A história secreta do césio

Jornal Diário da Manhã, 22/09/2007

A história secreta do césio

Jávier Godinho
Especial para o DM

No vigésimo aniversário do acidente com o césio 137 em Goiânia, o primeiro do gênero no mundo, com efeitos apocalípticos para os goianos, tem-se falado de tudo sobre o assunto, menos na palavra do grande comandante do nosso Estado nessa batalha terrível: o governador Henrique Santillo.

Testemunhas oculares da catástrofe, que trabalhavam diretamente com o chefe do Executivo estadual na época – e neste rol se inclui o repórter autor desta matéria –, não têm a menor dúvida de que as conseqüências dantescas daquele acontecimento teriam sido muito piores, não fosse a cultura médica e científica, o espírito humanitário, a responsabilidade e a determinação de luta do governador.

Filho de família pobre – seu pai possuía modesta banca no mercado de Anápolis –, ele só estudou em escola pública e, assim mesmo, saiu do Colégio Estadual José Ludovico de Almeida, daquela cidade, para enfrentar dois vestibulares de Medicina, em Belo Horizonte, nas universidades Federal e Católica de Minas Gerais. Naquela, foi aprovado em primeiro lugar e, nessa, em segundo. Com este prestígio, ele pôde se manter no estudo, até a formatura, lecionando em cursinhos. Neles, foi professor de Química Atomística e elaborou uma apostila sobre a matéria, logo aproveitada como referência por vários cursos.

Quando, no dia 29 de setembro de 1987, a notícia da violação da cápsula de césio 137 lhe chegou ao conhecimento, Henrique Santillo se horrorizou e, consternado, o vimos repetir, várias vezes: “Deus tenha pena do meu Estado!”

A partir daí, obsessivamente se lançou à luta, enfrentando e superando imensas dificuldades, para apressar, o mais rápido possível, o fim daquele pesadelo. As finanças estaduais começavam a ser recuperadas, pois ele recebera o Estado, em 15 de março, com a folha de pagamento atrasada três meses, além do 13º salário do ano anterior; nenhum canteiro de obras funcionando, o funcionalismo em greve, empreiteiros e fornecedores em desespero por falta de pagamento e o governo sem crédito para comprar sequer uma folha de papel.

Só a construção da base do depósito de rejeitos radioativos em Abadia de Goiás consumiu cimento suficiente para edificação de mais de mil salas de aulas. Na busca de solução para tão angustiante problema, de exclusiva competência legal federal, o Estado teve o apoio de uma despreparada e sem recursos Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Se o comportamento de seus técnicos foi admirável, o presidente da CNEN só apareceu em Goiânia dez dias depois de conhecido o acidente. Os desafios foram agravados pela ignorância, o medo, a má-fé e a falta de solidariedade nos mais diversos setores, motivadores da discriminação injusta e odiosa contra os goianos, afetando com mentiras a própria economia combalida de Goiás.

O jornal O Estado de S.Paulo, por exemplo, irresponsavelmente publicou em manchete de capa que as pastagens de Goiás estavam contaminadas e, com isso, num determinado momento, cancelaram-se as compras de carne, leite e grãos, até roupas e calçados produzidos em nosso Estado.

Henrique Santillo contou um pouco do seu martírio na palestra que proferiu, no dia 18 de maio de 1988, na abertura do Curso de Especialização em Direito Penal, no seminário integrante do calendário cultural comemorativo aos 90 anos da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Naquela oportunidade, ele foi saudado pelo professor Licínio Leal Barbosa, então professor da cadeira de Direito Penal e coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal, livre docente e presidente da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da UFG.

É esse pronunciamento, inédito na imprensa, que o Diário da Manhã apresenta agora. Todos os relatos e considerações a seguir são do governador Henrique Santillo, que, inclusive, ofereceu a dolorosa experiência dos goianos para que novos rumos fossem traçados na precária política nuclear do Brasil.