Infância roubada no mundo do consumo
Jornal O Popular, 16/10/2007
Infância roubada no mundo do consumo
Silvia Rosa Silva Zanolla
Outubro é considerado o mês das crianças. Neste período fica mais fácil observarmos alguns valores construídos a partir do que a sociedade hoje entende por infância. São vários os brinquedos, mas ultimamente aqueles mais adultizados são os que mais chamam a atenção: a sandalinha de salto acompanhada pelo estojo de maquiagem, as bonecas maquiadas e vestidas à moda de mulheres sensuais, eletrodomésticos em miniatura, jogos eletrônicos e seus CDs com conteúdos violentos, roupas que imitam as de artistas famosos e por aí afora. Toda essa oferta de valores sociais e culturais, de uma só vez para o Dia das Crianças, nos faz questionar sobre onde está a infância de outrora, ou melhor, se é possível falar em infância.
Onde estão as crianças que brincavam de casinha, pique, roda, esconde-esconde, cabra-cega e subiam em árvores? Onde estão o biloquê, as estradinhas e cidades construídas nos quintais? Temos saudades até do perverso e velho estilingue que descobrimos ser inocente perante o personagem infantil do filme Naruto, em que o filho mata o pai e a mãe. Por que cada vez mais as crianças preferem ficar horas na frente do computador ao invés de ler um bom livro infantil ou infanto-juvenil?
Para entender esse momento de transição, de mudança e perda de valores, é preciso um olhar minimamente crítico e cuidadoso para que não incorramos em preconceito e proselitismo. Não se trata de saudosismo, de cultuar um tempo que já se foi, nem tampouco de atribuir culpa ao mundo informatizado. Trata-se de pensar as conseqüências da formação que a sociedade está oferecendo às crianças, e a responsabilidade de educadores, escolas, meios de comunicação e indústria cultural.
Pelo que apresenta grande parte da indústria do consumo, não há preocupação com a formação e o desenvolvimento saudável das crianças. Assim, é preciso que pais e educadores se disponham ao seu papel por direito e responsabilidade; é preciso que estejam atentos quanto às armadilhas apresentadas pelo mundo encantado oferecido todos os dias aos seus filhos e alunos. Basta um mínimo de reflexão, por exemplo, para tentar entender quais seriam os danos a uma criança de 3 anos que usa um sapato com salto – como isso poderia prejudicar o seu desenvolvimento motor? E, ainda, se perguntar por que algumas bonecas se vestem tão eroticamente. Também vale a pena insistir com as crianças para que leiam, saiam da frente do computador, conversem com os colegas sobre coisas triviais, se encontrem com amigos. Chegamos a um ponto em que as crianças estão tão alienadas da socialização saudável que parece aos pais quase impossível mudar esse comportamento mimetizado, da criança informatizada.
Não se trata de condenar totalmente o mundo virtual, mas de chamar a atenção para um aspecto perigoso: a dependência que provoca o isolamento e a falta de sociabilidade afetiva. Comunicar-se pela internet é uma forma prática e rápida de manter contato sem se comprometer diretamente. Mas o custo desse benefício começa a aparecer de maneira dramática: a dependência, a ansiedade, o estresse, os trabalhos escolares copiados que embotam a criatividade, e, sobretudo, o isolamento.
A infância é um momento fundamental na constituição da personalidade do ser humano. É nesse momento que ele adquire condições psíquicas e estruturais para lidar com a sociedade, com a vida. Parece óbvio, mas é preciso que os educadores estejam mais atentos e críticos em relação às interferências do mundo que cerca a infância. A mensagem pode ser simples, mas atualmente não é muito perceptível: aquilo que parece inocente ao mundo do adulto, não passa despercebido à complexa inocência do mundo da criança.
Silvia Rosa Silva Zanolla é professora da Faculdade de Educação da UFG