Fase serve para elaborar a perda interna
Jornal Diário da Manhã, 16/08/2007
Fase serve para elaborar a perda interna
Adalto Alves
Da editoria de Cidades
O psiquiatra e psicanalista João Alberto de Oliveira Campos, 60, professor titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita que o luto serve para elaborar a perda interna de um ente querido. Ele diz que é difícil lidar com a perda porque ninguém aceita a morte. Confira a seguir trechos da entrevista.
n Diário da Manhã – Ninguém sabe lidar direito com a morte. Por quê?
João Alberto – A morte é nossa única certeza. Todos nós sabemos que vamos morrer. O problema é que ninguém aceita a morte para si e para os outros. Nós não perdemos somente o ente lá de fora, nós perdemos nosso investimento interno. O luto serve para elaborar a perda interna, para que se possa dar uma nova dimensão a isso. O pai não tem como manter viva a realidade interna do filho.
n DM – Como lidar com o sentimento de impotência diante da morte?
João Alberto – O sentimento de impotência surge de maneira catastrófica. A realidade mostra a perda externa. A impotência está relacionada com a dificuldade em aceitar e elaborar a perda interna. A pessoa demora a se acostumar com a ausência do outro. Para que isso aconteça, ela tem que sofrer a dor. Não sofrer, negar a perda é o chamado luto patológico.
n DM – Os seres humanos esquecem que podem morrer a qualquer momento?
João Alberto – Esta é uma defesa do ego, do eu contra a ansiedade. A idéia da morte gera angústia. O esquecimento é um mecanismo psicológico de defesa.
n DM – Parentes de doentes terminais devem procurar ajuda para enfrentar a morte?
João Alberto – Cada parente encara a morte de um jeito. Todo caso é individual. Geralmente, o reconhecimento do sofrimento ocasiona um desejo para que o outro morra. Esse desejo é ambivalente e gera culpa. Porque não é possível desejar a morte do outro que sofre. Isso acarreta mais sofrimento. O importante é não fingir que está tudo bem. A pessoa com dificuldade em lidar com o assunto tem que buscar ajuda. Não precisa ser ajuda profissional. Às vezes, é melhor conversar com uma pessoa experiente, que fale da morte com naturalidade.
n DM – A fé, a crença, a religião amenizam a dor do luto?
João Alberto – Elas amenizam o sofrimento e dão um conforto muito grande. A esperança de que o ente querido passou para uma outra qualidade de vida, melhor e mais elevada, ajuda a atravessar o momento de dor.
n DM – A idéia de vida após a morte é benéfica do ponto de vista psicológico ou é mais saudável admitir que a vida acaba e ponto final?
João Alberto – É difícil responder. Este é um problema de crença, um aspecto cultural. Quem não acredita em vida após a morte sofre de maneira dura, mas liquida a situação. Quem acredita, prolonga a morte a instâncias espirituais. No fundo, todos sofrem. Claro que há uma ordem natural da morte. Os mais velhos morrem primeiro, o pai morre antes do filho. Quando essa ordem é seguida, a morte é aceita com um pouco mais de serenidade.
n DM – Como elaborar a idéia da morte para crianças?
João Alberto – As crianças aceitam bem a idéia de outro mundo, presente nos contos de fadas. Elas não têm o raciocínio lógico desenvolvido, o conhecimento e a experiência dos adultos. Dizer, como os religiosos, que “tal pessoa foi para o Céu” ajuda a adiar a falta causada pela morte. Pelo menos nenhum adulto reclama da mentira contada dessa forma quando ele era criança. Depois ele compreende melhor.