Jovens, ricos e violentos
Jovens, ricos e violentos
Caso da doméstica espancada reabre a discussão sobre o comportamento dos jovens de classe média e alta
Malu Longo
A indignação varreu o país na última semana. Os socos e pontapés recebidos pela doméstica Sirley Dias Carvalho Pinto, 32 anos, na madrugada do dia 23, na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, desferidos por cinco jovens de classe média alta, atingiram em cheio a auto-estima coletiva. A perversidade e agressividade gratuita induziram à retomada das discussões sobre a educação e as estruturas familiares brasileiras.
Sirley, que deixou o apartamento em que trabalha na madrugada para fazer um exame médico num posto de saúde pública, foi abordada pelos rapazes que a convidaram para um programa. Ao negar, foi violentamente agredida. “É um caso que deve ser utilizado para a reflexão sobre as questões que envolvem as classes sociais e até as operações judiciais”, recomenda o pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), o sociólogo e psicólogo Renato Alves. “Eles deixaram evidentes preconceitos em relação às diferenças de classe social, étnica, de gênero e até de moral. Eles são homens, brancos, de classe média alta, estavam de carro e em grupo. Ela, mulher, morena, doméstica, a pé, sozinha e tachada de prostituta. E se fosse prostituta, podia ter batido?”
“Claro que não. A sociedade precisa tomar providências no sentido de punir pessoas que agem desta forma”, responde a psicanalista Carmen Bruder (veja entrevista nesta página). O quadro de agressão protagonizado pelos rapazes cariocas revela, segundo ela, revive a velha questão da falta de limites, um erro sistemático da geração de pais que se sentiram tolhidos na juventude e hoje querem recompensar os filhos.
O episódio fez o Brasil lembrar dos cinco jovens de classe média alta de Brasília que na madrugada de 20 de abril de 1997 queimaram e mataram o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. O psicólogo Renato Alves aponta um aspecto pouco observado. Os rapazes cariocas, todos maiores de idade, cometeram uma barbaridade e foram rotulados como “crianças” pelo pai de um deles. “Dependendo de quem é o agredido e o agressor, a tipificação é diferente”, explica o pesquisador, lembrando que, no caso do garoto João Hélio, arrastado até a morte por menores de classe baixa, houve um clamor pela redução da maioridade penal.
Esse tipo de comportamento não é privilégio das megalópoles brasileiras. Em Goiânia, também há relatos de casos de jovens de classe média e alta que têm comportamento violento. J. M. C., jovem que foi vítima de agressão numa boate em Goiânia (veja quadro), é um exemplo. Depois de ter o rosto arrebentado por uma pessoa que não conhecia, ouviu piadinhas e humilhações por ter saído ensagüentada de uma casa noturna.
“Você não está segura em lugar nenhum. Antes sabíamos de brigas e agressões em bares de periferia, hoje é em todo lugar. O que fica não é só a dor física, mas a questão moral. Na época, todo mundo achou banal, tanto na delegacia quanto no hospital, e no outro dia a minha agressora voltou à boate normalmente”, lamenta.