Vice-presidente do CNPq diz que universidade precisa voltar a pensar
Portal Andifes, 08/10/2007
Vice-presidente do CNPq diz que universidade precisa voltar a pensar
Em entrevista, a professora Wrana Maria Panizzi lança pontos para reflexões
Ela prefere não apresentar seus títulos. Wrana Maria Panizzi resume toda a sua vida acadêmica como professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, reitora por dois mandatos da mesma instituição, ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior e atual vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A professora esteve na Universidade Federal de Juiz de Fora para proferir palestra no XIII Seminário de Iniciação Científica, promovido pela Pró-reitoria de Pesquisa e concedeu entrevista à Diretoria de Comunicação.
DC - Quais são os reflexos das pesquisas realizadas pelas universidades
públicas para o país?
Professora Wrana - Dentro e nesse tempo do conhecimento, sem dúvida nenhuma, que ter idéias, e produzir um conhecimento possibilita você agregar o valor as coisas e o valor, inclusive, de gerar riqueza material e moral para os países e para as nações. Então, nesse tempo em que o conhecimento é expressão de poder, digamos assim, você tem a possibilidade de ter cada vez mais acesso a essa produção, que é feita especialmente nas universidades, é o que vai garantir o nosso desenvolvimento, portanto a pesquisa, no nosso modo de ver, e penso que não só no modo de ver das instituições que fomentam a pesquisa ou das próprias universidades, mas eu acho que a sociedade se dá conta de que nós atingiremos o desenvolvimento se formos capazes de valorizar aquelas atividades que produzem o bem maior da sociedade contemporânea que é o conhecimento e formação de recursos humanos qualificados. Portanto as pesquisas têm sido estratégicas para o desenvolvimento e penso também que as universidades têm dado um salto extremamente importante, isso já vem de alguns anos, eu diria que de uns cinco, 10 anos, talvez. No sentido de criar e de estabelecer mecanismos de interlocução maior da universidade com a sociedade, buscando a transferência, chamada instalação de instrumentos, digamos assim, de instrumentos institucionais também e de criação, inclusive, de instâncias institucionais que possibilitem a transferência do conhecimento produzido na universidade para com a sociedade. A universidade é aquela instituição que preserva os valores, a cultura, enfim, a nossa história, as nossas coisas, eu diria assim; ao mesmo tempo que ela tem uma segunda grande função, que é a função mediadora, de mediar a sua relação de universidade - políticas públicas e sociedade; então, na medida em que ela estabelece a relação com a sociedade, ela consegue também responder melhor a isso. Assim, ela cumpre melhor também a sua terceira grande função, que é ser antecipadora, estar à frente de seu tempo, pensar um pouco mais longe. Então, eu vejo como um momento importante que nós estamos vivendo e um momento de conscientização e de um estabelecimento, eu diria mesmo, de um novo contrato social a partir dessa relação entre ciência e sociedade, entre universidade e sociedade, que se estabelece cada vez mais.
DC - Como estimular professores de todas as áreas a fazer pesquisa?
Professora Wrana - É uma grande tarefa dos dirigentes estabelecer um projeto orgânico de educação. Isso não é fácil. Ele demanda tempo, esforço, dedicação no sentido de fazer com que a comunidade acadêmica, professores, técnico- administrativos e estudantes possam se articular e se estabelecer num contexto de um projeto político-acadêmico institucional. E na medida que isso acontece, todas áreas se integram aos poucos. Precisamos discutir em que sociedade nós estamos. Para que formar? Para que fazer? Para que sociedade? Quando nós internalizamos essas questões, vamos ver que não podemos mais formar e fazer ensino dissociado de pesquisa e ultrapassar aquilo que os estatutos e regimentos estabelecem que a universidade trabalhe com ensino, pesquisa e extensão de forma interdisciplinar e indissociável. A prática demonstra que nem sempre é bem assim. Agora, como promover isto? Olhando para o mundo lá fora. O que acontece lá fora é um pouco além do horizonte que nosso olhar alcança. Aquilo, em termos internacionais que faz com nós tenhamos que mudar, não para nos adaptarmos a um modelo internacional predominante, mas para que, ao analisar as demandas do processo de internacionalização, a gente possa preservar a nossa identidade. Acho que cada universidade precisa manter suas raízes e seu vínculo com a sua comunidade, sem perder sua dimensão de universalidade, o que a caracteriza como instituição de ensino superior.
DC - Qual seria o papel do CNPq nesse processo?
Professora Wrana - Bom, o CNPq tem tido historicamente, nos seus 50 anos, o papel de fomentar a formação de recursos humanos altamente qualificados. Acho importante que a gente forme pessoas e amplie o acesso, porque hoje nós sabemos que ainda vivemos em um país onde 12%, mais ou menos, segundo dados do INEP, da população de 18 a 24 anos freqüenta uma universidade, um ensino superior, que é um percentual muito aquém daquilo que acontece na própria América Latina. Muito aquém inclusive, evidentemente, dos países do outro lado do planeta. É preciso, portanto, ampliar, expandir a possibilidade, o acesso à universidade; mas, sobretudo, eu acho que uma grande preocupação que nós devemos ter e é uma preocupação que está muito presente nas ações do CNPq , que é com a qualidade, e a qualidade significa você poder formar as pessoas, para que as pessoas possam responder as demandas da sociedade brasileira e latino-americanas mais imediatas, mas responder aquelas que estão mais distantes, porque para poder acompanhar o que acontece na fronteira do conhecimento.O papel do CNPq é fomentar a preparação de recursos humanos altamente qualificados, através do incentivo à pesquisa associado com a possibilidade de você aprofundar os estudos com a pós-graduação, doutorado etc, mas essa é uma função mais específica da CAPES, então, CNPq e CAPES se complementam nesse tipo de atividade no sentido de nós nos preocuparmos em responder duas grandes perguntas que estão postas hoje para as universidades: 'universidades para quem?' e 'universidades para quê?', e também no sentido de ela permitir com que o nosso país se desenvolva de tal forma
que possa falar de igual para igual com o resto do mundo.
