Vida urbana cotidiana e suas contradições
Jornal O Popular, 21/10/2007
Vida urbana cotidiana e suas contradições
Lana Cavalcanti
A grande maioria das pessoas vive nas cidades, em todas as partes do mundo, razão pela qual os governantes, os responsáveis pelas políticas sociais e os movimentos sociais preocupam-se com a qualidade da vida urbana. E Goiânia é freqüentemente lembrada como cidade com qualidade de vida. Mas, será que essa idéia corresponde à realidade? Será que efetivamente Goiânia destaca-se como um lugar com essa característica? Essa resposta não é simples, inclusive porque ela depende do ponto de vista da análise: o que é qualidade de vida? Qualidade de vida para quem? Para quê?
Atualmente, Goiânia e sua área metropolitana estão incluídas nos circuitos nacionais e mundiais do capitalismo, exercendo influência no Estado e em municípios dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Pará e Tocantins, dentre outros. Sua consolidação como pólo urbano regional está ligada à sua condição de capital administrativa, à sua produção industrial (indústria de produtos alimentícios, construção civil, confecções de roupas, calçados), à oferta de comércio e serviços (comércio varejista e atacadista de roupas, calçados, artesanato, além de serviços especializados, como os de saúde, educação e turismo). A par disso, o espaço interno da cidade, como sabemos, desde sua fundação, tem tido um crescimento intenso, com expansão horizontal e vertical de sua malha urbana.
Aspectos da cidade são utilizados com freqüência para designá-la: cidade ecologicamente correta; cidade muito arborizada; cidade boa para se viver cotidianamente, com ruas largas e espaços planejados; cidade tranqüila e de convivência familiar próxima, que agrega de um modo peculiar aspectos da cultura agrária, provinciana, com aspectos de uma cultura urbana globalizada. Por outro lado, é tida também como uma cidade com evidentes problemas de trânsito, com uma estrutura mal planejada e pouco eficiente de transporte público; muito verticalizada e com uma periferia dispersa; com altas taxas de violência, falta de segurança pública e graves problemas ambientais.
Na sua dinâmica, alguns lugares vão se valorizando rapidamente, enquanto que outros vão se produzindo de modo precário, o que, conseqüentemente, direciona a tão apregoada qualidade de vida da cidade de Goiânia apenas para certa parcela de seus habitantes. Esses diferentes e desiguais lugares estão expressos na paisagem de Goiânia, como, por exemplo, nas regiões sul/sudeste e a noroeste de Goiânia. A primeira, onde estão os Setores Bueno, Oeste, Marista e Jardim Goiás, concentra áreas com moradias de alto padrão, articuladas a áreas onde se exercem atividades comerciais e de prestação de serviços mais sofisticados, especializados e mais eficientes, como: restaurantes, clínicas, escolas, loja de vestuários, equipamentos urbanos (parques, praças, shopping centers, etc.) e serviços públicos (limpeza, coleta de lixo, segurança, etc.). A segunda é local de residência de populações mais carentes, que vivem à margem do mercado, com reduzida oferta de serviços públicos.
Essa realidade complexa e contraditória demanda por serviços públicos e políticas sociais que garantam para Goiânia um ambiente mais pleno de vida coletiva, onde esteja mais assegurado o direito à cidade. Os gestores precisam, assim, viabilizar, permitir e incentivar essa vida coletiva, orientar as pessoas para a coexistência humana. Por isso, nas políticas de gestão urbana, são necessários projetos de formação dos seus cidadãos, que permitam a eles conhecer mais profundamente o espaço de sua vida cotidiana, para que contribuam para a busca da superação de seus problemas com base em objetivos sociais e políticos efetivamente mais democráticos, com maior participação e inclusão sociais.
Lana Cavalcanti é professora do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG