Cota aprova com nota 20% menor

Jornal O Popular, 11/07/2007

Cota aprova com nota 20% menor

No vestibular de meio de ano da UEG, primeiro reprovado pelo sistema universal fez 17 pontos a mais que o último classificado pelas cotas

Patrícia Drummond e Malu Longo

Estudantes aprovados no vestibular 2007/2 da Universidade Estadual de Goiás (UEG) dentro do sistema de cotas precisaram fazer bem menos pontos do que os candidatos aprovados pelo sistema universal. O primeiro reprovado do sistema universal fez 17 pontos a mais do que o último da lista de aprovados por cotas. É o que revelam as estatísticas divulgadas ontem pela instituição, entre outros dados significativos.

De acordo com os números do Núcleo de Seleção da UEG, a menor nota entre os vestibulandos cotistas classificados – no caso, dentro do porcentual de vagas reservadas para estudantes negros – foi 72 pontos. Entre os aprovados no vestibular pelo sistema universal a nota mais baixa foi 89. A diferença é de quase 20%.

A análise dos dados da UEG reacende uma velha polêmica: o sistema de cotas, afinal, é ou não é justo? João Gabriel Granja, de 17 anos, cursa Química Industrial desde o início de 2007 na instituição e, apesar de considerar injusta a reserva de vagas para negros, aproveitou o benefício. “Acho interessante no caso de estudantes de escolas públicas porque o ensino é deficiente, mas a cor da pele não justifica”, declara. João Gabriel decidiu entrar na Universidade como negro. Isto porque, segundo ele, era grande a pressão de sua família para que passasse no primeiro vestibular.

O estudante, oriundo da rede privada, garante que tinha condições de ser aprovado sem o sistema de cotas, mas, diante da pressão da família, decidiu buscar uma certidão para provar a sua condição de negro. “Nem me considero tão negro assim, meus pais são brancos, mas no cartório eu disse que era negro e não fizeram exame nenhum”, conta sem constrangimento. Na faculdade de Química Industrial quase ninguém sabe que João Gabriel entrou pelo sistema de cotas. “Até hoje ninguém perguntou, eu também nunca falei”, argumenta.

Embora viva uma situação diferente, Tiago da Silva Pinto, também de 17 anos, prefere não comentar entre os colegas do curso de Sistema de Informação que passou no vestibular dentro do sistema de cotas destinadas a estudantes de escola pública. Quando se inscreveu para o concurso, no início deste ano, ele se achava preparado para fechar a pontuação necessária para ser aprovado na UEG. No entanto, como vinha da rede pública de ensino, preferiu não arriscar e optou pelo benefício. Das 40 vagas, foi aprovado em 28º lugar – ou seja, teria garantido o seu lugar na faculdade mesmo sem a política de cotas.

Medo
“Me senti inseguro”, alega Tiago, emendando que o que mais pesou na sua decisão foi o fato de não ter recurso suficiente para inscrições em novos vestibulares. Segundo ele, o pai, que é operário no Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia), não ganha suficiente para mantê-lo em instituições particulares. Mesmo com boas argumentações e justificativas, o estudante revelou a poucos colegas que entrou no curso por meio da reserva de vagas. “Prefiro não comentar, tenho medo de discriminação”, diz Tiago, certo, atualmente, de que todos os colegas estão no mesmo nível que ele em termos de conhecimento e de aprendizado.

Diretora do Núcleo de Seleção da UEG, a professora Maria Salette da Trindade Rebelo afirma que, como Tiago, são muitos os candidatos aos vestibulares da instituição que, mesmo fazendo opção pelo Sistema de Cotas, alcançam pontos mais que suficientes para serem classificados pelo Sistema Universal. No processo seletivo realizado neste meio de ano, isso pode ser observado: 38 vestibulandos cotistas foram aprovados pelo Sistema Universal, sendo que a maior nota – entre os cotistas negros – foi 195 pontos (apenas quatro abaixo do candidato melhor classificado) e, a menor nota – obtida por candidato da rede pública –, foi 92, maior do que a pontuação do último candidato classificado pelo sistema universal.

“Todos os dados relativos ao sistema de cotas precisam ser melhor avaliados antes de se afirmar que esta é uma política injusta ou não”, destaca Maria Salette. Ela frisa que a UEG está cumprindo agora, na íntegra, o que diz a lei sobre a reserva de vagas, visto que a Universidade alcançou, com este vestibular, o porcentual estabelecido de 45% de classificados pelo sistema de cotas em três anos. E acrescenta: “A própria legislação prevê, agora, um processo de avaliação, e este, com certeza, será o nosso próximo passo, por meio da Pró-Reitoria de Extensão, responsável pelo acompanhamento destes alunos”.

"As cotas devem abranger todos os segmentos sociais de
algum modo afetados pela exclusão social. Nesse sentido,
sou favorável à reserva de vagas para estudantes da escola pública.
Não há como negar que os índices e números demonstram
que os negros são os mais afetados, mas são apenas estatísticas;
isso não significa que interpretamos o mundo a partir delas.”

Noé Freire Sandes, doutor e professor do Departamento
de História da Universidade Católica de Goiás (UCG)

"Entendo que o sistema de cotas não é apenas um processo de compensação de curto prazo, mas uma proposta que faz parte de um conjunto de políticas afirmativas e, numa perspectiva histórica, é uma maneira de minorar os problemas que atingem a população negra e afrodescendente. Reconheço que não é o ideal, mas, em um processo histórico-político, essa ação terá efeitos positivos nas próximas gerações.”
Uene José Gomes, educador e teólogo, autor do livro África:
Afrodescendência e Educação e professor do Departamento
de Filosofia e Teologia da Universidade Católica de Goiás (UCG)