Entrevista com Maria das Graças Monteiro

Jornal Tribuna do Planalto, 24/08/2007

Entrevista com Maria das Graças Monteiro

Maria Cristina Furtado

A Livraria da UFG está de cara nova. Revitalizada, a editora da Universidade Federal de Goiás (Cegraf) inaugurou no último dia 16 o espaço que não deve apenas comercializar livros, mas ser um local de variadas atividades culturais. Inspirado na extinta Flicts Livraria, ponto de encontro dos universitários nos anos 90, o projeto pretende reeditar as ações educativas e culturais que fizeram sucesso no passado. Grupos de teatro e a Escola de Música e Artes Cênicas da UFG são parceiros da iniciativa, que terá apresentações todas as quintas-feiras. A idealizadora do projeto é a professora Maria das Graças Monteiro Castro, uma das fundadoras da Flicts Livraria. Empolgada com a inauguração da Livraria UFG, ela conta que os outros postos de venda na universidade também serão revitalizados dentro do mesmo conceito de espaço cultural. Em entrevista ao suplemento Escola, Maria das Graças dá detalhes deste novo desafio, fala sobre o processo de formação de leitores e do mercado editorial brasileiro.

O que o Cegraf traz de novo, referente à estrutura física e na revitalização da Livraria UFG?
A estrutura física é outra. O espaço foi todo reformado, dando maior visibilidade para a parte interna da livraria. O mobiliário, redesenhado, foi pensado para receber a proposta que está sendo inaugurada. É um espaço que foi planejado, adequado para receber livros, leitores e consumidores desse bem cultural. A livraria está aconchegante, envolvente. Ela tem um mascote que é o macaquinho, o nosso bom e velho companheiro de todas as horas aqui no Campus II. Planejamos um espaço para que o livro tenha uma visibilidade maior dentro do espaço acadêmico.

Este projeto vai se estender às outras livrarias?
A primeira a ser inaugurada é esta no pátio da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia. A segunda será no Centro de Convivência e uma terceira será aberta no prédio da Faculdade de Educação, no Setor Universitário. Todos já são pontos de venda preexistentes. Essa é a diferença agora. Antes eram pontos de venda e agora terão a função clara de comercializar livros, colocar à disposição da comunidade acadêmica e do entorno do Campus a produção editorial universitária e também a de outras universidades. O projeto inclui também a realização de atividades artísticas e culturais em torno do livro e da leitura.

A idéia da criação da Livraria UFG é baseada na Flicts Livraria, que, além de livros, tinha uma vida cultural intensa e era ponto de encontro nos anos 90. A Flicts ficava numa região de fácil acesso, quase no Centro da cidade. O Campus II da UFG, entretanto, está distante da região central de Goiânia, e isso não pode atrapalhar esta aproximação da comunidade?
A Flicts era uma empresa e atendia os preceitos de uma empresa. Tinha de estar exatamente onde o consumidor estava. A Livraria da UFG não é uma empresa, é uma instituição e tem um caráter prioritariamente institucional de lidar com uma universidade pública. De antemão, a livraria foi pensada para esta comunidade interna e, portanto, o que vier do público externo já é lucro. Se nós conseguirmos atender os 15 mil alunos que circulam pelo Campus II, os mais de 1.200 professores e os dois mil servidores da instituição teremos cumprido com uma função básica da universidade. As atividades e as programações estão abertas ao público em geral, mas os horários são para atender os nossos alunos. São estudantes que têm pouca vivência com a universidade, uma vez que, à noite, o número de cursos é menor.

Já existe um cronograma dessas apresentações até o final do ano?

Nós ainda vamos fazer esse cronograma porque não definimos todas as datas com nossos parceiros. Existe uma programação definida de antemão, mas estamos abertos a todos os grupos que tiverem interesse em participar. Neste mês de agosto fechamos com a Cia. Trapaça. A nossa proposta é de que durante três semanas do mês sejam realizadas apresentações em torno do teatro, diretamente ligadas a um texto literário. Na última quinta-feira de cada mês, vamos fazer um ciclo de debates.

A Livraria UFG vai comercializar livros editados pelo Cegraf e também por outras editoras universitárias. Haverá livros apenas do meio acadêmico ou terá espaço para os de caráter comercial?

Nós vamos atender as editoras universitárias prioritariamente, mas a livraria comercializará também a produção de todo o mercado editorial brasileiro. Estamos com uma parceria com as distribuidoras das editoras nacionais que já nos cederam o material. Nós teremos de tudo um pouco. A diferença prioritária é que vamos trabalhar com sistema de encomenda para atender a demanda específica do leitor, pois temos um espaço que favorece isso.

A senhora é a representante da região Centro-Oeste na Câmara Setorial do Livro. Esta câmara fez uma pesquisa que traçou o perfil do leitor brasileiro. Como é este leitor?

A pesquisa não foi exatamente da Câmara Setorial do Livro, mas da Câmara Brasileira do Livro, que é o órgão sindical das editoras. Essa pesquisa é feita a cada dois anos e esses dados precisam ser analisados com cuidado. Como é uma pesquisa feita pelo mercado editorial, obviamente vai refletir os anseios deste mercado. Esta questão específica sobre a promoção do livro está mais voltada às pesquisas acadêmicas. Conseguimos traçar um perfil de leitura no Brasil mais por dados esparsos da própria academia. O Brasil tem um mercado pequeno, de edições pequenas, o que encarece muito o livro e dificulta o acesso da população a ele.

A senhora acredita que esta realidade tende a mudar, se houver uma política que, de fato, garanta o acesso da população aos livros? E quanto à questão do processo de formação de leitores no Brasil?
De um ponto de vista mais teórico, temos uma situação bastante complicada na realidade brasileira. Somos uma sociedade absolutamente oral, que passou para uma sociedade audiovisual sem passar pelo texto escrito. Embasada em dados de pesquisas, posso dizer que 10% da população brasileira é efetivamente formada por leitores e nunca se distribuiu tanto livro quanto tem sido feito na última década pelo Ministério da Educação. E, apesar disso, não temos garantido essa formação de leitores. Para que a escola promova a formação deste leitor, é preciso ter professores-leitores. Só se forma um leitor quem é leitor e não é de uma semana para outra. É o trabalho de uma vida, na formação do indivíduo.

Na escola, o contato maior dos estudantes é com os livros didáticos. Esses livros têm alguma influência no processo de formação de leitores?
O livro didático não forma leitores. Ele, na realidade, é um receituário. Ele não garante a formação do leitor. Mas isso melhorou muito nos últimos dez anos, a partir da avaliação do MEC. A criança tem de ter acesso às variadas estruturas textuais. Ela só se forma leitora na constância com que visita esses textos para saber diferenciar um texto didático de um texto jornalístico, de uma enciclopédia, de um dicionário. O maior problema para a formação desta criança está nas escolas, que não possuem bibliotecas. As bibliotecas são os locais por excelência dessas estruturas textuais. Além do mais, as escolas não têm um ambiente efetivamente preparado para incentivar as crianças a gostarem de ler. A grande maioria tem, na realidade, um local onde se deposita os livros didáticos.