Faltam 246 mil docentes no nível médio
Jornal O Estado de São Paulo, 03/03/2007
Faltam 246 mil docentes no nível médio
Maria Rehder, Jornal da Tarde
Déficit de professores com licenciatura em áreas específicas também afeta turmas do fundamental em todo o País
Veja o relatório na íntegra
As escolas públicas brasileiras sofrem um déficit de 246 mil professores, levadas em conta as necessidades do segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) e do ensino médio. Faltam docentes graduados em Licenciaturas de Física, Química e Matemática, principalmente. Seria preciso contratar em caráter emergencial quase 250 mil professores, mas falta mão-de-obra qualificada.
A situação é mais grave nas disciplinas de física e química. Para atender à demanda, o Ministério da Educação (MEC) deveria ter garantido a formação de 55.231 professores de física na década de 1990. Mas só foram licenciados 7.216. Em química, a demanda era a mesma, mas a formação foi melhor: 13.559 graduados no período. Hoje, apenas 9% dos professores de física que atuam nas escolas públicas brasileiras têm formação inicial nessa área.
Esses são dados do relatório “Escassez de Professores no Ensino Médio: Soluções Estruturais e Emergenciais”, a que o Jornal da Tarde teve acesso. Ele foi elaborado por Antonio Ibañez Ruiz (ex-secretário de Educação Média e Tecnológica do MEC), Mozart Neves Ramos (ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e diretor-executivo do movimento Compromisso Todos pela Educação) e Murílio Hingel (ex-ministro da Educação no governo Itamar Franco), todos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE). O estudo será lançado hoje em Belém, no Pará.
“Podemos dizer que já existe um apagão de professores no ensino médio, pois o número de licenciados por disciplinas não cobre a demanda das escolas públicas. O Brasil pode ter conseguido avanços na universalização do ensino básico nas últimas décadas, porém, em qualidade, o que inclui a oferta de profissionais capacitados, ainda deixa a desejar”, avalia Ramos.
O novo relatório do CNE traz uma compilação de dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outros.
Segundo Ramos, o MEC já foi alertado sobre o risco de “apagão” de professores de ensino médio há mais de três anos. “Fazia parte de uma comissão do MEC, cujo objetivo era discutir as possíveis propostas para solucionar esse problema, mas nada foi feito.”
É nesse contexto que o CNE decidiu elaborar o relatório para colocar o déficit de professores em pauta outra vez. “Agora, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), é possível que haja a universalização do acesso ao ensino médio, mas a oferta de professores não atenderá à crescente demanda por vagas.”
SOLUÇÕES EMERGENCIAIS
As soluções emergenciais apontadas pelo CNE passam pela criação imediata de um piso nacional para o professor de ensino médio e pelo aproveitamento emergencial dos estudantes de licenciatura para atuarem nas disciplinas que têm déficit de docentes, por exemplo.
Entre outras recomendações, estão o retardamento das aposentadorias dos professores de ensino médio por meio de incentivos fiscais ou financeiros e o incentivo para professores aposentados voltarem a dar aulas nas disciplinas mais deficitárias. Existe ainda uma proposta de criação de bolsas de estudos para alunos egressos de escolas públicas cursarem licenciatura na rede privada, nos moldes do ProUni.
A CNTE também reconhece o problema da falta de professores. “Esse déficit é realidade em todos os Estados brasileiros, mas acredito que a volta dos aposentados para sala de aula não seja uma boa solução. O ideal é incentivar os jovens a concluírem a licenciatura e a darem aulas nas escolas públicas”, acredita Heleno Manoel Gomes de Araújo Filho, secretário de Assuntos Educacionais da confederação.
Para isso, Araújo Filho aponta a necessidade urgente de um piso salarial atraente, boas condições de trabalho e uma reestruturação nas universidades. “Estas também têm de trabalhar para reduzir os índices de evasão nas licenciaturas.”
Em 1997, dados do MEC e do Fórum de Pró-Reitores de Graduação indicavam, em cursos de Licenciatura em Física, uma evasão correspondente a 65%. Em Química, de 75%. Segundo especialistas, esse porcentual se mantém estável há algum tempo.
Ramos destaca a importância das universidades nesse processo de reversão do déficit de professores. O MEC, segundo ele, pode apontar o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), que oferece ensino superior a distância, como um caminho para solucionar o problema. “Mas só isso não vai resolver, pois há localidades em que o programa ainda não tem funcionado plenamente.”
O MEC informou que só repercutirá as informações contidas no relatório após a apresentação oficial pelo Conselho Nacional de Educação.
Violência afasta da sala de aula
Profissionais dizem que problema não é só salário baixo
O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, Carlos Ramiro de Castro, reconhece que a falta de professores no ensino médio já afeta as escolas estaduais. “É comum ver professores de outras áreas tendo de assumir as turmas afetadas por esse déficit de professores especialistas, principalmente das áreas de física, química e biologia.”
Esse problema afetou diretamente a jovem Ana Cléia Almeida, ex-aluna de uma escola estadual da zona norte de São Paulo. “Durante os três anos do ensino médio, não tive aulas de física, pois tinha um professor nomeado, mas que nunca dava aula. Quando tínhamos um substituto, a aula nunca era de física.”
Atualmente, Ana, que não conseguiu passar em nenhum vestibular, teve de abandonar o cursinho preparatório para trabalhar em uma empresa de telemarketing. “Pretendo voltar para o cursinho, pois com o que aprendi na escola não consegui passar no vestibular.”
AMEAÇA DE MORTE
A falta de professores de física no ensino médio também foi confirmado por um professor de uma escola estadual da periferia da capital, que pediu para não ser identificado. “Não só o salário desmotiva o licenciado em Física a atuar nas escolas públicas, mas também as condições de trabalho. Dou aulas de física para uma turma de ensino médio no período noturno e recentemente fui ameaçado de morte por um dos alunos. Além da violência que temos de enfrentar, há uma pressão do Estado pela aprovação dos alunos, que faz com que cheguem ao ensino médio sem base nenhuma. Tenho alunos que não sabem fazer operações matemáticas como soma e divisão.”
Essas condições levaram Luciana Silva a trancar a sua licenciatura na disciplina na Universidade de São Paulo (USP). “Prestei um concurso público e hoje mudei de área, trabalho em um banco, pois eu sei que não daria para tirar o ganha-pão com o trabalho nas escolas públicas, ou apenas com aulas na rede privada.”
Até as 20 horas de ontem, a reportagem não havia recebido um retorno das ligações feitas para a secretária de Educação do Estado, Maria Lúcia Vasconcelos.