Controle sobre a expansão

Jornal Tribuna do Planalto, 06/10/2007

Controle sobre a expansão

Hebert Regis

O crescente número de usinas em processo de instalação e o conseqüente incremento no plantio de cana-de-açúcar em Goiás estão levantando um debate em torno dos avanços do setor sucroalcooleiro no Estado. O governo goiano, inclusive, já criou um grupo destinado à avaliação da industrialização, que tem como foco a implantação das usinas. E já estuda regras para regulamentar a produção de álcool. Segundo o economista Sérgio Duarte de Castro, da Secretaria de Indústria e Comércio (SIC), que integra o grupo, há a necessidade de um marco regulatório, com a definição de um conjunto de regras e medidas capazes de amenizar o impacto do processo de instalação das indústrias e da expansão da cultura da cana-de-açúcar. "A plantação de cana ocorre em áreas consolidadas. É o zoneamento viabilizado pela própria iniciativa privada", explica.

Algumas medidas, motivadas pelas críticas da sociedade civil e entidades ligadas às áreas ambiental e trabalhista, já começaram a ser implantadas. Há dois meses, o governo estabeleceu, através de resolução do Produzir (Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás), a distância mínima entre as usinas instaladas no Estado, respeitando uma fórmula que considera o potencial de esmagamento de cada indústria. A movimentação do governo também se deve às medidas isoladas de alguns municípios, que visam frear o processo de expansão. Rio Verde e Mineiros, no sudoeste goiano, foram os primeiros a entrar na briga. Ambos já limitaram a plantação de cana-de-açúcar: 5 mil hectares, ou 10% do total das áreas cultiváveis.

Entre as propostas estudadas pelo governo está o estabelecimento de que ao menos 50% dos fornecedores das indústrias sejam de produtores. A medida visa evitar a concentração da produção nas mãos da própria indústria. A Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg) propõe que o índice seja de 70%. A medida foi baixada por decreto pela Prefeitura do município de Montividiu, no sudoeste goiano. A entidade teme que os produtores de grãos deixem de produzir para arrendar suas terras. Na área ambiental, o governo estuda estabelecer um conjunto de regras para a liberação da outorga da água.

Assim, as indústrias vão ter de obedecer a critérios como a reutilização da água da usina, instalação de barragens e o monitoramento do consumo e da qualidade da água. Esta mudança deve ocorrer no âmbito da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos.

Mão-de-obra
Outra medida importante diz respeito à exigência de mecanização da colheita da cana-de-açúcar destinada às indústrias que vierem a se instalar em Goiás. De acordo com Sérgio Duarte, a idéia é diminuir os efeitos das queimadas sobre o meio ambiente e coibir o fluxo de mão-de-obra sazonal para os municípios. "Goiás não possui mão-de-obra para a colheita manual. As indústrias precisam importar trabalhadores de outros Estados, o que aumenta, com o fim da colheita, os índices de criminalidade e problemas sociais nestas cidades", diz. A medida tende a contribuir também para coibir o uso de mão-de-obra em condições análogas ao do trabalho escravo. 

Em Goiás, Pontalina foi o primeiro município a regulamentar a questão, ao estabelecer que 70% da colheita de canas da região seja mecanizada. Hoje, segundo a legislação estadual, a indústria que se instalar no Estado tem até 20 anos para a mecanização da colheita. A intenção é que a mecanização de 70% da produção seja exigida já a partir da instalação da usina. A medida, no entanto, depende de aprovação na Assembléia Legislativa.

Para Sérgio Duarte, as discussões precisam ser articuladas entre várias instâncias do governo e da sociedade civil. Ele defende a realização de pesquisas visando um modelo de produção sustentável de cana-de-açúcar no Estado. Para tanto, ele vê a necessidade também de um trabalho articulado entre os vários órgãos de governo envolvidos no processo de aprovação das plantas das indústrias com planos de instalação no Estado. Duarte também se diz favorável aos incentivos fiscais para o setor. "Nenhuma indústria de cana-de-açúcar tem condições de se instalar em Goiás sem os incentivos fiscais", analisa, sinalizando que os incentivos também podem ser usados como forma de regular o setor, ao se estabelecer critérios para a instalação das usinas.

