Mesmo proibido, leite continua no mercado

Jornal Hoje, 31/10/2007

Mesmo proibido, leite continua no mercado

Secretário Cairo de Freitas durante reunião com Alfredo Correia (Sindleite) e Ângela Maria(Svisa)

Carla Lacerda

Assunto em alta nas discussões em rodas de conversa, a qualidade do leite comercializado em Goiás provoca outro tema passível de debate: as ações das Vigilâncias Sanitárias de Goiânia e a Estadual. A primeira baixou medida cautelar na segunda-feira, em que proíbe a venda das 18 marcas reprovadas no teste divulgado pelo Procon até que os resultados das amostras que analisa estejam prontos. “Os lotes não serão recolhidos do mercado (competência da empresa e do Ministério da Agricultura), mas não poderão ser comercializados em Goiânia”, esclarece o assessor-técnico da Fiscalização da Vigilância Sanitária Municipal, Irineu Batista Júnior.

Já no Estado, a venda dessas mesmas marcas está liberada. Pelo menos, até que a Secretaria Estadual de Saúde (SES) analise os documentos encaminhados pelo Procon, protocolados na Superintendência Estadual de Vigilância Sanitária e Ambiental (Svisa) na segunda-feira, 29.

Ontem, em entrevista coletiva, o titular da SES, Cairo de Freitas, ressaltou que a Svisa acatou a denúncia do Procon e, se confirmarem os resultados durante perícia realizada pelo Laboratório Central (unidade referência do Ministério da Saúde), medidas serão tomadas. “É sério desqualificar uma marca sem a devida comprovação, sem ter feito contraprova”, afirmou, ao lembrar que análises periódicas são feitas pela Vigilância Estadual e que, até o momento, nenhum tipo de dano à saúde da população foi registrado em decorrência da ingestão do leite em Goiás.


MONITORAMENTO
O titular da SES também destacou que a fiscalização do produto nos pontos de venda será reforçada. As ações encampadas pela secretaria incluem duas decisões principais. A primeira, em relação ao leite de saquinho. Como a duração do produto é de três dias e, para agilizar o acompanhamento dos lotes analisados, a SES acertou com o Sindicato das Indústrias de Lacticínios do Estado de Goiás (Sindleite) que coloque um representante para estar presente nos testes de contraprova. No caso do leite longa vida, a promessa é de intensificar o monitoramento.

Entre janeiro e outubro deste ano, 22 marcas de leite foram analisadas pela Svisa e, segundo a superintendente Ângela Maria Cardoso, apenas problemas pontuais e menores foram verificados, como rotulagem e baixo teor de gordura. Depois da denúncia do Procon, as cinco aferições realizadas por mês pelo órgão vão passar a ser 15, como medida preventiva, informa a superintendente.


Cairo de Freitas ainda reforçou o bom histórico dos laticínios goianos, atualmente em 300 unidades, e incentivou a população a não parar de consumir o produto. “O nosso leite é de excelente nível, sendo exportado para outros Estados e para o exterior, onde passa pelo crivo dos organismos internacionais de fiscalização”, ponderou.

Presente à reunião, o diretor-executivo do Sindleite, Alfredo Luiz Correia, informou que nenhuma marca foi suspensa e que é preciso aguardar o resultado das contraprovas. O dirigente ainda advertiu que a queda do consumo pode gerar desemprego no setor. Na edição de domingo, o HOJE mostrou que a Associação Goiana de Supermercados (Agos) teme redução de 40% das vendas.



AGRODEFESA NEGA FALHAS DE FISCALIZAÇÃO



Quatro dias após a divulgação de pesquisa que aponta irregularidades em 18 marcas de leite longa-vida e tipo C comercializadas em Goiás, a Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa) finalmente se pronunciou sobre o assunto e negou falhas no processo de fiscalização. Apesar de reconhecer dificuldades, como a falta de fiscais, representantes do órgão garantem que população não deve ter receio de consumir leite.


Em coletiva ontem, o gerente de Inspeção e Fiscalização do órgão, Eurípedes Amorim, destacou que a qualidade do leite é de responsabilidade dos laticínios, cabendo à Agrodefesa garantir as boas práticas de produção e aspectos higiênico-sanitários das instalações, de equipamentos e funcionários. “Como órgão de inspeção, temos de garantir o cumprimento dessas normas de qualidade”, afirma.

