SUS fará cirurgia de troca de sexo

Jornal Hoje, 17/08/2007

SUS fará cirurgia de troca de sexo

Lídia Borges

Os próximos meses da vida de Cristiany Santos serão para ela uma “gestação”. A cabeleireira se prepara para uma nova vida, sonhada dia após dia dos seus 28 anos, esperada a cada momento em que via a própria imagem no espelho, a cada novo relacionamento rompido pelo complexo. A transexual fará cirurgia de mudança de sexo em breve, mas já comemora o fim de um transtorno que a perturbou desde o nascimento: o pênis. “É como se eu me preparasse para nascer de novo.” A vitória de Cris será também uma possibilidade para os cerca de 4 mil transexuais estimados no Brasil. A Justiça determinou que o Sistema Único de Saúde (SUS) realize a cirurgia de transgenitalização e deu prazo de até 30 dias para que inclua a operação na lista de procedimentos cirúrgicos.

A sentença é resultado de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal da 4ª Região (PR, SC, RS) que obteve parecer favorável na última terça-feira. O parecer é embasado na Resolução 1.652, editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2002. O documento autoriza a realização de cirurgias de troca de sexo, a partir do diagnóstico da transexualidade como distúrbio de identidade sexual.

A coordenadora do Projeto Transexualismo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG), ginecologista e psicóloga Mariluza Terra Silveira, comemora a decisão. “É um passo importantíssimo tanto do ponto de vista científico como financeiro, já que os hospitais universitários não têm recursos para atender a demanda.” O HC/UFG é referência no procedimento nas unidades públicas do Brasil e já realizou 25 cirurgias desde 2001. Destes, 17 eram homens e 8, mulheres. Só neste primeiro semestre, foram 4 transexuais que passaram pela operação e mais 3 estão indicados até o final do ano.


A presidente do Fórum de Transexuais do Estado de Goiás, psicóloga Beth Fernandes, ressalta a importância do posicionamento da Justiça para possibilitar a organização de centros de referência no atendimento deste público. Mas levanta uma preocupação quanto à formação do profissional que vai receber esse paciente. “Não existem equipes multidisciplinares dentro dos hospitais hoje. E existe todo um protocolo médico a seguir antes de uma cirurgia. É preciso ter cuidado para que não haja cirurgia em massa”, enfatiza.

Paulo Leivas destaca ainda que a ação do MPF dará embasamento para os transexuais que brigam na Justiça pela troca do registro civil de sexo e de nome. A cirurgia de transgenitalismo é pré-requisito para mover a ação. De acordo com o Ministério da Saúde, as secretarias municipal e estadual de Saúde serão responsáveis pela triagem dos pacientes que farão a troca de sexo pelo SUS nas suas respectivas regiões. O valor do procedimento será instituído depois que o ministério finalizar estudo para avaliar o impacto financeiro da inclusão do procedimento no sistma.


À ESPERA

Em Goiás, existem 20 pessoas que estão em tratamento psicoterapêutico e que serão avaliadas para uma possível indicação cirúrgica. Conforme determinação do CFM, o diagnóstico do transexual deve ser feito por uma equipe multidisciplinar, composta por psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, após um acompanhamento de, no mínimo, dois anos e realização de exames laboratoriais.


No HC/UFG, é preciso agendar e passar por todos os procedimentos. O transexual apresenta desconforto anatômico com o sexo e desejo de eliminar os genitais. “Para eles, o pênis, muitas vezes, representa um tumor”, explica Mariluza Terra.