Saiba mais

Propostas para regulamentar o setor sucroalcooleiro

*Ao menos 50% dos fornecedores das indústrias sejam de produtores, e não da própria indústria. A Faeg propõe o aumento deste índice para 70%, como acontece atualmente no município de Montividiu, no sudoeste goiano;

*Regras para liberar a outorga da água, como a reutilização da água da usina, instalação de barragens, e o monitoramento do consumo e da qualidade da água. Precisa apenas de uma regulamentação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh)

*Exigência mínima de 70% da mecanização. Esta medida evitaria a poluição com as queimadas para as colheitas, e diminuiria o fluxo de mão-de-obra sazonal para os municípios. A legislação estadual permite que as indústrias mecanizem a sua colheita em um prazo de 20 anos a partir da sua instalação. 

Fonte: Secretaria da Indústria e Comércio (SIC)

Implicações da vocação à cultura
A expansão da cana-de-açúcar em Goiás foi o foco do 2º Fórum de Ciência e Tecnologia do Cerrado, realizado na sexta-feira, 5, no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), organizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Uma das participantes do evento, a pesquisadora do Instituto de Estudos Sócio Ambientais (Iesa/UFG) Selma Simões se mostrou preocupada com o crescimento acelerado do cultivo de cana-de-açúcar em regiões específicas do Estado. Segundo a pesquisadora, cerca de 200 mil quilômetros quadrados – 60% do território goiano – possuem características adequadas para o plantio de cana-de-açúcar – terras com baixos declives, o que favorece a mecanização, solos favoráveis e água em abundância. "Cerca de 95% das usinas de álcool estão instaladas no Centro-Sul goiano", diz.

O setor de contabilidade do Ministério Público Estadual indica que há em Goiás, com base em listas de órgãos governamentais, 74 usinas instaladas. Outras 36 estão em processo de análise. Ou seja, em breve, o número de usinas voltadas à produção de álcool e açúcar em Goiás chegará a uma centena. Em 2005, havia no Estado 20 usinas. Segundo Selma Simões, inicialmente não houve o aumento de desmatamento, mas já é possível constar a substituição de culturas pela de cana-de-açúcar. As plantações de cana-de-açúcar substituíram as áreas tradicionalmente destinadas à produção de pastagens e de grãos. Assim, há, segundo a pesquisadora, a tendência de que ocorram novos desmatamentos para o cultivo das culturas que acabaram empurradas pelo avanço da cana.

A implantação de usinas, segundo a pesquisadora, orienta-se por paisagens ambientais e socioambientais das regiões, concentrando-se no que hoje se configura como um eixo referencial – principalmente às margens da BR-153, e das GOs 060, 364 e 452. "Trata-se de um zoneamento induzido, pautado pela potencialidade econômica. A geografia das usinas mostra a seleção das melhores áreas de cultivo", analisa.

Cartilha
Em agosto, a Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg) publicou uma cartilha com recomendações aos agricultores sobre como proceder frente à expansão cana-de-açúcar no Estado. O documento critica principalmente a geração de empregos sazonais e a baixa remuneração pelas usinas aos produtores. Segundo o assessor técnico da Faeg Edson Novaes, a cartilha não tem a intenção de impedir o crescimento da cana-de-açúcar, mas, sim, incentivar um crescimento ordenado, com acompanhamento específico, para que o setor não desrespeite as legislações ambiental e trabalhista.

O documento, no entanto, sugere que o poder público dê prioridade de incentivos às indústrias que optem por se instalarem em regiões onde não houve uma acentuada expansão do setor, como o norte e nordeste goianos. Para o presidente do Sindicato da Indústria da Fabricação do Açúcar e do Álcool do Estado de Goiás (Sifaeg), André Luís Rocha, o governo não pode limitar a instalação de usinas e a plantação de cana-de-açúcar no Estado. "Esta é uma medida inconstitucional", argumenta. Ele, no entanto, vê com bons olhos a criação de mecanismos, como o incentivo fiscal, para atrair usinas para determinadas regiões e mesmo para viabilizar a plantação de outras culturas, frente à cana-de-açúcar.