Novas regras para estágio
Jornal Tribuna do Planalto, 14/07/2007
Novas regras para estágio
Lucimeire Santos
Entre os cerca de 40 estudantes do ensino superior que diariamente procuram a unidade central do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), em Goiânia, a aluna do curso de Ciência da Computação da Universidade Católica de Goiás (UCG) Thawnee de Oliveira Barroso, 21 anos, comemora sua primeira conquista. Depois de passar por uma série de palestras coordenada pela equipe de profissionais do instituto, atividade pré-requisito para concorrer a uma vaga de estágio, a estudante recebe das mãos de uma das atendentes a carta-indicação para levar à empresa onde pleiteia vaga de estagiária. Se aprovada, será a primeira atividade extracurricular de Thawnee, que cursa o sexto período do curso.
Após trabalhar mais de um ano em serviços de call center, a estudante sentiu que havia chegado a hora de experimentar um pouco da atividade que provavelmente desempenhará no futuro, quando terminar a faculdade. "No meu curso, o estágio não é obrigatório, mas quero ter contato desde já com a área, porque quero ir pro mercado e não ser professora", conta.
Movidos pelo mesmo objetivo ou com a perspectiva de ter um auxílio financeiro enquanto completam os estudos, quase 50 mil estudantes se cadastraram em um dos dois principais agentes de integração escola-empresa de Goiás em 2006. Só o IEL realizou 21 mil cadastros, com a formalização de 11 mil contratos de estágio. Já o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) tem no seu banco de dados 27 mil estudantes - sete mil deles estagiando por intermédio de uma das unidades de Goiânia, Anápolis e Itumbiara.
O estágio é visto como a chance de o aluno pôr em prática o que aprende em sala de aula. Constitui, também, um importante instrumento para o educando se certificar de que a profissão escolhida é realmente a que deseja seguir. Sua função primordial é contribuir para a ampliação do aprendizado. Ou seja, não se trata de um emprego, embora em muitos casos seja transformado em mera exploração de mão-de-obra barata.
Projeto
Na tentativa de evitar abusos e resguardar mais de um milhão de estagiários existentes no Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou, no final de junho, o Projeto de Lei 993/07, de autoria do Executivo, que altera a Lei de Estágios de 1977. Com algumas alterações na proposta original, o texto foi aprovado por meio de um substitutivo dos deputados Átila Lira (PSB-PI) e Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), aguardando agora a apreciação no Senado. A redação final do projeto propõe a revogação da legislação em vigor e estabelece a aplicação de punições para as empresas que descumprirem as normas. Em caso de infração, estão previstas multas que variam de R$ 240 a R$ 2,4 mil (corrigidas com base na inflação), por cada trabalhador em situação irregular.
Além da multa, outros artigos são polêmicos, como o que limita a jornada de estágio em seis horas por dia (30 horas semanais), e que estabelece o recesso de 30 dias remunerados ao ano. No parágrafo 1o do artigo 7o fica estabelecida a ressalva de que "cursos que contemplem períodos alternados de teoria e prática poderão ter jornada de até oito horas diárias e 40 horas semanais, desde que previsto no projeto pedagógico do curso".
A carga horária deverá ser reduzida pela metade no período de provas. Já o recesso remunerado é assegurado aos estágios com tempo de duração igual ou superior a um ano. O projeto prevê, ainda, que ele seja proporcional ao tempo de estágio, no caso de contratos inferiores a um ano, devendo ser concedido preferencialmente durante as férias escolares.
Outra alteração diz respeito ao número de estagiários no quadro das empresas. Inicialmente, o projeto enviado à Câmara estabelecia que o porcentual não poderia ser superior a 10% do quadro total de pessoal. Na Casa, este item foi detalhado. A redação final propõe que o número máximo de estagiários deve obedecer a uma proporção. De um a cinco a cinco empregados, a empresa concedente poderá ter apenas um estagiário; de seis a dez empregados, dois; acima de dez empregados ela poderá ter até 20% estagiários.
