Ler e escolher
Jornal O Popular, 03/10/2007
Ler e escolher
É fundamental estimular o hábito da leitura nas crianças e nos adolescentes. Mas quais são os critérios para selecionar as obras que chegam às mãos dos jovens?
Rogério Borges
Filas intermináveis e tardes inteiras de espera, pequenos tumultos formados por crianças e adolescentes por conta de livros. Não, isto não é uma cena de ficção. Sim, isto ocorreu no Brasil. Aconteceu durante a última Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em que os mais jovens foram o alvo principal de grandes selos editoriais, que dedicaram às faixas etárias mais baixas muitos de seus lançamentos e generosos espaços em seus estandes.
Uma boa notícia para a leitura no País, sempre tão em baixa? À primeira vista sim, mas basta dar uma olhada um pouco mais atenta para ver que o que essa galerinha carrega nas mãos, em sua imensa maioria, são títulos que passam longe de obras consagradas por sua qualidade literária ou que tenham recebido elogios da crítica. O que esse pessoal comprou durante a feira foram títulos que tratam de temas como a luta para conseguir um namorado, ou o relacionamento com os pais, ou que ensinam a se vestir e a se maquiar, ou falam de como tomar a decisão de “ficar” ou “não ficar” numa festinha.
Com este cenário, cabe uma antiga e recorrente pergunta: é recomendável ler tudo o que cai na mão? “Claro que se o jovem foi até a feira com o pai e quis comprar um livro de que gostou, está valendo. Não é bom coibir a iniciativa. Mas se o pai for dar um livro de presente ao filho ou o professor for escolher títulos para uma biblioteca ou para trabalhar em sala de aula, aí sim é preciso que existam mais critérios”, opina a professora Maria Zaira Turchi, diretora da Faculdade de Letras da UFG e uma das organizadoras do livro Leitor Formado, Leitor em Formação (Ed. Unesp), que reúne pesquisas a respeito do processo de inserção da literatura na vida da criança.
“A produção neste campo é muito grande e nós, que estamos sempre fazendo pesquisas na área, sabemos que há um grande interesse de mercado envolvido. As editoras investem em títulos que tratam de temas da moda e a vendagem é certa. Há até livros feitos sob encomenda para atender demandas do tipo”, afirma.
Fala Sério!
Um dos fenômenos da última bienal foi a escritora Thalita Rebouças. Autora de títulos como Fala Sério! e Tudo por um Namorado, ela cansou o braço de dar autógrafos a adolescentes que se aglomeraram, quase todos os dias da feira, em frente ao estande da Editora Rocco. A linguagem empregada nos livros de Thalita corresponde a muitas expressões usadas pela garotada no dia-a-dia, o que contribui para uma maior identificação com as obras.
“A questão a ser colocada é que a obra literária não é apenas escrever um texto. As pessoas, muitas vezes, pegam fórmulas e começam a produzir a partir daí, criando estereótipos”, avalia Zaira. “O livro precisa ajudar a quem lê a entender o mundo, a ir além de onde o leitor está”, considera. “E a obra literária não pode dar ao leitor um aprendizado direto. Ela é plurissignificativa, permite trilhar diversos caminhos, apreender muitos sentidos. É assim que o leitor constrói o pensamento, encontra sua identidade, forma sua capacidade de argumentação e verbalização”, acrescenta .
O escritor Jacob Gomik, outro que foi bastante assediado por jovens leitores nos estandes da Bienal do Rio, acredita que o bom livro infanto-juvenil é aquele que tem o poder de empolgar quem lê. “A pessoa tem de sentir a necessidade de construir, de imaginar”, argumenta ele, que é autor de uma trilogia que tem como protagonista um menino chamado Bruno, lançada pela Rocco.
Ele alega que a atração por esse tipo de história é instintiva. “Depois que a criança é hipnotizada pelo livro, as portas se abrem, elas deixam de ficar intimidadas diante de uma livraria.” Jacob milita na ala dos que consideram que “toda literatura é boa”, mas não abre mão do conteúdo em suas obras. “O livro precisa ser educativo. É o melhor instrumento para passar noções de cidadania e isso é feito de uma maneira prazerosa e eficiente. Acho que os pais têm uma grande responsabilidade de apresentar a literatura aos filhos, levar o livro para dentro de casa. Vejo que o quadro, neste sentido, tem melhorado.”