Ao mestre com carinho?
Jornal Tribuna do Planalto, 11/10/2007
Ao mestre com carinho?
Maria Cristina Furtado A maçã vermelha e vistosa, antes o símbolo da troca de carinho entre quem ensina e quem aprende, hoje está murcha e descorada. Casos de desrespeito e até mesmo violência ao professor praticada por alunos mostram que a autoridade do mestre está em crise. É também na escola que alunos e professores acabam refletindo o que vêem em casa e na rua. "Estamos vivendo uma época de muita violência, de desrespeito humano. A escola é uma instituição social e acaba tendo todos os problemas que a sociedade vive", afirma a professora de Pedagogia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Noêmia Lipovetsky. Dura realidade Professor: segunda opção Imagem negativa Preparação e soluções Profissão de fé Atenção e carinho
Em "A Crise na Educação", a filósofa Hannah Arendt já analisava, há 15 anos, a perda da autoridade do docente como reflexo da mudança de valores, como o conceito de família. "A crise da autoridade na Educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição", ressalta em parte do texto. Para a filósofa, o ofício de educador é mediar o velho e novo, exigindo deste profissional uma grande estima pelo passado. "É de sobremodo difícil para o educador arcar com esse aspecto da crise moderna", complementa.
Alguns números divulgados na pesquisa "Violência nas Escolas", realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), são alarmantes. Num questionário sobre apreço pelos alunos respondido pelos membros do corpo técnico-pedagógico das escolas em Goiás, 95% dos entrevistados disseram que desapreciam os alunos e indicaram o desinteresse dos estudantes como um problema. No Distrito Federal esse desapreço chega a 100%. "São números escandalosos. Esses profissionais estão fazendo um trabalho que não gostam. Isso é uma violência interna que se reflete em violência externa", enfatiza Eliana França, ex-secretária de Educação de Goiás e membro do Conselho Estadual de Educação.
Além da sociedade refletir na escola os problemas por que vem passando, a origem da crise da autoridade dos docentes permeia por diversos aspectos. Um deles, explica Eliana França, é a depreciação social que a profissão tem sofrido, segundo ela, desde a década de 1960. "Essa desvalorização provoca um sentimento de não-profissionalismo, como se o professor estivesse ali apenas cumprindo uma tarefa e não se sente responsável pelo resultado, pelo êxito", explica.
A falta de afinidade com o curso de licenciatura acaba resultando na formação de profissionais insatisfeitos com a área de atuação escolhida. Nas universidades, cursos como Direito, Medicina e Engenharia são considerados "nobres" por terem um processo seletivo mais concorrido.
Segundo a professora Noêmia Lipovetsky, na maioria das vezes a licenciatura ou o Magistério é a segunda ou a única opção para algumas pessoas terem um curso superior. "Pelo menos em Pedagogia, onde dou aula, muitos alunos declaram que se pudessem fariam outras graduações. Claro que alguns acabam descobrindo esta afinidade", conta.
A imagem que a sociedade tem do Magistério hoje é de desprestígio, má remuneração e muita frustração. "Hoje muitas famílias pedem para os filhos não fazerem licenciatura, alegando que vão ganhar mal e trabalhar muito", diz Noêmia. E essa mudança de mentalidade em relação ao trabalho do docente não é recente nem ocorreu de uma hora para outra.
Com a chegada das primeiras escolas ao Brasil, ser professor era sinônimo de um status tão grande que se assemelhava à figura do juiz, do padre ou de autoridades importantes como o prefeito. Naqueles tempos só freqüentavam escolas ou tinham acesso ao ensino os filhos da burguesia. "Quando a escola se popularizou e se abriu para o filho do trabalhador, a profissão foi perdendo o glamour", ressalta a professora.
Os cursos de formação de professores não são uma injeção de ânimo para quem vai, literalmente, enfrentar uma sala de aula num futuro muito próximo. "A formação não prepara ninguém para lidar com uma sala de descontentes", enfatiza Eliana França. Nestes cursos, segundo a professora Noêmia, as situações atuais são apresentadas e há uma preparação para os futuros docentes aprenderem a lidar com situações adversas. "Não temos o objetivo de motivar esses alunos-professores. Os chamamos para a luta, para uma tentativa de transformar essas relações da sala de aula", diz.
Para Eliana, a saída para tantos problemas que os profissionais da Educação enfrentam hoje passa por três pilares: questões salariais, profissionalização e compreensão da execução do seu trabalho.
Mas se para alguns professores há dúvidas ou faltam motivos para comemorar o dia 15 de outubro, para dona Maria Brandão não há do que reclamar. Ela começou a carreira de educadora na rede pública aos 17 anos no Colégio José Carlos de Almeida, antigo Colégio Modelo de Goiânia.
Estudou no Colégio Santana, quando a Cidade de Goiás ainda era a Capital do Estado. "Era um internato de freiras que não usava a palmatória, um grande avanço para a época. Não posso reclamar, fui muito feliz lá", relembra.
Hoje, aos 84 anos, dona Maria Brandão ainda cuida pessoalmente dos alunos de sua escola – o Educandário Goiás – e mostra que é possível ter amor pela profissão de educador. Ao chegar à escola, todos os dias, a criança logo vê na entrada uma senhora de cabelos já grisalhos, com algumas rugas na face e sempre com um belo sorriso. Ela recebe cada um deles com um beijo no rosto. No pátio, antes do início das aulas, todos se reúnem para fazer uma oração coordenada pela vovó Maria.
Dona Maria chega ao educandário por volta das 9 horas da manhã, sai para o almoço às 11 h e retorna ao meio-dia para receber os pequenos do turno vespertino. E de onde vem toda essa energia? A resposta está na ponta da língua. "Vem daqui, de cuidar desses meninos, eu adoro isso aqui", diz abraçando alguns alunos que pediam sua atenção.
As duas colegas da 4ª série Érika Vilefort e Vitória Reis, ambas com 9 anos, procuravam pela vovó Maria nos corredores da diretoria. E o fato é comum entre os alunos. "Eu gosto dela porque ela brinca com a gente, é muito carinhosa. Ela também é brava, mas só quando a gente faz alguma coisa errada", conta Érika. Já Vitória lembra de uma outra atribuição de dona Maria. "Quando a gente machuca, ela que cuida, dá remédio", diz.Segredo de família
As palavras de dona Maria, como é chamada pelos adultos, ou vovó Maria, privilégio das crianças, mostra que ser professor não é apenas ter um diploma de nível superior ou ter conhecimento acadêmico para estar numa sala de aula. "É mais que isso, é gostar do que faz, estar aberta a receber e doar, e principalmente, saber ouvir o que a criança ou o adolescente tem a dizer", ressalta Mariza de Sousa, diretora da escola e filha de dona Maria.
O amor pela Educação veio de casa. "Aprendi com minha mãe a saber ouvir". Mariza confessa que, no começo de sua carreira profissional, não queria trabalhar com adolescentes. Hoje sua sala está sempre aberta e os alunos entram em saem com freqüência, nem que seja para dar um 'bom dia' e um beijo. Aprendeu com sua mãe que o segredo para se ter o respeito e a amizade de crianças e adolescentes é saber escutar o que ele tem a dizer. "Amor e respeito não se impõe, se conquista. Você tem que ter a confiança deles. Não é só dizer que fez algo errado, tem que explicar porque foi errado, com muito diálogo e paciência", ensina.