Escreveu, não leu...

Jornal O Popular, 23/09/2007

Escreveu, não leu...

IBGE mostra que biblioteca pública é o bem cultural mais comum em Goiás, mas pesquisadores e profissionais apontam deficiências e dizem que freqüência de visitantes está em queda

Edson Wander

As bibliotecas públicas de Goiás, que deveriam ter caráter não-escolar, ou seja, atender à comunidade em geral e não apenas estudantes, acabam tendo. A maioria tem a função quase exclusiva de servir de base para alunos, vestibulandos e concursandos. Com acervos desatualizados e sem periódicos (jornais e revistas), são raras as que contam com profissionais qualificados para o trabalho, coroando uma evidente falta de política para o setor. Com base no que apontou a última Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) do IBGE, de que as bibliotecas públicas são os equipamentos de cultura mais utilizados pelo poder público em Goiás, O POPULAR visitou bibliotecas e foi ouvir profissionais e pesquisadores do setor para conferir a qualidade do que é oferecido aos usuários.

A pesquisa do IBGE, que afere quantos e quais são os equipamentos de cultura usados pela população em todos os municípios brasileiros, foi divulgada na segunda-feira, dia 17. De acordo com os dados, as bibliotecas são o instrumento público de cultura mais presente em Goiás e estão implantadas em 225 dos 246 municípios goianos. As bibliotecas somam 258 unidades no Estado, das quais 223 são mantidas por prefeituras. A pesquisa, na sexta edição, é feita com base em questionários respondidos pelos próprios dirigentes dos setores cultural e educacional das prefeituras e tem caráter apenas quantitativo, não entrando no mérito da estrutura e da qualidade do serviço oferecido.

“Não adianta ter só os prédios, é preciso ter uma política para as bibliotecas. Do jeito que está, somos o que não deveríamos ser: uma grande biblioteca estudantil”, afirma Elaine Fortunato, diretora da Biblioteca Municipal Cora Coralina, uma das duas maiores de Goiânia (a outra é a Marietta Teles Machado), ambas administradas pela prefeitura. Com 23 mil exemplares de 12 mil títulos, a Biblioteca Cora Coralina serve a um perfil de público majoritariamente formado por estudantes do ensino fundamental, vestibulandos e diplomados em busca de material para estudar para concursos, informa a diretora.

Segundo Elaine, a biblioteca conta com cinco bibliotecárias, número de luxo para a maioria das bibliotecas de Goiás e só repetido na Biblioteca Marietta Teles Machado, também municipal, localizada no Setor Universitário. Elaine conta que a freqüência de visitantes também vem caindo na biblioteca localizada em Campinas, mais antigo bairro da capital. Segundo a diretora, de uma média diária que já foi de 500 visitantes, a Cora Coralina recebe hoje não mais do que a metade disso.

Ela atribui a queda ao aparelhamento das bibliotecas de rede municipal a partir de 2003 (projeto que continua com o nome de Sala de Leitura) e à popularização da internet. “Hoje os alunos acham tudo pronto no Google [site de buscas da internet], vão lá e copiam”, avalia a bibliotecária, que dirige a Cora Coralina há cinco anos. Apesar das deficiências, Elaine diz que, “dentro das possibilidades”, a biblioteca tem atendido ao público que a procura e que um projeto de seção exclusiva de literatura infantil já está em andamento, além da instalação de quatro computadores conectados à internet.

Doações
Na Bibiloteca Marietta Teles Machado, com 27 mil títulos, o quadro não muda muito em frequência e perfil de público. De acordo com a diretora Márcia de Oliveira Lourencetti, o acervo do local é procurado por cerca de 300 pessoas diariamente, número que ela diz que vem sendo mantido nos últimos anos. “A comunidade procura pouco, vem muito mesmo é estudante universitário e gente que está prestando concurso. Acho que isso acontece principalmente pela nossa localização entre faculdades”, observa Márcia, que dirige a biblioteca há dois anos.

No efetivo de 30 funcionários, apenas cinco são bibliotecárias formadas. De periódicos, o espaço só tem assinatura dos dois jornais de maior circulação em Goiás, e a atualização do acervo de livros só é feita por doações de títulos usados pelos moradores da capital. “Quando chega este material, fazemos uma triagem do estado de conservação e, se já temos algum dos títulos, repassamos para outras bibliotecas”, explica Márcia.

Na biblioteca pública de maior acervo da capital, a estadual Pio Vargas, com 65 mil títulos, a freqüência em agosto foi de 1.415 pessoas, o que dá uma média de 47 visitantes por dia. À pergunta se há títulos novos de literatura disponíveis, a bibliotecária Maria do Socorro Abreu de Lima responde que não, “porque a biblioteca não possui verbas para isso”. Segundo ela, tudo de novo que chega é por meio de doação da Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura (MinC), ou de moradores da cidade.

Maria Socorro é a única profissional lotada na administração estadual e a “ponte” dos projetos do MinC no aparelhamento das bibliotecas públicas no interior do Estado. A Pio Vargas concentra os acervos do governo federal destinados ao interior e Maria do Socorro acompanha a implantação e treina auxiliares das prefeituras para gerir esses arquivos. “Normalmente é um professor ou um auxiliar administrativo que vai cuidar dessa biblioteca, o que é uma pena porque o ideal seria ter um bibliotecário à frente desse processo”, diz ela.