Riscos da farmácia doméstica

Jornal Diário da Manhã, 09/07/2007

Riscos da farmácia doméstica

Adalto Alves
Da editoria de Cidades

Adalberto Ruchelle

Secretria Cntia Milhomens Siqueira, 33, e a filha Mariah, 8: estojo de pronto-socorro composto de, em mdia, nove tipos de remdios

Secretária Cíntia Milhomens Siqueira, 33, e a filha Mariah, 8: estojo de pronto-socorro composto de, em média, nove tipos de remédios

No livro O Mundo Acabou!, o jornalista Alberto Villas refere-se ao estojo de pronto-socorro como um objeto que desapareceu do cotidiano dos brasileiros nas últimas décadas. “Era uma pequena farmácia sempre ao seu alcance”, escreve. E especifica: “Lá dentro, cinco ataduras, cinco curativos plásticos band-aid, um rolo de esparadrapo, um pacote de algodão, um vidro de anti-séptico, um tubo de pomada anti-séptica, doze compressas e um guia de primeiros-socorros”.

A secretária Cíntia Milhomens Siqueira, 33, mantém a tradição do estojo de pronto-socorro, mas os remédios que guarda são diferentes dos citados por Alberto. Dipirona, tylenol, vitamina C, antialérgico, pomada dermatológica, xarope homeopático, soro fisiológico e antibióticos não faltam. Ela e a filha Mariah, 8, sofrem alergias. “Eu tenho rinite e Mariah, dermatite atópica”. A dermatite provoca feridas nas dobras dos braços e das pernas, assim como pequenas manchas pelo corpo. Rinite é inflamação da mucosa nasal. Variações de temperatura, entre outros fatores, ocasionam o acesso aos medicamentos.

Cíntia afirma que as duas tomam remédios com prescrição médica e que deixa o estojo fora do alcance de Mariah. Embora pratique a automedicação responsável, que não dispensa a orientação profissional, seu exemplo não está imune a restrições.

“Não existe medicamento inofensivo”, diz a farmacêutica Aline Teixeira de Aquino, 28, que trabalha há dois anos na Farmácia Escola da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Sempre há contra-indicações ou efeitos colaterais embutidos. Inclusive nos fitoterápicos.”

Remédios são classificados através de tarjas nas embalagens. Tarja vermelha indica a necessidade de receita médica. Tarja preta sinaliza o controle sobre medicamentos que causam dependência. Genéricos são identificados pela tarja amarela. Remédios livres, sem tarja, podem ser comprados em qualquer farmácia, por qualquer adulto.

A diferença entre o farmacêutico e o balconista surge no atendimento ao cliente. A rigor, o farmacêutico não vende simplesmente o produto. “Ele transmite informações ao consumidor: modos de usar, horários, cuidados a serem seguidos. Verifica se há interação com outros remédios e propõe alternativas”, diz Aline. Paracetamol não é indicado para quem já teve hepatite, por exemplo.

Aline sugere que as receitas devem ser retidas na compra. Isto obriga o paciente a voltar ao médico e refazer a avaliação do seu quadro clínico. O argumento é que remédios só podem ser ingeridos com absoluta necessidade, durante o tratamento proposto, e descartados logo em seguida. “O ideal é não ter medicamento em casa”.

Exceções à regra são admitidas no tratamento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, e no caso de anti-sépticos (mercúrio, água oxigenada, mertiolate), aplicados sobre ferimentos. “Algumas pomadas de uso externo são absorvidas e provocam alterações internas”, avisa. Esforços para desestimular a automedicação abrangem até a publicidade. A Faculdade de Farmácia da UFG participa de um projeto nacional de análise de propaganda medicamentosa em vários formatos. A pesquisa, em andamento há quatro anos, compreende 21 universidades federais e particulares e ampara-se nas leis que definem as normas para a divulgação de remédios.

Os resultados são mandados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pelas providências cabíveis. Atenção ao prazo de validade é fundamental. Medicamento deteriorado perde atividade terapêutica. As farmácias têm que encaminhar os produtos vencidos para incineração, de acordo com o Plano de Gerenciamento de Resíduos no Serviço de Saúde (PGRSS), uma exigência da Anvisa.

O texto das bulas, numa resolução da Anvisa, agora são escritos numa linguagem para os leigos e numa linguagem técnica para os profissionais. O objetivo é deixar cada vez mais claro que remédios manipulados fora das estipulações viram veneno.