Uma vizinhança indesejada
Jornal O Popular, 26/09/2007
Uma vizinhança indesejada
Dissertação de mestrado aborda a percepção de risco da população de Abadia de Goiás em relação aos rejeitos
Weimer Carvalho
O depósito do lixo radioativo em Abadia de Goiás deve atrair 3 mil turistas este mês
Deire Assis
Se os efeitos do acidente com o césio 137 sobre a população de Goiânia são alvo de um número ainda incipiente de pesquisas, muito menos se produziu em relação àqueles que residem em Abadia de Goiás, cidade eleita para abrigar os rejeitos radioativos. Vinte anos depois do episódio, as dúvidas quanto aos supostos riscos a que estariam sujeitos os vizinhos do depósito onde está armazenado o lixo radioativo fazem parte do cotidiano daquela comunidade.
Pelo menos é o que revela o estudo Risco e Vulnerabilidade Socioambiental – Depósito Definitivo de Rejeitos Radioativos na Percepção dos Moradores de Abadia de Goiás, defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2005, pela mestre em Sociologia Elaine Campos Pereira. A autora da dissertação de mestrado atua na biblioteca do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO).
O trabalho, um dos poucos que neste período voltou os olhos para a população de Abadia, foi apresentado o ano passado no 15º Encontro Nacional de Estudos Populacionais realizado pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), em Caxambu (MG). A análise de Elaine Pereira abrangeu quatro grupos distintos de pessoas: servidores públicos que ocupam cargos na prefeitura de Abadia, trabalhadores do depósito, produtores rurais e comunidade em geral.
Segurança
Os moradores de Abadia abordados no estudo relataram incerteza quanto à segurança da obra do depósito, independentemente do material utilizado na construção. Se manifesta “quanto ao mesmo poder realmente conter em seu interior o material, colocando em dúvida a veracidade dos fatos e em xeque a integridade física da obra”, atesta o estudo. “Paira também sobre a possibilidade da engenharia adotada não poder durar através do tempo como se fosse necessário mais garantia”, afirma a pesquisadora no texto.
O estudo demonstra também que os riscos não são descartados pelos moradores quando relacionados à saúde da população do município. Nos relatos dos entrevistados, surgem descrições sobre danos à saúde dos moradores. A incerteza quanto a suposta relação entre os casos relatados com a proximidade do depósito de lixo radioativo, segundo atesta no trabalho, “pode ser gerada pelo fato de as informações serem imperfeitas, sugerindo uma investigação justa e correta em busca da verdade.”
Segundo as respostas da população pesquisada, há dúvidas e medos em relação à probabilidade de ocorrência de danos futuros à saúde da comunidade. Os entrevistados questionam possíveis efeitos que poderiam causar deformações genéticas, doenças e morte, colocando em risco as crianças do município. “Talvez uma aferição aos dados satisfizesse os indivíduos envolvidos”, sugere a responsável pelo estudo.
Economia
Durante as entrevistas, moradores de Abadia relataram “o papel devastador” para a economia local resultante da transferência dos rejeitos do césio 137 para o município. Pereira destaca, entre os impactos negativos, queda acentuada dos valores de venda da produção agrícola e de manufaturados, impactos estes que se estenderam ao setor imobiliário, com redução do preço dos imóveis e baixa procura no setor turístico.
O prefeito de Abadia de Goiás, Antomar Moreira, concorda com a avaliação dos moradores e cobra uma compensação mais justa para o município por abrigar em suas terras os rejeitos do acidente com o césio 137. A Lei Federal nº 10.308/2001 definiu os valores a serem repassados à administração municipal de Abadia, até 2047, equivalente a cerca de R$ 69,3 mil anuais. “Falar que isso é uma compensação por termos em nossa cidade uma bomba relógio radioativa é uma vergonha”, frisa o prefeito. “Isso dá 0,50 centavos por habitante. Um absurdo.”
Aumentar o valor do repasse é um dos objetivos da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara de Vereadores, criada este mês. O vereador Antenor Alves, membro da comissão, ressalta que a área de cerca de 35 alqueires ocupada pelo CRCN-CO dificulta o desenvolvimento territorial do município.