Atualmente, 120 fiscais vistoriam 57 empresas produtoras de leite pasteurizado embalados em sacos plásticos (saquinho) – responsáveis por 5,5% de todo o produto consumido no Estado. O presidente da Agrodefesa, Maurício Faria, reconhece que o aumento da quantidade de pessoal poderia melhorar a atuação do órgão, mas rechaça que a idéia isso tenha causado problemas às inspeções mensais. “Temos falhas estruturais, mas a falta de pessoal não compromete o resultado de nosso trabalho. Não falhamos, apenas não identificamos, ainda, em que etapa do processo produtivo está o erro”, observa. Com a realização de um concurso público, Faria acredita que os problemas serão resolvidos.


Segundo Amorim, todos os meses os fiscais percorrem as empresas laticinistas para verificar se as normas de produção estão sendo cumpridas e coletam amostras do produto para exames laboratoriais. De julho a setembro deste ano, por exemplo, ele informa que 592 análises físico-químicas (que verificam os teores de água e gordura, por exemplo), acompanhadas de 4.282 provas, foram feitas. Destas, 139 estavam em desacordo com o exigido, o que representa 11,3% do total. No mesmo período, outras 610 análises microbiológicas (atestam os níveis de bactérias e coliformes fecais) foram realizadas, no total de 2.130 provas. Irregularidades foram detectadas em 145 provas ou 11,3% do total. Como resultado das análises, 105 advertências foram emitidas, 16 multas, que variam de R$ 200 a R$ 5,5 mil foram lavradas; 17 estabelecimentos tiveram suas atividades suspensas entre dois e 15 dias e houve apreensão e inutilização de produtos em duas empresas.

INTEGRAÇÃO

Amorim acrescenta que os próprios estabelecimentos também são obrigados a realizar análises do leite que produzem em um dos quatro laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Para o gerente, a pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa em Alimentos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Goiás (UFG) e divulgada pelo Procon revela que a maioria das 18 marcas reprovadas apresenta elementos fora do padrão, o que não significa que sejam impróprias ao consumo. Destas, argumenta, somente uma, a Big Leite (de Senador Canedo), apresentou indícios de soda cáustica. “Acho que o assunto tem sido tratado com muito alarde. As pessoas não devem parar de consumir leite”, observa. A Agrodefesa concluirá hoje a retirada de amostras das marcas de leite tipo “C” para análise emergencial e deve divulgar os resultados na próxima segunda-feira (5).

Reunião realizada no Ministério Público Federal no final da tarde de ontem reafirmou a deliberação do encontro anterior. A força-tarefa que promoverá a intensificação da fiscalização terá o apoio do Conselho Regional de Medicina Veterinária, que auxiliará as inspeções da Vigilância Sanitária Estadual e Municipal, Procon, Agrodefesa e Ministério da Agricultura. A procuradora da República em Goiás Mariane Guimarães de Mello informa que após o resultado das contraprovas, as empresas reincidentes serão responsabilizadas. Caso também fiquem constatadas falhas dos órgãos de inspeção, os mesmos também serão punidos. (Bruna Mastrella)


PESQUISA APONTA RESÍDUO DE ANTIBIÓTICO


Uma pesquisa para doutorado feita pelo médico veterinário e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, Luiz Augusto Nero, entre 2003 e 2004, apontou a presença de resíduos de antibiótico em 20,6% (13) das 63 amostras de leite cru recolhidas na região de Londrina (PR). Para saber se a concentração está dentro dos limites máximos de resíduos ou se não há o chamado “falso positivo”, amostras de leite pasteurizado foram recolhidas no Estado para análise do Laboratório Central do Estado (Lacen), em Curitiba.

“Pode ser que a concentração esteja em níveis aceitáveis e não coloque as pessoas em risco”, alertou a professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e integrante do Programa Estadual do Controle de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos de Origem Animal (PamVet), Daisy Pontes Netto. Ela também contribuiu para a pesquisa.


Em seu trabalho, o professor da UFV analisou 210 amostras. Além de Londrina, na região de Viçosa ele observou contaminação em quatro (8,5%) das 47 amostras. Na região de Botucatu (SP), foram colhidas 50 amostras, das quais quatro (8%) tinham antibiótico e em Pelotas (RS), das 50 amostras, três (6%) apresentaram contaminação. Nas quatro cidades, 24 amostras (11,4%) continham resíduos. Segundo o professor, no caso de antibiótico, não há fraude por parte do produtor, até porque o leite perderia em qualidade e renderia menos. (Agência Estado)