Trilha sensitiva

Jornal Tribuna do Planalto, 27/10/2007

Trilha sensitiva

Para a maioria das pessoas que não sofrem com algum tipo de necessidade especial, as barreiras arquitetônicas que dificultam e até impedem o acesso de portadores de deficiência aos mais variados locais às vezes passam despercebidas. Para uma observação mais atenta, é preciso sentir na pele estas dificuldades, até mesmo para saber conviver com as diferenças e – o melhor – pensar o mundo de forma mais ampla e inclusiva.

Esta foi a proposta de um minicurso ministrado durante a 12ª Semana de Engenharia Civil da Universidade Federal de Goiás (UFG). Sob o comando da arquiteta Maryana de Souza Pinto, os alunos dos cursos ligados à Engenharia e Arquitetura foram submetidos a situações comuns aos portadores de necessidades especiais. Eles simularam o cotidiano de cadeirantes, idosos, cegos e de pessoas dependentes de muletas.

Com a ajuda de aparelhos adaptados, como elásticos para limitar os movimentos e óculos vedados para impedir a visão, os estudantes percorreram alguns trechos da Faculdade de Engenharia da UFG e constataram que, mesmo no local onde se deveria, em tese, haver a preocupação em facilitar a vida dos portadores de necessidades especiais, existe um sem-número de barreiras arquitetônicas.

Invertendo papéis
As adaptações malfeitas realmente existem e foram observadas na própria Faculdade de Engenharia da UFG, pelas estudantes Janaína e Thaís, participantes do minicurso. Sentadas sobre uma cadeira de rodas, elas sentiram na pele a dificuldade de vencer até mesmo pequenas depressões e buracos nas ruas e calçadas.

No banheiro, apesar de existir o box reservado para os deficientes, Thaís relatou o quanto a barra de apoio fica distante do vaso sanitário. Já o estudante Raul Cloves, que faz o curso tecnológico de Construção de Edifícios no Cefet-GO, suou a camisa, mas não conseguiu subir uma rampa sentado na cadeira de rodas.

Com uma das pernas amarradas, outros estudantes relataram a dificuldade de subir escadas com o uso de muletas. Já entre os que simularam a ausência total de visão, a maior dificuldade observada foi em relação à perda do referencial.

Na própria pele
Esta espécie de "trilha sensitiva", segundo Maryana, é uma forma de fazer com que os alunos tenham uma compreensão maior sobre a Norma Brasileira 9050, editada em 2004 e que define os parâmetros de acessibilidade a edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos. Ela explica que atualmente existe um movimento da sociedade e dos órgãos oficiais – Departamento de Vigilância Sanitária, prefeitura, CREA – em favor das adaptações aos portadores de deficiência.

Na opinião da arquiteta, passando por situações um tanto complicadas a que são submetidas os deficientes, os alunos se conscientizarão sobre a importância da norma e dos cuidados que devem ser tomados ao se projetar uma obra. "Se eu apenas falasse sobre a norma, que é muito extensa, ficaria longe da realidade. O objetivo é tornar o tema mais próximo do cotidiano dos alunos", destaca Maryana.

Barreiras por todos os lados
Ao projetar qualquer estabelecimento público, o profissional da área deve estar atento a detalhes como rampas, barras, corredores mais largos, entre outras adaptações. Um dos problemas ainda enfrentados pelos arquitetos e engenheiros, entretanto, é o duelo entre viabilidade econômica e obras com acessibilidade.

Segundo Maryana, estima-se que, para se construir de acordo com a norma, a obra fique entre 10% e 15% mais cara. É por isso que, na maioria das vezes, surgem adaptações grosseiras que não contemplam as necessidades de um portador de deficiência.

Mesmo que implique em custos mais elevados para o proprietário, a arquiteta Maryana de Souza Pinto acredita que deve haver uma conscientização dos profissionais para que a acessibilidade seja levada em consideração. Apesar de já existir uma preocupação latente em relação ao tema, as iniciativas ainda são poucas. Ela cita, por exemplo, uma clínica odontológica construída em Goiânia – a única no Brasil – criteriosamente projetada dentro da norma.