Todos tivemos um pai
Jornal O Popular, 11/08/2007
Todos tivemos um pai
Para o pequeno dinossauro que encantou as crianças, na década de 90, na série de TV Família Dinossauro, um pai é aquele que “não é a mamãe”. O bebê dinossauro chorava desesperadamente quando o pai aproximava-se, repetindo-lhe que ele não era, não era, a mamãe.
Lisa França
Está aí no lúdico, na brincadeira, na forma poética, uma boa definição do que seria um pai: aquele que “não é a mamãe”. O outro marcado por ser diferente da mamãe. Uma outra coisa.
E por que precisaríamos de algo mais, de diferente da mamãe?
Não nos iludamos. Mães e filhos sabemos que esta relação deliciosa, maravilhosa, pode ser também tirânica, completamente antidemocrática, sufocante, sem saída, se não houver um terceiro para mediar-lhe, para apontar para alguma coisa além deste calvário de delícias, que é a fusão mãe e filho.
É esta interdição que vai dar a oportunidade ao filho de alguma solidão. A falta necessária para sobreviver a alguma coisa que não seja a mamãe. Só quando falta o conforto macio do seio materno será possível descobrir alguma coisa para desejar, sonhar, idealizar. É porque existiu um outro que não era a mamãe, um outro que não nos compreendia como a mamãe, que fomos obrigados a aprender a falar. Tivemos de apropriar-nos deste não para fazer desta palavra a nossa fala.
O pai é este não para todos nós, não só para o pequeno dinossauro. Ele está ali ocupando um lugar fundamental na diferença. Ele é a própria diferença, o que marca definitivamente a diferença, o que indica que nem tudo é a “mamãe”. Existe um mundo para além de mim e minha mãe. É o pai quem nos aponta para o além da mãe. É isto que faz um pai, apontar para um horizonte.
Todos tivemos um pai. Quem não teve, corre o risco de errar para sempre sem saber onde fica o Norte. O pai é este mastro que não nos deixa vagar à mercê da leviandade dos ventos. Em nosso imaginário, relacionamos o pai como aquele que mostra o caminho, o que aponta para uma direção. É por isso que toda vez que nos encontramos perdidos queremos de novo um pai, seja na vida profissional, na política ou na religião.
Esquecemo-nos de que o pai não tem de estar sempre presente. É de outra forma que ele nos acompanhará para sempre. Um pai não está ao lado do filho o tempo todo. Pelo contrário, o pai abandona o filho, torce para que o filho prescinda dele, quer a ordem natural de deixar o filho um dia. Cabe ao pai apenas apontar o caminho, mesmo porque, a jornada é sempre solitária.
A presença do pai na vida do filho é de outra ordem. Pai é o nome que o filho carrega, uma palavra, uma metáfora, como um mastro firme em águas revoltas, uma estrela guia que ilumina o caminho. E por falar em metáfora, então nada melhor para homenagearmos os pais que a poesia.
A tarefa fica com os versos de Denise Godoy:
Pai é porto;
É suporte, é ponte,
É pulso, impulso, pulsão.
Professor de pontuação,
Predicado, preposição.
Parágrafo, pronome pessoal,
Paráfrase, ponto final.
Pai é presente,
Promessa, premissa,
É passo, compasso, passagem,
Pincel, painel, paisagem.
Pai é poema, é poesia,
Prelúdio, polifonia.
Lisa França é professora da UFG e membro da Fazenda Freudiana de Goiânia