Velhice sem descanso e sem oportunidades

Jornal Hoje, 08/08/2007

Velhice sem descanso e sem oportunidades

Lídia Borges

As marcas de expressão no rosto do idoso João Diolino de Oliveira, 73, há muito deixaram de ser apenas uma conseqüência do envelhecimento. Elas acumulam a preocupação e a angústia de quem precisa se levantar todos os dias às 5 horas para começar o dia de trabalho duro. A profissão que pratica com prazer há mais de quatro décadas, agora, castiga o pedreiro por causa de sua saúde fragilizada. Só nos últimos seis meses, fez três cirurgias: no nariz, para retirada de um câncer de pele; nos olhos, para corrigir a catarata; e na gengiva, por causa de uma deformidade surgida após a retirada dos dentes.

A lista de enfermidades é bem maior. São problemas de intestino, nas articulações e de reumatismo que causam dores incessantes. Mesmo assim, a rotina de trabalho é de dez horas diárias. Afinal, as contas gerais do mês (água, energia, telefone, alimentação) e os custos com remédios – que chegam a 200 reais – não poderiam ser pagos com os 380 reais que recebe de benefício da aposentadoria.

“Se eu pudesse, já teria parado de trabalhar. Isso deveria ter acontecido de uns dez anos para cá, por causa da minha saúde.” A história de João Diolino é um retrato da situação social no País. Mesmo na terceira idade, é comum que o idoso ainda exerça trabalhos pesados para complementar a renda ou simplesmente sobreviver. No Brasil, existem cerca de 17 milhões de idosos. De cada 100, 75 vivem abaixo da linha de pobreza, 20 em condições de subsistência e apenas 5 em condições adequadas financeiramente.

“Num país onde o jovem não tem vaga de trabalho, como o idoso vai competir?”, afirma a gerontóloga Marli Fernandes de Assis, assessora-técnica da Associação dos Idosos do Brasil (AIB). Silvio Camargo, 73, conhece bem essa realidade. Antes de aposentar, 12 anos atrás, era cobrador de ônibus. Depois, passou a vender picolés pelas ruas. “Na minha idade, ninguém arruma serviço”, afirma. Todo dia, ele sai de casa, no Parque Amazônia, e percorre cerca de cinco quilômetros pelos bairros vizinhos. Faz o exercício com prazer, mesmo não dependendo da atividade para sobreviver. “Não agüento ficar quieto”, justifica. Por lei, conforme o Estatuto do Idoso, a população acima dos 60 anos tem garantia de formação e reciclagem profissional para participar do mercado de trabalho.

DIREITO DE ESCOLHA

Entretanto, a especialista esclarece que o idoso quer ter condições para escolher a atividade. A opinião foi verificada numa pesquisa realizada no ano passado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) com associados da AIB. Como o público avaliado da associação era de pessoas com menos recursos financeiros, praticamente todos disseram que precisam trabalhar para complementar a renda mensal. Entretanto, não querem fazê-lo de maneira formal e, sim, prazerosa, com horários maleáveis e desobrigados. Por esta razão é que a aposentada Maria Alves Alencar, 73, prefere sua atividade a outras.


Ela é catadora de papel e, junto com a irmã Maria do Socorro Alves, 61, consegue o suficiente para manter a família, por meio da venda de materiais recicláveis e de ajuda que ganham de outras pessoas. “Tem sempre os filhos de Deus que dão alguma coisa: uma cesta básica, um pacote de arroz...”, conta a irmã mais velha. Elas não escondem os problemas decorrentes do exercício do dia-a-dia. “As pernas doem demais de andar. Tenho problema de coluna e tem hora em que tenho vontade de deitar no chão de tanta dor”, explica Maria do Socorro. Embora demonstrem satisfação ao serem questionadas sobre o ofício, o exemplo das irmãs catadoras de papel não foge à regra. Elas são vítimas da falta de opção e oportunidade para o idoso pobre e sem qualificação.


ATIVIDADES REPRESENTAM RISCOS À SAÚDE


A situação de idosos que têm que se submeter a trabalhos árduos e inadequados para a idade não só é um problema social, como também pode se tornar um situação agravante para a saúde da população acima dos 60 anos. A partir desta idade, o corpo está mais limitado. A diminuição da massa óssea facilita a ocorrência de fraturas, assim como o enrijecimento das cartilagens. Isto se torna um risco para aqueles que trabalham com excesso de carga ou peso (pedreiros, chapas, catadores de papel). Com a redução da gordura subcutânea, a pele fica mais fina, um prato-cheio para queimaduras por exposição excessiva ao sol, o que também aumenta o risco de câncer de pele.

Há ainda uma perda maior do equilíbrio, mais tendência a tonturas e, por isso, maior facilidade para quedas. Portanto, o idoso que precisa percorrer longas distâncias fica mais ameaçado, principalmente, pelas condições do calçamento público. A geriatra Elisa Franco Costa, coordenadora da residência médica em Geriatria nos hospitais de Urgência (Hugo) e Geral de Goiânia (HGG) e no abrigo Sagrada Família, acrescenta outro fator que aumenta os riscos para este tipo de idoso trabalhador. Como metade das pessoas acima dos 60 anos tem hipertensão, ela está mais exposta a alterações cardiológicas, como anginas e infartos, diante de atividades que demandam esforço excessivo.


Para a especialista, que também é membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, mais do que proporcionar qualificação para o idoso, o mercado de trabalho deveria sofrer uma adaptação para receber essa população ativa.

Um exemplo: em vez de sair às ruas para catar papel, poderia ser aproveitada para a separação de material em centros de reciclagem, de forma que não seja exposta a maiores intempéries. “Nossos serviços de assistência social aos idosos deveriam buscar mecanismos para adaptar atividades e reinseri-los no mercado de trabalho”, afirma.