Calor começa com surto de doenças

Jornal Hoje, 23/07/2007

Calor começa com surto de doenças

Carla Lacerda

O assunto que tem esquentado os recentes debates ambientais também não passa despercebido pela área de saúde. O aquecimento global começa a ser associado ao aparecimento ou mesmo ao aumento na incidência de determinadas doenças. A principal preocupação, apontada por estudos desenvolvidos com modelos matemáticos, recai sobre as patologias transmitidas por mosquitos, entre elas, a dengue e a malária.

Geógrafo e professor de Climatologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Roberto Prado explica que a elevação da temperatura – o último painel das Organizações das Nações Unidas (ONU) previa um acréscimo de até 5,8º C entre 1990 e 2100 – provocará um processo de “tropicalização” das zonas temperadas. Significa que essas áreas terão um clima semelhante ao dos trópicos, onde calor e umidade favorecem a proliferação dos mosquitos transmissores da dengue, malária e leishmaniose, exemplifica.

“Nos Estados Unidos, na parte mediterrânea da Europa e em outros países do Hemisfério Norte, as pessoas ficariam mais suscetíveis a essas enfermidades”, pondera Prado, ao lembrar que esta é a região do planeta mais densamente povoada. O geógrafo também cita estudo publicado na revista médica The Lancet, no qual foi registrada projeção nada animadora: até 2085, entre 50% e 60% da população mundial – o que representa o número atual de habitantes, 6 bilhões de pessoas – viverá em áreas de alto risco de transmissão da dengue. Em 1990, esse índice era de 30%, ou cerca de 1,5 bilhão de pessoas.


Outras doenças também podem experimentar um aumento com o aquecimento global. A professora de Saúde Pública do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Goiás (UCG), Sibele Martins Chaves, acrescenta na lista casos de febre amarela e câncer de pele. Docentes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) já apontaram para problemas cardíacos. Até a fertilidade humana pode ficar comprometida, em função dos poluentes do ar, conforme declarou recentemente o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Dirceu Mendes Pereira.

Apesar do panorama nada favorável, especialistas também destacam que não existem resultados definitivos sobre a influência do calor nas patologias. O diretor do departamento de Controle de Zoonoses de Goiânia, Geraldo Rosa, diz que a temperatura é apenas uma variável para a proliferação do mosquito da dengue, que normalmente se reproduz a 27ºC, 28ºC. “O fator determinante é a circulação viral”, detalha, lembrando que, neste ano, o Mato Grosso do Sul teve mais casos que o Mato Grosso (Estado tradicionalmente mais quente).

O diretor também deixa claro que nos locais onde o calor é mais intenso, como no Centro-Oeste, a elevação da temperatura não vai afetar na incidência da doença. “O problema pode aparecer é nas regiões temperadas. O Rio Grande do Sul, por exemplo, registrou recentemente seu primeiro caso autócne.”

Técnico da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Vanderlei Fernandes ressalta que o aquecimento global pode acelerar o desenvolvimento do mosquito. Porém, ele estabelece ressalvas na relação calor-doença. “O ciclo passando por todas as etapas – do ovo até a fase adulta – pode cair de 15 para 10 dias com a elevação da temperatura. Mas não se pode analisar a questão apenas dessa perspectiva, seria muito simplista. Existem outros fatores que influenciam no aumento do número de casos, como os criadouros. Além do mais, se não houver doente, a proliferação dos insetos não resulta no acréscimo das ocorrências.”