Faculdade de Medicina do ABC proíbe experimentação com animais vivos

O Globo Online, 12/09/2007

Faculdade de Medicina do ABC proíbe experimentação com animais vivos

Fadua Matuck - O Globo Online

Modelo de feto de porco - Foto: Divulgação

RIO - Abolida há mais de 20 anos em muitos países, a vivissecção - experimentação com animais vivos - nos cursos de medicina finalmente começa a ser deixada de lado nas universidades brasileiras. A Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) é a primeira do Brasil a institucionalizar a proibição do uso de qualquer animal vivo nas aulas da graduação. A prática fica liberada somente para pesquisas inéditas, com relevância científica e previamente aprovadas pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal (CEEA) da FMABC. De acordo com as leis federais 9605/1998 e 11977/2005, é considerado crime o uso de animais em experimentos, no ensino e pesquisa, salvo quando não houver métodos substitutivos. Segundo o diretor da Faculdade de Medicina do ABC, Dr. Luiz Henrique Paschoal, diante de solicitações de professores e alunos, a escola resolveu tentar substituir a vivissecção por outros métodos. Mas, admite que ainda encontra resistência de alguns professores que defendem a prática.

" Objetivo da faculdade é formar médicos mais envolvidos com o paciente (Dra. Nédia Maria Hallage -professora da FMABC) "

- Apesar de comum em faculdades e universidades com graduações em saúde, a experimentação animal é proibida por lei "sempre que existirem recursos alternativos". Existe um movimento mundial para substituição do uso de animais na graduação por outros modelos. Atendemos a solicitações de diversos docentes e alunos e resolvemos tentar, para posteriormente termos opinião definitiva. Ainda assim, alguns professores, que são a favor da vivissecção, argumentam que haverá prejuízo para a formação do aluno e que a proibição ocorreu no meio do curso, não dando tempo de adaptação. Quanto à pesquisa, as práticas continuam inalteradas. Nesse caso, até que se prove o contrário, o modelo animal é insubstituível - explica.

Humanização dos cursos da saúde

Para a médica infectologista, Dra. Nédia Maria Hallage, professora da FMABC e membro do Comitê de Ética em Experimentação Animal, o objetivo da faculdade é formar médicos mais envolvidos com o paciente.

- Nossa missão é formar médicos humanos, mais envolvidos com o paciente e sensíveis à dor do próximo. Evitar que o aluno seja coadjuvante da morte ou do sofrimento de animais melhora o aprendizado, pois elimina o estresse do sentimento de culpa, além de incentivar a valorização e o respeito por toda forma de vida. Isso certamente será refletido na relação médico/paciente após a formação acadêmica - afirma.

Os recursos alternativos são muitos e caros

Foto: Divulgação

De acordo com o biólogo Thales Trez, professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e representante da Interniche Brasil, organização que se ocupa da implementação de recursos substitutivos para formação de profissionais da saúde e biológicas, as alternativas vão desde softwares (programas de computador) e bonecos até o uso de animais quimicamente preservados e incorporação dos cursos básicos à prática clínica - quando o aluno passa a aprender com casos reais, em seres humanos.

" Os métodos alternativos vão desde softwares a modelos e manequins. A abordagem também é fundamental (Thales Trez - professor da Universidade Federal de Alfenas) "

- São inúmeros os recursos alternativos. Muitas vezes são necessários um conjunto deles para substituir um experimento didático. Os softwares são interessantes, e cada vez mais repletos de recursos em 3D, animações, interatividade, questões, avaliações. Modelos e manequins também, e simulam bem algumas situações. Mas nem sempre as alternativas são recursos tecnológicos, mas abordagens. Por exemplo, acompanhar estudantes em clínicas é um recurso para ensinar muitas disciplinas (cirurgia, fisiologia, etc.), tanto animal quanto humana.

O diretor da Faculdade de Medicina do ABC, Dr. Luiz Henrique Paschoal, lembra, no entanto, que esses métodos alternativos são caros:

- Os recursos alternativos são caros, por isso, serão adquiridos lentamente pela escola.

Thales acredita a realidade será outra em 10 anos:

- Acho que a Faculdade de Medicina do ABC certamente influenciará outras a seguirem este caminho. O que existe é uma crescente polemização em torno do tema, o que já está impulsionando iniciativas como essas. É uma questão de tempo. Acredito que em menos de 10 anos esta realidade será outra.