O efeito do acidente continua vivo
Jornal O Popular, 19/09/2007
Wildes Barbosa![]() Telma Camargo da Silva: “Um processo que se dá até hoje” |
O efeito do acidente continua vivo
Doutoura em antropologia diz que instituições procuram diminuir importância da tragédia
Carla Borges
O acidente com o césio 137 não acabou. Continua acontecendo à medida que pessoas atingidas pela tragédia reivindicam a relação de causa e efeito entre sintomas físicos e psicológicos que apresentam e a exposição à radiação. Da mesma forma, há um esforço institucionalizado para minimizar sua importância e negar sua memória. Essas são algumas das principais conclusões da pesquisa de doutorado da antropóloga Telma Camargo da Silva, da Universidade Federal de Goiás, Ph.D. pela City University of Nova York. “O desastre não é um evento, mas um processo que se dá até hoje, por meio de uma correlação de forças que tenta subjugar a memória dos atingidos com as instituições governamentais fazendo ações para que ele seja esquecido”, diz a antropóloga.
Telma, que acompanha os grupos de pessoas envolvidas com o caso desde 1987, quando ele aconteceu, defendeu sua tese em 2002, mas observa que as conclusões a que chegou continuam atuais. Passados 20 anos do acidente, cerca de 800 pessoas lutam na Justiça contra o Estado e a União para serem reconhecidas como vítimas, estima o presidente da Associação das Vítimas do Césio 137, Odesson Alves Ferreira. Noraney Dias de Souza Nunes, de 43 anos, é uma delas. Mulher do mecânico João Nunes da Silva, o Zico, que teve contato direto com o césio - ele ficou com uma lesão no dedo -, ela move ações nas Justiças estadual e federal. O marido pertence ao grupo 1 das vítimas, que reúne as mais atingidas, e os dois filhos do casal, de 13 e 18 anos, ao grupo 2.
Noraney foi enquadrada no grupo 3, que integra as pessoas que não foram expostas à radiação, situação que ela contesta judicialmente. “Eu participei, estive o tempo todo junto com meu marido. Não passei pelo exame na época (para detectar níveis de radiação) porque não achei necessário, considerava mais importante cuidar de meus familiares. Não sabia que teria de ter deixado algo documentado, no papel”, revelou Noraney ao POPULAR. Zico trabalhava em uma oficina que fazia fundos com o ferro-velho de Devair Alves Ferreira, no Setor Aeroporto, e chegou a tocar na pedra de césio. Noraney relata que freqüentava a oficina e a casa da cunhada, Santana Nunes, na Rua 16-A. Hoje, sofre dores nas pernas, na coluna e de cabeça e tem quatro úlceras duodenais.
Os filhos têm sintomas semelhantes, além de problemas dermatológicos que nunca tiveram diagnóstico. “Os médicos da Suleide (Superintendência Leide das Neves) só sabem dizer que tudo o que sentimos não tem nada a ver com o césio”, resume Noraney. Para ela, é humilhante ter de lutar pelo reconhecimento de um título que, se pudesse, não buscaria. “Não vou desistir de lutar”, assegura. Odesson Ferreira também se ressente dos esforços para minimizar os efeitos e os questionamentos acerca do césio. “Quero que eles provem que estão certos”, desafia.
No ferro-velho, os funcionários Admilson, de 17 anos, e Israel, 22,
usam uma marreta e uma talhadeira para arrebentar o cilindro.
A "marmita" com o césio é retirada e deixada num canto do ferro-velho.
À noite, Devair vê um brilho azul saindo da peça e a leva para dentro de casa.