O acervo do MAC e o mecenas oculto

Jornal Diário da Manhã, 21/10/2007

O acervo do MAC e o mecenas oculto

Em meados de 1999, presidindo a ainda Funpel, Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira, já depois de realizado com sucesso o I Fica e iniciando uma gestão que visava, naquele momento, estimular a todas as manifestações culturais possíveis, seguíamos ainda no aprendizado do ofício para o qual nos dedicaríamos, sem saber, pelos próximos oito anos. Pautas, atendimentos, reuniões mil com nossa equipe, eis que um belo dia entra na sala da presidência um robusto senhor de voz extremamente grave e brejeira, estranho por demais à minha infinita ignorância da vida administrativa goiana.

Pediu licença, adentrou, e foi logo dizendo sem rodeios: “Você não me conhece, mas eu sou o liquidante da Caixego e vim aqui te fazer uma oferta, pois tô enxergando um trabalho promissor nessa área”. Fiquei meio assustado, pois nos acostumamos a todos os tipos de idéias e ofertas geniais que sempre nos chegavam aos borbotões. Prosseguiu... “Vou mandar pra Funpel uma remessa grande de livros do acervo da Caixego, principalmente de Direito, e passar definitivamente pra Fundação todo o acervo de obras de arte da Caixego pra ficar no Museu de Arte Contemporânea.” Sorri, uma vez que praticamente todo o acervo de nosso museu era, de fato, em sua maior parte, da Caixego, e com aquela atitude poderíamos começar a pensar em ter um acervo próprio. Já pensávamos em reformar todo o primeiro andar do Parthenon Center e dar ao MAC uma cara de Museu Contemporâneo, desta vez com um acervo próprio.

O senhor em questão com aquele vozeirão que o caracteriza continuou a conversar e senti que havia ali uma sensibilidade maior que o corpo, mais ampla que o tom da voz, mais goiana que poderia imaginar, nuance escondida no rincão goiano em que é preciso conhecimento para saber traduzir. Havia mais: uma amizade promissora, daquelas que caem do céu no colo dos bem-intencionados. O acervo de livros veio e foi. Foi emprestado para a UEG visando melhorar sua biblioteca para a avaliação do MEC que se aproximava e seria importante para o processo. As obras foram para o acervo do MAC, somando-se a outras obras que estavam espalhadas por secretarias e órgãos de governo. O governador Marconi Perillo apoiou nosso pleito de recolhê-las ao museu, onde deviam estar, exceto as que haviam sido adquiridas pelos próprios órgãos. O acervo aumentou consideravelmente em quantidade e qualidade. Mas não parou por aí...

Dois anos depois, já em dívida com o referido amigo e colega de governo, dívida, aliás, nunca paga, veio a liquidação do BEG. Junto com Valdin Rosa, lá estava ele, fazendo parte de uma competente turma de administradores. Pensei: com esses dois nem vai ser preciso pleitear nada. Não deu outra, o acervo veio direto para o Museu de Arte Contemporânea pertencente à nova Agência de Cultura do Governo do Estado, a Agepel. Além disso, ganhamos também o restauro necessário a algumas obras. E vieram todas as referências importantes de nossa arte, sempre de excepcional qualidade.

Assim, o Museu de Arte Contemporânea, que hoje ocupa um belo espaço no Centro Cultural Oscar Niemeyer, iniciou a formação de um acervo que necessita ainda de expansão em níveis nacional e internacional. O MAC conta hoje com amplo espaço, duas galerias, reserva técnica e um acervo próprio que serviu para abrilhantar sua inauguração em 2006. Acervo este que não seria possível sem as ações benevolentes de um mecenas oculto de nome José Taveira Rocha, um cara que, por essas e outras, passou definitivamente a “morar na geografia sentimental de nossos corações”.

Nasr Fayad Chaul,
professor titular em História da UFG, doutor em História pela USP, compositor e ex-presidente da Agepel