'O Brasil caminha no bom sentido na área da ciência'

O Estado de São Paulo, 10/10/2007

'O Brasil caminha no bom sentido na área da ciência'

Andrei Netto, Paris

Entrevista

Albert Fert: Vencedor do Nobel de Física de 2007

O físico francês alerta para a dificuldade de se fazer pesquisa por causa da falta de dinheiro, mesmo em países como a França

Um silêncio reverente toma a sala em que um vencedor do Prêmio Nobel de Física concede a entrevista coletiva. A sensação é de que toda pergunta será vista como frugal por um gênio.

Ontem, na sede do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), de Paris, coube ao francês Albert Fert, de 69 anos, estimular perguntas, fazer brincadeiras, quebrar o gelo e lembrar a todos que a ciência é feita por pessoas comuns e, mais importante, para pessoas comuns.

Pesquisador da Universidade Paris-Sul e diretor científico da Unidade de Física do CNRS, Fert soube do prêmio via celular - aparelho que só existe tal como o conhecemos graças à descoberta da magnetorresistência gigante (MRG), fruto da pesquisa dele e do alemão Peter Grünberg na década de 1980.

O estudo abriu caminho para a popularização de laptops, celulares e gravadores digitais, como o que registrou a entrevista abaixo, concedida ao Estado na tarde de ontem.

O senhor ganhou um Prêmio Nobel. Como um cientista recebe a notícia dessa distinção?

Pensava ter uma chance em cinco ou dez de receber a premiação. Quando senti o telefone vibrar no bolso, deixei a sala de reunião. Percebi que se tratava de uma ligação da Fundação Nobel. Faltavam 15 minutos para a divulgação oficial, então senti que poderia ser algo. Mas esperei para ouvir, até porque não era fácil entender o sotaque sueco. Quando fui informado, me senti recompensado. Quando comecei a pesquisar, não tinha tanta confiança em mim. Sempre pensamos que tudo está feito, e, de repente, vemos que há muito a ser feito. É fantástico.

Pesquisadores brasileiros trabalharam em seu laboratório na época da descoberta da MRG. Qual foi a contribuição deles?

Um dos que estiveram em nosso laboratório, Dante Mosca (hoje professor da Universidade Federal do Paraná), assinou um dos artigos mais citados pela comunidade científica. Tivemos vários bons pesquisadores brasileiros. Mario Baibich (leia ao lado), por exemplo, era pós-doutorando da equipe à época da descoberta da MRG e é também um dos signatários do artigo do prêmio. Paulo Pureur Neto (hoje na Universidade Federal do Rio Grande do Sul) é outro. Sei que Dante Mosca tem ótimas idéias, mas sei também que ele precisará de muita sorte. Curitiba não é um grande centro para desenvolvimento da pesquisa.

Por quê?

A pesquisa em física se torna cada vez mais cara em todo o mundo. O que é difícil para países ricos é ainda mais para os outros países. Mas o Brasil é uma nação que caminha no bom sentido. Claro que a competição com Estados Unidos ou Japão é muito difícil. Nós, na França, temos dificuldades de competir com os japoneses, por exemplo.

O senhor imaginava que sua invenção poderia ter o uso que tem?

Quando vejo alguém usando um aparelho na rua que foi desenvolvido graças a essa descoberta, acho divertido. Há alguns anos, algo como esse aparelho era apenas uma cogitação de espírito, uma teoria que poderia se concretizar. Mas é passado. O futuro é mais excitante.

Qual a próxima etapa?

Há novas direções de pesquisas que me parecem promissoras, mas vamos ver depois as suas aplicações. Não podemos dizer, no domínio da física, que existe uma linha reta de uma pesquisa a um resultado. Na ciência, é preciso evitar as falsas pistas.

Essas novas direções envolvem a Nanotecnologia?

A Nanotecnologia na realidade é uma ferramenta. Com ela, podemos recompor moléculas e camadas metálicas, por exemplo, para obter efeitos específicos. Podemos imaginar alguns resultados possíveis na fabricação de materiais, de estruturas artificiais. Ela nos dá poder à imaginação, mas ainda com limites. Ainda não podemos ir além do tamanho nanométrico, o que é um limite físico.

Na linha de sua pesquisa premiada, o que podemos esperar da física para breve?

A tecnologia dos computadores ainda vai se valer de outros progressos, como um novo tipo de RAM magnético. O MRAM vai criar um grande impacto sobre a tecnologia dos computadores. Não correremos mais o perigo de perder informações de maneira tão freqüente. Nas comunicações, há uma série de progressos que tornarão a vida mais fácil nos próximos anos. A pesquisa não vai parar porque é importante para a economia. Na França, temos deficiências quando comparados a países como a Alemanha. Temos grandes e tradicionais indústrias, mas ainda vivemos um certo retardo em relação às indústrias de alta tecnologia. Portanto, há espaço para jovens pesquisadores, não apenas no meu país.

Quem é:

Albert Fert

Físico francês e professor da Université Paris-Sud, em Orsay, na França

É diretor da Unidade Mista de Física do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS/Thales)

Nasceu em 1938, na cidade francesa de Carcassonne. Em 1988, descobriu os efeitos da magnetoresistência gigante (GMR) em multicamadas de ferro e cromo