Mudanças
As alterações, segundo o delegado regional do Trabalho de Goiás (DRT/GO), Inocêncio Gonçalves Borges, são avanços importantes, na medida em que enfatiza o estágio como "ato educativo supervisionado, com foco no aprendizado, deixando claras as punições para aqueles que infringirem as normas". Segundo ele, hoje, a DRT recebe inúmeras reclamações de estudantes que se sentiram prejudicados no desempenho da atividade, mas, na maioria das vezes, não há como comprovar as falhas, justamente por causa da ausência de normas mais claras. "As DRT's fazem a fiscalização, e, caso a projeto seja aprovado, terão mais um instrumento para auxiliá-las", acredita.
A mesma percepção tem a estudante Gisely Cristina Coité, 24 anos, que está terminando um estágio de quase dois anos na 9a Vara da Justiça Federal em Goiás. Embora afirme que não teve problemas no decorrer deste período, "por se tratar de um órgão público, com critérios próprios e rigorosos", ela acredita que a regulamentação evitará desrespeito e constrangimento pelos quais passam alguns estudantes. "Eu não precisei sacrificar meus estudos por causa do estágio, como acontece com muita gente", diz ela, que, mesmo prestes a se formar, ainda pretende concorrer a novos estágios na área da advocacia. "É importante porque quero advogar. E no meu estágio, convivi mais com a prática de um juiz", explica.
Para quem ainda não chegou à universidade, o estágio regulamentado pode ser uma forma de desenvolvimento pessoal e até auxiliar na escolha da profissão. É o que pensa a estudante do 3o ano do ensino médio Carla Rainielly Gomes Andrade, que, durante seis horas por dia, estagia como recepcionista na Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás (Acieg). Ao 17 anos, ela ainda tem dúvidas sobre que curso escolherá no vestibular - Direito ou Fisioterapia -, mas certamente a experiência pré-universitária lhe auxiliará na escolha. "Você aprende a lidar com vários tipos de pessoas. E isso ajuda muito o jovem", diz.
O outro lado: possível redução de vagas
Há, por outro lado, o temor de que a mudança na lei produza um efeito contrário, diminuindo as vagas de estágio no Brasil. Uma estimativa divulgada pela Associação Brasileira de Estágios (Abres) prevê uma diminuição de até 400 mil vagas (ou 40% do total). Os estudantes poderiam ser dispensados por causa do receio de empresários em relação aos pontos mais polêmicos, como limitação de carga horária e número de alunos por empresa.
Para o coordenador da Interação Empresa-Escola do IEL, Marcelo de Souza Melo, não é possível afirmar com certeza se haverá redução de vagas. Mas ele sugere que a proposta seja mais debatida. "É importante a regulamentação em vários aspectos, mas acho que cabe discutir os itens polêmicos com a sociedade, sobretudo no que diz respeito à punição. A multa é muito alta e onerosa e isso assusta as empresas", argumenta. Melo diz, no entanto, que o empresariado goiano está preparado para se ajustar à legislação. Sustenta que, independentemente das normas, a parceria entre mercado e escolas no Estado funciona bem. "O empresário tem entendido que estágio não significa exploração de mão-de-obra, mas um investimento, já que os estudantes que passaram por estágio serão profissionais preparados para atuar nas próprias empresas", diz.
De acordo com o levantamento do IEL, 60% dos estudantes que participaram de estágio intermediado pelo instituto conseguiram se inserir no mercado de trabalho, quando terminaram o curso - 43% na própria empresa em que estagiaram. Os números do CIEE são semelhantes. Segundo o gerente regional da instituição em Goiás, Claudio Rodrigo de Oliveira, o índice chega a 70%. Ele, porém, diz que o empresário goiano ainda é conservador e pode enxergar a regulamentação como obstáculo.
"Agora, o papel do agente de integração passa a ser maior ainda no sentido de orientar tanto os estudantes como os empresários. Da mesma forma que as universidades terão de exercer um papel diferenciado. Vão ter de participar e acompanhar melhor a atividade de estágio do aluno", sustenta Oliveira, que diz esperar que os pontos polêmicos, como cota e prazo para adequação à legislação (de 180 dias) sejam revistos no Senado.