Marcha para o Centro-Oeste

Jornal Diário da Manhã, 26/09/2007

Marcha para o Centro-Oeste

O Centro-Oeste deveria adotar uma política produtiva e audaciosa aos moldes do Mercosul para a região. Óbvio que sem as mazelas e erros que permearam o mesmo. O Centro-Oeste vive separado ora por guerras fiscais, ora por barreiras semi-invisíveis de cultura, transporte e comunicação. Goiás e o Distrito Federal têm se aproximado por um elemento geopolítico comum, o Entorno, mas é quase que só. É pouco salutar só se unificar pelo Entorno.

O passado já nos deu lições de pensar a unificação através de políticas específicas para a região. A idéia de uma Marcha para o Oeste é varguista, pelo menos na prática, tendo se iniciado nos anos 40 do século 20, visando, inicialmente, ocupar o sertão (era necessária como estratégia, já que a Segunda Guerra rondava o mundo ), sair do litoral, desbravar o interior, inserir a região na Nação. Novas “frentes pioneiras” e futuras “frentes de expansão”.

A Marcha para o Oeste era uma noção antiga. Cassiano Ricardo, um dos ideólogos do Estado Novo, escreveu um artigo, publicado pela Revista Cultura Política, a respeito do perfil desse Estado, buscando, no movimento dos bandeirantes (séculos 17 e 18), as chamadas raízes de sua formação. Em sua essência, C. Ricardo procurava demonstrar a singularidade democrática do Estado Novo, refutando os outros regimes políticos vigentes em alguns Estados contemporâneos: fascismo, nazismo, socialismo e liberalismo.

Cassiano Ricardo utilizou documentos do século 17 para mostrar que o nascimento de uma autêntica democracia deu-se a partir do movimento das Bandeiras. O tema A Marcha para o Oeste – sempre retomada pelos folcloristas, como Flausino do Valle, ou pelo próprio Villa-Lobos, em seus poemas sinfônicos, notadamente – era tido como a própria “... imagem da Nação que caminha pelas próprias forças em busca de sua concretização”. Em seu artigo sobre o Estado Novo e o seu sentido bandeirante, Cassiano usou uma série de imagens fundamentadas nos seguintes eixos dicotômicos: Região Centro-Oeste versus região litorânea, bandeirante/senhor de engenho, república paulista/monarquia portuguesa, democracia-governo forte/fascismo italiano ou comunismo russo. Assim, as verdadeiras raízes do Estado Novo estariam historicamente plantadas no governo forte e na democracia, que, após um interregno liberal (séculos 19 e início do 20), acabaram retomando o sentido da brasilidade, que estava na Marcha para o Oeste.

Absurdos de época à parte, a Marcha para Oeste constituiria o fruto momentâneo de uma prática sem precedentes no Brasil, ou seja, a da interiorização do País, ou em outras palavras, a da construção da modernidade na selva. De acordo com Arnaldo Contier, “no Brasil, o self government, conforme Ricardo, havia surgido na Região Centro-Oeste devido ao ilhamento do bandeirante em face dos centros localizados na região litorânea, não tendo havido ali, portanto, nenhuma interferência direta da política oficial do governo português. O isolamento, de acordo com esse pensamento, contribuiu para promover a independência do homem do sertão em relação ao homem do litoral”.

Temos talvez aqui uma possível dica da História no sentido de nos estimular para uma Marcha para o Centro-Oeste, capaz de, a partir do Distrito Federal, nos possibilitar o conhecimento de nossos pertencimentos e culturas, gêneros e humanidades, de unir talentos e perspectivas capazes de somar a Quasar com o Kuarup, o Cerrado e o Pantanal, a Art Déco e a arquitetura de Niemeyer, Marcos Caiado e Manoel de Barros, a cidade de Goiás e Bonito, a viola de cocho e as guitarras goianienses, o sertanejo e o sertão... Talentos e possibilidades temos de sobra!

Nasr Fayad Chaul
professor titular de História na UFG. Compositor e ex-presidente da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira – Agepel