Não temos o direito de ser pessimistas

Jornal O Popular, 01/09/2007

ENTREVISTA/Emile Maakaroun

‘Não temos o direito de ser pessimistas’

Fabrícia Hamu

Especial para O Popular

Cumprindo a programação prevista pelo Seminário Acadêmico Brasil-Líbano, promovido pelo Ministério da Educação, o professor da Universidade Libanesa (em Kesrouan) e Ph.D em História, Emile Maakaroun, esteve em Goiânia ontem e anteontem. Ele ministrou duas palestras na Universidade Federal de Goiás (UFG), quando falou sobre a Presença do Líbano sobre o Plano Acadêmico Humano e Científico da Civilização e sobre A Imprensa no Líbano. No intervalo da programação, Maakaroun conversou com O POPULAR a respeito da relação entre as duas nações e dos desafios enfrentados pelo Líbano, um ano após a guerra que devastou o país. Confira a entrevista:

Como o senhor avalia a cooperação em nível
educacional e cultural entre Brasil e Líbano?

Creio que já avançamos bastante. No ano passado, o ministro da Educação Fernando Haddad foi ao Líbano para firmar um protocolo de cooperação entre os dois países. Esse seminário foi o primeiro passo no sentido de concretizar as ações estabelecidas pelo acordo. Consideramos o país de vocês como nossa segunda pátria, pois enquanto há 6 milhões de libaneses vivendo no Brasil, no Líbano são apenas 4 milhões. Dentro desse acordo, estabelecemos que a cada seis meses uma comissão composta por professores brasileiros e libaneses se reúna, para criar iniciativas que fomentem o intercâmbio de conhecimento entre as duas nações. Uma iniciativa já estabelecida é a que prevê que, em toda tese de doutorado sobre o Líbano produzida no Brasil haja um professor libanês na banca de avaliação, e que toda tese produzida sobre o Brasil em nosso país tenha um professor brasileiro na banca. É um gesto formal, mas que pode render bons frutos nos planos pedagógico e acadêmico.

Em termos políticos e econômicos, o senhor acredita
que Brasil e Líbano estejam mais próximos hoje?

Na verdade, nossas relações sempre foram muito boas. Comercialmente, as operações de importação e exportação estão em franca expansão. Já em nível político, pode-se dizer que não há divergências entre os dois países, porque ambos se respeitam, prezam a autonomia de um e de outro e atuam em regime de cooperação mútua.

Um ano após a guerra que devastou o Líbano,
quais são os maiores desafios enfrentados pelo país?

Temos vários problemas, entre eles a intromissão constante de países vizinhos em nossos assuntos políticos, sociais e econômicos. Além disso, o governo não está à altura do nosso povo e a economia se encontra em crise. Devido aos constantes ataques que sofremos da Síria e de Israel, o turismo vem enfraquecendo a cada ano. É uma pena, porque somos um país de paisagens lindas, culinária excepcional e cultura riquíssima. Perdemos 150 mil soldados na guerra, nossa infra-estrutura ficou extremamente danificada e a dívida externa hoje é altíssima. Mas penso que a tenacidade libanesa conseguirá superar tudo. Costumamos dizer que o Líbano só morre para renascer das cinzas, como a lenda da Fênix. Qualquer outro povo que tivesse enfrentado os desafios que enfrentamos nos últimos 30 anos já teria sucumbido. Pagamos o preço de ter uma posição estratégica, que faz do nosso território alvo do interesse de diversos países.

A intervenção externa não deixa o
Líbano se desenvolver como deveria?

Não. Sofremos intromissões constantes do Irã, dos Estados Unidos, da França, da Liga Árabe. A interferência alheia em nossos assuntos internos ocorre tanto em nível regional, quanto em nível global. Os Estados Unidos apóiam uma determinada facção política, enquanto o Irã apóia a facção rival. Essas facções se enfrentam para defender os interesses das nações que as apóiam e os libaneses é quem pagam o preço. Esse cenário de instabilidade política e de constante conflito de interesses influencia diretamente a economia. Há alguns anos, 1 dólar valia 240 libras libanesas. Hoje a proporção é de 1 dólar para 1.507 libras. Além disso, temos nossos próprios problemas de divergência interna. O Líbano possui 18 tipos de confissão religiosa, são maronitas, cristãos ortodoxos, armênios, xiitas. Apesar de todos esses desafios, não perdemos a esperança. A situação é tão difícil e exige tantos esforços, que não temos o direito de ser pessimistas.

Como ficou a produção acadêmica no Líbano após a guerra?
A guerra nos prejudicou muito. Embora tentemos mostrar que está tudo bem, que a vida continua, quando entramos na sala de aula não é a mesma coisa de antes. Não conseguimos ficar à vontade, ser espontâneos. Enquanto converso com os alunos, fico lembrando dos meus filhos, me preocupo com eles, e isso prejudica a concentração. Além disso, o governo também já não investe tanto em pesquisas científicas como antes, pois tem outras prioridades. Nesse contexto, as parcerias que firmamos com outros países, como o Brasil, são muito importantes para garantir a reciclagem e o intercâmbio de conhecimento.

Qual é sua avaliação sobre o trabalho da imprensa libanesa?
Por mais incrível que possa parecer, temos uma imprensa que funciona hoje como uma tribuna livre, onde existe espaço para todos os partidos se manifestarem. É claro que há perseguições contra alguns jornalistas e determinados veículos que se deixam comprar por forças políticas. Mas, de maneira geral, creio que somos uma referência no Oriente em termos de trabalho jornalístico. Infelizmente, perdemos grandes jornalistas na guerra, e também fora dela. Recentemente, tivemos casos de profissionais da imprensa que estavam a trabalho fora do Líbano e foram assassinados em ataques terroristas. A verdade é que os agentes estrangeiros não nos dão trégua e tentam intervir em nosso país de uma maneira ou de outra. Se não o fazem em solo libanês, fazem fora dele.