tiveram de inventar uma vida paralela nas universidades para conseguir sobreviver às truculências; para os que faziam da universidade sua segunda casa e nela exercitavam sua cidadania; para os que acreditavam que só a juventude era capaz de reunir fôlego e ímpeto pra lutar contra a morte do pensamento e o retorno à dignidade...para esses ser estudante significou muito mais do que apenas estudar e se formar. Tinham consciência de que pra exercer suas profissões deveriam também criar condições políticas e sociais e fazer do Brasil um país digno e sério. Em muitos outros países também estudantes eram a vanguarda da modernidade e do progresso.

Apanhando da polícia da ditadura nas ruas, sendo presos, limitados aos muros das universidades, os jovens é que puxavam o cordão dos que acreditavam que as coisas poderiam mudar. E mudaram de fato.

Numa universidade um homem não deve aprender apenas matérias específicas de sua futura área de atuação, deve aprender a fazer da vida algo pelo qual vale a pena lutar e do seu país um lugar decente pra se viver. Nem que pra isso tenha de sair às ruas e reinvidicar direitos e recolocar os erros nos seus devidos lugares. É o mínimo que se espera de gente jovem que, pretensamente, ganhou o privilégio de estar numa universidade por competência e muitos anos de estudos. Nada disso acontece. Estudantes, hoje, são sinônimo de alienação e burrice, acomodação e equívocos, pra não dizer outras coisas mais pesadas.

A grande maioria dos universitários não tem interesse nem em cultura, arte, política, debate de idéias, livros ou qualquer coisa que cheire à participação social. Há exceções, mas tão raras que delas nem se ouve falar. Estudante hoje é profissão, como é profissão ser jovem.

Vão à universidade para confraternizar, beber cerveja nos intervalos das aulas, arranjar marido ou namoradas, conseguir as notas necessárias para passar de ano, combinar baladas pra noite, exibir modelitos, entre outras atividades. Ignoram o que acontece no Brasil ou sabem e não se interessam por isso, como se política e políticos fossem assuntos fora das suas alçadas – e não são.

Há alguns meses estudantes se reuniram nas ruas de Goiânia para protestar contra a visita do Bush com cartazes do tipo “go home yanque” e distribuíram bananas aos passantes, num gesto alegórico indecifrável e inútil, mas não movem uma palha para capitanear a opinião pública contra todos os roubos e corrupções que se multiplicam pelo País. A lama vai tomando conta de tudo e os estudantes, antes a vanguarda dos movimentos de rua, estão embalados pelos carnavais fora de época ou alguma outra baladinha regada a cerveja e axé.

Se antes eram eles que deflagravam os processos que melhoraram a democracia brasileira, agora se lixam pra qualquer coisa que não seja diversão fácil. Em Goiás, durante a realização do Fica eles podem ser vistos em magotes, copos de cerveja na mão, caminhando pelas ruas meio de pileque e escolhendo entre os muitos outros jovens que circulam com quem vão ficar logo mais .

Não vão para assistir os filmes, cujos temas interessam a toda a humanidade – vão porque sabem que outros como eles estarão disponíveis. Nunca são vistos nas projeções de cinema, mas urram e dançam freneticamente ao som de qualquer banda tão alienada quanto eles. É inútil esperar vê-los numa sala de teatro em busca de diversão inteligente, mas entopem qualquer coisa que cheira a riso fácil e a desobrigação de pensar. Não devem mais saber pensar.

Esqueceram como se recarregam as pilhas, permanecem desligados.

Juventude deveria ser sinônimo de combate, bons combates, aqueles que levam a uma melhoria na vida de todos os que não podem mais se envolver neles. “A revolta define os homens livres” diz a psicanalista francesa Julia Kristeva. Se não há mais revolta entre os jovens estudantes do País presume-se que jamais serão livres porque jamais se indignam. Coisa fácil de constatar ao vê-los num câmpus correndo atrás de gatas e princesas, apaziguados em sua alienação e comodismo, interessados apenas no jogo do sexo fácil e variado.

Merecem não ter direito à liberdade nem interior nem política. Merecem ser os herdeiros dessa sujeira que toma conta de tudo enquanto eles lutam apenas por notas nas salas de aulas. E, o pior de tudo, é que nenhuma sociedade deve mesmo esperar que eles tomem alguma iniciativa para protestar contra os desmandos de que somos vítimas. As principais organizações estudantis como a UNE, por exemplo, estão há cinco anos controladas pelas verbas recebidas do governo federal.

Deve ser por isso: elas também são mensaleiras.

Marcos Fayad é ator e diretor de teatro - bomcombate@uol.com.br