Apagão educacional
Jornal O Estado de São Paulo, 08/07/2007
Apagão educacional
Além do apagão aéreo, o País vem sofrendo outro apagão num setor estratégico para o desenvolvimento. Ele atinge a rede pública do segundo ciclo do ensino fundamental e as três séries do ensino médio, onde há um déficit de 246 mil professores com licenciatura em física, química, biologia e matemática. Mesmo que o governo liberasse verbas extraordinárias para contratar docentes para essas disciplinas em caráter emergencial, não conseguiria resolver o problema, dada a falta de mão-de-obra qualificada no mercado.
A escassez maior é nas disciplinas de química e física. Para atender à demanda das escolas públicas, o Ministério da Educação (MEC) deveria ter garantido a formação de pelo menos 55,2 mil professores de química, na década de 90. No entanto, foram licenciados só 13,5 mil. Em física, a situação é pior. A demanda é a mesma, mas o número de licenciados ficou em apenas 7,2 mil, o equivalente a 13% do necessário. Atualmente, só 9% dos professores de física que atuam na rede pública têm formação nessa disciplina. Ou seja, 91% dos docentes têm formação em outra área do conhecimento.
Esses números constam de um relatório que o Conselho Nacional de Educação (CNE) acaba de divulgar. Elaborado por um ex-ministro da Educação, Murílio Hingel, e por dois ex-reitores de universidades federais, Antonio Ibañez Ruiz (UnB) e Mozart Neves Ramos (UFP), o levantamento foi feito com base em dados compilados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e suas conclusões são preocupantes. O mais grave é que o CNE já havia alertado o MEC para esse problema há três anos. E, como infelizmente se tornou habitual no governo do presidente Lula, pouco foi feito para enfrentar o problema.
“Podemos dizer que já existe um apagão de professores no ensino médio”, diz Ramos. Segundo ele, esse nível de ensino passa atualmente pelos mesmos percalços da rede pública de ensino básico, que conseguiu atender à demanda de matrículas, no final dos anos 90, mas até hoje não foi capaz de oferecer aos alunos uma educação com um mínimo de qualidade. No caso específico do ensino médio, o número de alunos vem aumentando e tão cedo não haverá professores qualificados em número suficiente para atender à demanda, pois os índices de evasão nos cursos de licenciatura, desde 1997, se mantêm em 65%, em física, e em 75%, em química.
Por isso, diz o relatório do CNE, o governo não tem outra saída a não ser adotar medidas emergenciais para os próximos anos. Entre outras recomendações, o órgão sugere a criação imediata de um piso salarial nacional para os docentes do ensino médio e o aproveitamento dos atuais estudantes de licenciatura. Também propõe a adoção de bônus para os professores que retardarem a aposentadoria, a concessão de incentivos financeiros para os aposentados que quiserem voltar a lecionar nas disciplinas com maior déficit de professores, a expansão do Programa Universidade Aberta, que oferece ensino superior a distância, e a criação de bolsa de estudo nos moldes do ProUni, para que os alunos egressos da rede pública de ensino fundamental possam cursar o ensino médio em colégios particulares.
O déficit de 246 mil professores nas escolas públicas de todo o País decorre, basicamente, de falhas de planejamento por parte do MEC e da falta de prioridades em matéria de política educacional. Enquanto o presidente Fernando Henrique manteve o mesmo ministro durante seus dois mandatos e deu prioridade à universalização do ensino básico e à implantação de mecanismos de avaliação, o presidente Lula teve três ministros desde 2003. E cada um deles, além de mudar o que vinha sendo feito com sucesso, definiu prioridades que foram abandonadas assim que deixaram o cargo.
O primeiro ministro, Cristovam Buarque, priorizou programas de alfabetização. O segundo, Tarso Genro, perdeu tempo com um demagógico projeto de reforma universitária. Só agora, na gestão de Fernando Haddad, é que o MEC começou a trilhar o rumo certo, valorizando o ensino fundamental e o médio, por meio da implantação do Fundeb. Era inevitável, portanto, que as idas e vindas do governo acabassem gerando o que o CNE está chamando de “apagão educacional”.