DC - A senhora avalia que as universidades conseguem acompanhar a
transformação da sociedade?
Professora Wrana - Os desafios são muito mais intensos hoje. Vivemos numa sociedade que globalizou a vida, o trabalho e portanto precisamos olhar para fora. Vivemos uma época de profunda urbanização, talvez desigual, com predomínio da cidade. Num novo padrão demográfico. As pessoas vão viver muito mais e temos muitos jovens. Veja o tamanho do desafio que nós temos como incorporar os jovens que aí estão no mundo do trabalho? No mundo social. Eu diria que nós vivemos o tempo do conhecimento, de um conhecimento que se reproduz com uma rapidez estrondosa, ou então, como acompanhar isso. E de um processo de profunda internacionalização da educação, da cultura e dos processos de produção da pesquisa. Isso tudo faz com que a universidade, cada vez mais, tenha que olhar para fora. Eu acho que temos dois desafios: olharmos para fora para vermos o que acontece aqui dentro e talvez a gente tenha que ter a coragem de rever nosso projeto pedagógico-acadêmico. Tenho dito, como professora, que temos um esgotamento do nosso projeto pedagógico-acadêmico. Não se ensina, não se aprende mais como no se fazia passado. Qual a nossa forma de fazer com que o aprendizado se dê de forma permanente?
DC - Como fazer para se formar um cidadão inteligente e não apenas um
profissional competente?
Professora Wrana - Para mim, a Universidade precisa voltar a pensar. O que significa voltar a pensar? Ensinar a pensar não se faz no Strictu Sensu da palavra. É possibilitar todo um conjunto de atividades e fazer com que a universidade seja aquele centro de reflexão, de posicionamento, de discussão, que promova aprendizagem como um processo permanente, o famoso aprender a aprender, que desenvolva competências não só as profissionais, mas também as competências sociais, participativas, metodológicas e, ensinar a pensar. Nossos jovens têm que ter a consciência que deverão aprender sempre, porque a aprendizagem é um processo contínuo e talvez nossos projetos acadêmicos precisam ser revistos em função de nós trabalharmos com um modelo que anseia responder as nossas necessidades e demandas mais imediatas, sendo elas, muitas vezes, efêmeras. Precisamos responder as demandas imediatas, mas precisamos de um maior prazo, precisamos sim, fazer com que as pessoas possam se inserir no mundo do trabalho e no social hoje, mas daqui a 10 anos e com as mudanças é preciso que isso seja repensado e que as pessoas tenham capacidade de se mudar continuamente.Talvez os jovens de hoje, diferente de nossa geração, não terão um emprego esperando, talvez tenham que criar seu próprio emprego e não terão apenas um emprego. Então, acho que a universidade precisa também voltar a se politizar no sentido mais amplo da palavra. Talvez vivamos um tempo em que as universidades tenham se partidarizado e se despolitizado. Penso que a universidade precisa se politizar novamente,
e isso significa olhar para o que acontece lá fora e ser uma referência na sociedade. A sociedade olha para as instituições educacionais, especialmente para as universidades, buscando um posicionamento exemplar e uma referência. Nós vivemos um tempo em que as pessoas precisam de uma referência e essa referência no tempo do conhecimento deve ser a universidade.
DC - Como fica a eficácia da universidade pública no atual contexto?
Professora Wrana - Acho que as políticas públicas tem na sua retórica uma valorização das instituições públicas, entretanto, se olharmos nosso país, o avanço das instituições privadas, veremos que isso é crucial. Nos anos 90, isso foi incentivado e agora também. As políticas públicas devem fortalecer as instituições e a universidade pública, preservando assim, sua autonomia e que ela reveja seu projeto acadêmico. E talvez eu seja um pouco caústica. Não é a reforma universitária, pura e simplesmente, que vai promover as transformações que a universidade precisa passar para poder atender às demandas da sociedade. Esse é um desafio para o governo e para nós. Temos que refletir sobre a universidade que queremos, bem como fazer com o governo e as instâncias públicas se perguntem que papel temos para a universidade como projeto de nação? E mais, a grande pergunta, qual nosso projeto de nação?
DC - É essa a visão de futuro que a senhora tem das IFES?
Professora Wrana - É essa que eu espero que a gente possa construir. E aí existem três questões a serem avaliadas. Discutir a questão da autonomia da universidade com compromisso social. A autonomia da universidade é muito mais do que distribuir os recursos, do que ter acesso a orçamentos, do que poder fazer concurso. É fazer com que a Universidade exerça seu papel e seu compromisso com a sociedade a longo prazo, portanto, que tenha visões de estado e de sociedade efetivamente. Segundo, formação e projeto acadêmico. Nós temos que ter a preocupação não de preparar a pessoa para que ela encontre um trabalho amanhã, mas que encontre um trabalho, permaneça e se integre na vida social de forma mais permanente. Por fim, sua gestão e sustentabilidade. Uma universidade não pode ser pensada e sua administração não pode ser feita como uma organização qualquer ou como parte do sistema produtivo. Ela tem de ser considerada como uma instituição. E como tal, é fundante também da sociedade.
(Fonte: Diretoria de Comunicação da UFJF - Jornalista Vera Hotz)